Repórter do The New York Times relata suas impressões da cidade que, “embora seja a capital, é claramente ‘não-brasileira’: muito rígida e, sim, muito organizada”. Avacalhamento ou elogio?

O jogo entre Brasil e Camarões, nesta segunda-feira, 23, embora não tenha sido um dos mais belos da Copa do Mundo 2014, gerou fatos interessantes. É certo que o jogo chamou a atenção do mundo inteiro. Afinal, pela primeira vez em muitos anos, a seleção brasileira dependia do resultado para se classificar e ir às oitavas de final.

E a atenção do mundo para o jogo, gerou uma repercussão em relação a Brasília, cidade onde se realizou a partida. É fato comum para os brasileiros que Brasília é uma cidade diferente. Mas por que é diferente? David Waldstein, o repórter do The New York Times responsável pela cobertura da Copa, respondeu a questão de uma maneira para lá de interessante.

Em um texto chamado “Brasília, a capital que é um lugar à parte” (em tradução livre), Waldstein começa dizendo: “Na bandeira brasileira se lê ‘Ordem e Progresso’, algo um tanto curioso nesse país maravilhosamente atrapalhado e bonito. Para um estrangeiro que viu o samba da noite carioca, a floresta amazônica ou São Paulo, com suas favelas em ruínas e seu trânsito barulhento, ordem não é o que vem à mente. Até chegar a Brasília.”

O nova-iorquino diz que, em um país acostumado com a improvisação, Brasília se mostra um tremendo contraste, isto é, “uma cidade tão ordeira, que é difícil acreditar que está realmente no Brasil”, pois na capital federal não se vê samba ou futebol. Sequer uma boa esquina para se tomar cerveja. “Não se vê favelas no centro da cidade. Isso é algo totalmente alienígena para o Brasil”.

Waldstein estranha, por exemplo, o fato de que em Brasília quase não há palavras nos nomes das ruas, apenas letras e números. Ele estranha que na capital federal não haja a assinatura do Brasil — “o futebol jogado nas praias ao longo do cintilante Oceano Atlântico”. Afinal, “Brasília, a cerca de 930 quilômetros do Rio, sequer está no litoral”.

O repórter acha engraçado que Brasília tenha mansões que “fariam um morador de Beverly Hills ficar de boca aberta”, mas tenha cidades satélites muito distantes dessa realidade. Ele chama Oscar Niemeyer de o “Pelé da arquitetura” e faz copiosos elogios ao design modernista da cidade.

Porém, como nem tudo são flores, Waldstein faz outra comparação com os Estados Unidos ao dizer que a capital brasileira lembra Nova York em um ponto: o esquecimento do pedestre. Isso acontece, segundo ele, devido à larga escala geográfica da cidade, que não poupou espaço à época de sua construção, mas fez com que os pedestres ficassem “aparentemente esquecidos em meio à paixão de [Lúcio] Costa [um dos arquitetos de Brasília], para carregar a cidade em um futuro preenchido pelos automóveis”.

São essas as impressões de um estrangeiro sobre a tão distante Brasília. Muitos as tomarão como afronta. Dirão que o nova-iorquino, ao relatar que a capital federal, de tão organizada, passa a ser “não-brasileira” ou “alienígena”, reforça o estereótipo de um Brasil bagunçado e sem lei.

Não vejo dessa maneira. Enxergo que o repórter veio à capital, que não é um ponto turístico e, de fato, não possui reconhecimento com as grandes cidades brasileiras. Sequer Goiânia, também construída para ser uma cidade planejada, possui semelhanças com a obra do desejo de Juscelino Kubistchek. Quiçá São Paulo e Rio de Janeiro, as históricas portas de entrada para o Brasil sede da Copa e eternos cartões-postais da sétima economia do mundo.

Se tivermos que tomar partido dos pressupostos de Waldstein ao escrever o texto, tomemos como um elogio. Afinal, não é Brasília, realmente, a capital que é um lugar à parte?