“Antes o pessoal tinha vergonha de falar que era de direita. Hoje já não existe mais isso. Hoje o pessoal está com vergonha de falar que é de centro”. A constatação veio durante uma entrevista do advogado, ex-deputado e professor Vilmar Rocha, do PSD, ao Jornal Opção, em julho deste ano. A conversa girava justamente em torno da evolução do pensamento político no Brasil, fracionado entre esquerda/centro-esquerda, centro e direita/centro-direita. Para Rocha, a direita, que antes pairava quase como um conceito abstrato nos ambientes políticos, hoje tem cara, militância e representantes aguerridos. Contudo, acontece que essa direita que nasceu, ganhou corpo e voz no Brasil, agora se transmuta e se divide em novas cepas, rompendo o cordão umbilical com seus criadores originais.

Não há de se falar na direita moderna no Brasil sem associá-la a Bolsonaro e ao bolsonarismo. O ex-presidente é tido como o responsável por personificar o sentimento conservador (e, muitas vezes, reacionário) da população em um só movimento com pilares comuns: antipetismo, apelo à religião e aversão ao “sistema” – mesmo tendo vindo desse mesmo sistema (Bolsonaro passou quase 30 anos no Congresso antes de ser eleito presidente), o marketing do Jair pegou e o alçou à posição de outsider, o “cara novo” que chegava para mudar tudo.

Muitos que antes se identificavam com partidos mais ao centro do que à direita, justamente por falta de representantes mais contundentes e radicais da ala conservadora, migraram para o bolsonarismo, exatamente porque passaram a ter um modelo mais fiel ao que acreditavam. Em entrevista recente à revista Veja, o governador Ronaldo Caiado foi um dos que fizeram coro à tese de que esse “resgate” da direita ocorreu com a eleição de Bolsonaro. “Em 1989, quando fui candidato à Presidência, havia um sentimento abafado por parte da população conservadora, muitas vezes por falta de capacidade de vocalizar”, disse, em uma reportagem assinada pelos jornalistas Ramiro Brites, Isabella Alonso Panho e Laísa Dall’agnol.

No entanto, o que agora se desenha nem é mais o nascimento, mas já o amadurecimento de uma nova “nova direita”, com representantes que bebem da fonte do bolsonarismo, mas que caminham descolados dele. São, realmente, outsiders que chegam à política impulsionados pela euforia do “fora todos” e pregando o fim de qualquer sistema estabelecido que possa, na visão deles, confrontar o conceito de liberdade absoluta. Essas mesmas figuras enaltecem Bolsonaro, ao mesmo tempo em que evidenciam que não precisam dele. Algo como “Obrigado, Bolsonaro, pelo pontapé inicial. Mas assumimos daqui”.

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Esses novos “ícones” direitistas assustam o próprio Bolsonarismo, como é o caso de Pablo Marçal, em São Paulo. Conforme o instituto Paraná Pesquisas, o ex-coach e candidato a prefeito tinha 10% das intenções de voto em meados de julho. Já no último levantamento, no início deste mês de setembro, Marçal aparecia com 21%. Bastou o ex-coach começar a aparecer nos debates para dar um salto impressionante nas pesquisas, e isso porque o candidato, que não é o escolhido de Bolsonaro, pegou tudo o que ex-presidente fazia em suas campanhas (e ainda faz) – como a afronta às instituições, o ataque à esquerda e a oferta de uma solução com origem no “fim do sistema” – e elevou à décima potência.

O que se vê, hoje, é um eleitorado “criado” pelo bolsonarismo que passou a ver os bolsonaristas tradicionais quase que acomodados se comparados aos novos direitistas que surgem. Com os bolsonaristas rotulados caindo no lugar comum da política, perdem, também, o fator “novidade” que antes caminhava ao lado deles.

Basta uma rápida olhada na situação dos candidatos assumidamente bolsonaristas – isto é, que contam com o apoio público do ex-presidente – nas capitais brasileiras. Em Goiânia, Fred Rodrigues, o candidato de Bolsonaro à Prefeitura, aparece em quarto lugar na maior parte das pesquisas eleitorais – atrás dos candidatos do PT, Adriana Accorsi, e do apoiado pelo governador, Sandro Mabel. No Rio de Janeiro, Eduardo Paes, do PSD, aparece nas pesquisas liderando a corrida eleitoral, em algumas com quase 60% das intenções de voto, deixando muito atrás o ungido de Bolsonaro, Alexandre Ramagem, que na última pesquisa Datafolha se posiciona com míseros 11%. O mesmo se vê em Recife, em que, também segundo o Datafolha, João Campos, do PSB, amplia a margem de vantagem em relação ao adversário bolsonarista. Enquanto Campos aparece com 74% das intenções de voto no levantamento mais recente, o bolsonarista Gilson Machado surge com apenas 9%.

Mas o fato é que esses novos direitistas seguem uma linha política que ainda está sendo criada. Ou seja: não há nenhum limite. Pedir o fechamento do STF, do Congresso, atacar toda e qualquer instituição, achacar explicitamente minorias desqualificar brutalmente qualquer um que não pense igual a eles tornou-se um padrão a ser seguido de forma literal. Opositor ferrenho do PT e autodeclarado direitista, Caiado, ainda na entrevista à Veja, não esconde o assombro com a nova direita que começa a tomar forma. Segundo ele, “para essa turma, nenhum partido presta, o Congresso não presta, o Supremo também não, numa toada de teses incompatíveis com a democracia”.

A nova direita nasce de um bolsonarismo responsável por impulsionar a eleição de um presidente, governadores e dezenas de parlamentares no Congresso. Agora, essa mesma nova direita descobriu que não precisa mais de seu criador, quer tomar as rédeas para si e decidiu adotar um sistema muito mais próximo do anarquismo do que de qualquer linha do liberalismo que possa existir. Como destacado no início deste texto, temos hoje uma parcela da população que não se envergonha em se dizer de direita. Porém, caso as variáveis desse espectro político se afunilem para culminar na direita de Pablo Marçal & Cia, vergonha é o que se abaterá sobre todos nós.