Novo Plano Diretor de Alto Paraíso quer dobrar expansão urbana, sofre críticas por falta de transparência e ausência de estudo ambiental

12 agosto 2025 às 14h49

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Alto Paraíso de Goiás, cidade lar das cachoeiras da Chapada dos Veadeiros, vive momentos de tensão diante da proposta de revisão do Plano Diretor municipal, que tramita desde 2019 e prevê uma expansão urbana superior a 100% da área atual. Moradores, especialistas e organizações ambientais denunciam a ausência de estudos técnicos de impacto ambiental, a limitação da participação popular e o descaso da prefeitura com as normas ambientais da Área de Proteção Ambiental (APA) do Pouso Alto, unidade de conservação estadual.
Além disso, há suspeitas de favorecimento à especulação imobiliária em áreas de alto valor ambiental, como a Fazenda São Bento, cuja situação de loteamento urbano foi condenada por sentença na justiça federal, sendo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) a parte autora da ação.
“A prefeitura sempre foi omissa nessa gestão e nas outras no sentido de fiscalizar e impedir que as pessoas ocupassem áreas irregularmente e isso é muito para não ter atrito porque são eles mesmos, são as famílias deles, os amigos deles. Agora eles estão querendo aprovar às mudanças no Plano Diretor dizendo ‘os ambientalistas é que são os que não gostam de vocês, nós a prefeitura gostamos e nós queremos aprovar tudo’”, afirma Kelly Cristina, educadora ambiental, ativista e especialista em Políticas Públicas Ambientais e Desenvolvimento Sustentável. Para ela, isso faz com que a prefeitura ganhe dois bônus: não perder o seu capital social e ampliar a arrecadação de impostos.
A declaração foi feita após análises realizadas por ela em conjunto com os ambientalistas Aline Lima, advogada e moradora da região, Elielson Soares (Céu de Gaia Astroturismo), Lourenço Andrade (gestor geral do Instituto Aldeias), Marcus Saboya, morador e ambientalista, Sarah Stadlbauer (Associação dos Amigos do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros – AVE) e Severino Lucena (representante do Instituto Aldeias no Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente – COMDEMA).
Segundo Kelly, que conversou com o Jornal Opção, a Prefeitura argumenta que a aprovação da expansão se justifica pela existência de ocupações irregulares que, na visão oficial, não podem mais ser desfeitas. Entretanto, ela rebate que as áreas ocupadas representam apenas uma pequena parte do território em questão, enquanto vastas porções permanecem preservadas e não justificariam a ampliação urbana.
“Inclusive, o município tem mais de mil terrenos vazios. A gente tem uma área enorme de áreas vazias que ninguém usa, desde que a cidade surgiu, ninguém usa, e estão lá parados”, destaca.
Além disso, Kelly critica a inércia da prefeitura no cumprimento da função social da propriedade prevista na Constituição, apontando que áreas poderiam ter sido destinadas à moradia de pessoas carentes, evitando ocupações em locais de risco, como às margens da BR e sob linhas de alta tensão. Ela ressalta que essas famílias “foram obrigadas a ocupar essas áreas indevidamente”, pois sem ter onde morar, não conseguem comprar lote porque tudo está caríssimo devido a alta especulação imobiliária.
Em contrapartida, o prefeito de Alto Paraíso, Marcus Adilson Rinco (UB), defendeu ao Jornal Opção o processo como uma necessidade urgente para atualizar um plano datado de 2000 e coibir o crescimento irregular do solo urbano. Segundo ele, “a revisão do plano já deveria ter acontecido em 2010, não aconteceu, e está acontecendo agora aí depois de diversas dificuldades. É uma atualização de acordo com a realidade atual que a gente vive no município, tanto na área de preservação ambiental, de exploração econômica e de expansão urbana, tentando coibir os parcelamentos irregulares do solo.”
Ele acrescenta que a expansão urbana precisa ocorrer dentro de regras claras: “O que não pode é ficar acontecendo a expansão, como vem acontecendo, de forma totalmente desordenada e sem regramento. Aí vai acabar com tudo mesmo. Mas se nós estabelecermos o regramento, tudo fica de maneira controlável, vamos dizer assim”, afirmou Rinco.
Além disso, o prefeito de Alto Paraíso afirmou que: se as áreas desocupadas vierem a ser ocupadas, serão dentro de regramentos como porcentagem de ocupação do solo. “Práticas que visem a coibir o escoamento irregular da água, o escoamento danoso da água que vai evitar a ocorrência de erosões e outros danos que podem causar”, disse.
Ele também revelou que está marcada para o dia 19 de agosto a audiência pública para apresentação do texto final, que depois será encaminhado à Câmara de Vereadores, com expectativa de aprovação até o fim de setembro.
Assim como Kelly Cristina, vários outros ambientalistas da região defendem que mesmo que haja sim interesse social de habitação para algumas famílias carentes que já construíram e moram, há na proposta novas áreas de expansão urbana que não tem ninguém morando, áreas que ainda nem forma desmatadas, e que não há qualquer comprovação de necessidade social ou ambiental para querer aprovar expansão urbana, como é o caso do loteamento em frente à Fazenda São Bento que já foi alvo de sentença judicial, em 2024, favorável ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), determinando o cancelamento do loteamento por descumprimento de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs). Mesmo assim, o local segue incluído na proposta de expansão urbana.
“Só que é assim, a gente sabe que isso não aconteceu, tem o prefeito, a mulher do prefeito, vários vereadores, inclusive o antigo tabelião do cartório também tinha um lote lá, depois dessa denúncia ele foi embora”, relata.
O prefeito Marcus Rinco, que também é produtor rural, declarou não possuir conhecimento sobre supostos benefícios pessoais ou a de vereadores no processo: “Eu sou proprietário de um módulo rural, ali na região, próximo à Fazenda São Bento, na GO-239 e essa área lá, se vier a ser urbanizada, eu serei beneficiado, como muitos outros habitantes do município serão também. Não tem nada irregular.”
Ainda de acordo com os ativistas ambientais da região, a proposta do Plano Diretor duplicaria as áreas urbanas do município, aumentando a especulação imobiliária e a arrecadação de impostos, com uma desenfreada expansão urbana, sem Estudos de Impacto Ambiental, até mesmo ao redor da Microbacia da Pontezinha, onde a cidade já vive um cenário de risco Hídrico, conforme estudo da Universidade Federal do Goiás (UFG).
“Tudo de impacto ambiental eles falam que a ‘gente vai fazer isso depois’, mas a população está aprovando isso cegamente, porque não tem um embasamento técnico”, critica, citando a falta de estudos de impacto ambiental e audiências públicas em que a população seja – realmente – ouvida para legitimar o processo.
O processo de revisão do Plano Diretor, conduzido pela empresa Arismar Silva Guimarães desde 2019, enfrenta críticas por sua morosidade e falta de transparência. Inicialmente previsto para sete meses, o contrato acumula 11 aditivos, totalizando 79 meses e ultrapassando o limite legal.
O valor contratado saltou de R$ 149 mil para mais de R$ 633 mil. Além disso, o grupo de ambientalistas questiona a capacidade técnica da empresa, que, segundo suas pesquisas, sustenta a cobrança de IPTU para propriedades rurais com base em um artigo de lei anulado em 1983, o que pode levar a contestações judiciais massivas.
A controversa cobrança se aplicaria a sítios com atividades de turismo rural, como pousadas e restaurantes, transferindo para o município a arrecadação que, por lei, pertence à União por meio do Imposto Territorial Rural (ITR). Moradores locais temem que essa medida gere processos contra a prefeitura e gere insegurança jurídica para os proprietários.
“A gente pede que a prefeitura encerre de vez esse contrato e faça uma licitação nova, com parcerias, por exemplo com a Universidade de Brasília, que tem um time técnico excelente”, sugere Kelly.
Além disso, a comunidade ambiental local já encaminhou ao Ministério Público Federal documentos sobre compra e venda de lotes irregulares, ausência de estudos ambientais e desrespeito a TACs firmados com órgãos federais, que resultaram em multas milionárias e ordens judiciais de desfazimento que não foram cumpridas. Para Kelly, “o que a gente vê é que se dá pouca ênfase, pouca atenção, o MPGO já sabia disso há pelo menos dois anos e ainda não tomou nenhuma atitude”.
Outro ponto levantado é que o município não possui parque municipal registrado conforme a legislação federal do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), o que abre espaço para a prefeitura urbanizar áreas verdes de forma irregular. “Eles usam a própria omissão para atacar o que eles mesmos não fizeram”, afirma.
Segundo Kelly, as três principais demandas dos moradores que temem pela degradação do meio ambiente e qualidade da cidade são: “Primeiro queremos um estudo de impacto ambiental para assim o Plano Diretor ser atualizado. Segundo lugar, são audiências públicas que as pessoas realmente participem, que a Prefeitura de Alto Paraíso permita que as pessoas falem, que sejam devidamente registrados os pedidos e não simplesmente vem com a coisa pronta, faz uma leitura e ‘tá bom, gente, comunicamos vocês e tchau’”, disse.
Outra crítica, que ela destaca como parte das demandas do que precisa ser melhorado, é a fraca realização das audiências públicas, consideradas essenciais para garantir a participação democrática. “A prefeitura tentou usar a lista de presença para validar a aprovação do plano, mas isso não é audiência pública de verdade. O rito precisa ser respeitado, e o Ministério Público e órgãos ambientais como a SEMAD e o ICMBio precisam ter presença efetiva nesse processo”, alerta a ativista.
Além da insuficiente participação popular, as mudanças no Plano Diretor ignoram condicionantes legais da APA Pouso Alto, criada em 2001 para garantir uso sustentável e proteção ambiental. A proposta prevê expansão urbana em áreas arenosas próximas à voçoroca.
O grupo de ambientalistas em que Kelly Cristina faz parte também denuncia a intenção de loteamentos próximos ao córrego Preguiça e à bacia da Estação de Tratamento de Água (ETA) Pontezinha, locais fundamentais para o abastecimento público. “Quando você faz loteamentos urbanos, vai ter construção, fossas, vai puxar água do solo, vai infiltrar menos água da chuva… isso vai reduzir o volume de água nas cachoeiras”, alerta.
Além disso, o Plano Diretor em diversas dessas novas Zonas de Expansão Urbana (ZEUs) não prevê áreas para equipamentos públicos, como escolas, praças e postos de saúde, configurando um loteamento exclusivamente residencial e sem planejamento urbano adequado. “Eles não estão colocando isso agora… é só lote, só querem vender”, critica.
Kelly também destaca o descaso com as comunidades rurais e a falta de diálogo com os moradores. Ela cita a criação de “ilhas urbanas” isoladas em meio a áreas rurais, que nem mesmo os residentes locais desejam, mas é de interesse da pressão imobiliária para transformar sítios em zonas urbanas, contrariando o interesse coletivo.
“Teve uma dessas ZEUs que ninguém queria essa expansão urbana, o grupo de moradores queria a área rural preservada… a gente teve que fazer um abaixo-assinado na região dos Pandavas para retirar essa previsão de loteamento”, conta.
Segundo Kelly e outros moradores da região, durante a elaboração do Plano Diretor, não houve envolvimento de órgãos como a Saneago, Equatorial, ou centros de pesquisa como o Centro de Estudos do Cerrado da Chapada dos Veadeiros da Universidade de Brasília (UnB). Mesmo o ICMBio, responsável pela fiscalização do Parque Nacional, não foi formalmente convidado a participar, o que revela falhas na condução técnica e política do processo.
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