Noite goiana impactada: pequenos artistas da capital estão sem renda durante a crise
02 maio 2020 às 11h37
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Músicos relatam ausência de perspectivas para os próximos meses; Falta apoio público e em alguns casos nem mesmo ao Auxílio Emergencial se pode recorrer
Bares fechados, boates e casas de festa sem previsão de retorno. A realidade imposta para o setor de eventos esconde as histórias dos elementos que compõem os grandes bailes ou qualquer diversão diária em um dos bares da capital. As pequenas estrelas da noite goiana, cidade referência no sertanejo, estão ofuscadas desde o início da pandemia. Entre os vários artistas há o mesmo tom: o esforço desmedido para sobreviver durante a crise.
“Muitos músicos estão me ligando dizendo que se eu souber quem está precisando de pedreiro, pintor, ajudante geral ou qualquer outro trabalho, para chamar eles”.
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Essa é uma parte do relato do presidente da Ordem dos Músicos do Brasil (OMB) em Goiás, Emerson Biazon à reportagem. O representante da categoria está aflito, diz que as tentativas de apoio público não são exitosas e agora reúne esforços para adquirir doações para os membros da Ordem.
A situação é tão delicada que a entidade representada por Emerson vem recebendo alimentos para distribuição de cestas básicas entre os artista, mas o número de donativos é baixo e a quantidade de cestas disponíveis é limitada. “Fomos os primeiros a parar e seremos os últimos a voltar ao trabalho, porque precisamos de reunião de pessoas e isso não será possível tão cedo”, desabafa o presidente.
Pausa em sonhos
Há 20 anos trabalhando profissionalmente com música, o cantor Hugo Balthazar relata que os meses que antecederam a pandemia estavam sendo de muito trabalho. Tocando quase todos os dias da semana em eventos particulares e bares da cidade, a renda do artista é composta integralmente pela remuneração de suas apresentações.
Com a demanda zerada após o isolamento, Hugo vive um drama, precisando recorrer até a venda de seus instrumentos para pagar aluguel, dívidas e comprar comida. “Fiz uma primeira live e ela teve um bom resultado, teve doações, mas já as outras não tiveram. Eu vejo que não é uma coisa que pode virar rotina, essas arrecadações através de lives, mesmo porque o meu público não é tão grande quanto artistas muito famosos”, explica.
“Não tenho nem perspectiva, agora estou tentando mudar minha área de trabalho, mas a concorrência também está muito grande. Entreguei vários currículos e estou no aguardo”.
Diante das dificuldades e afirmando cumprir todos os requisitos, Hugo solicitou o Auxílio Emergencial, receberia, caso aprovado, R$ 600 por mês durante três meses. Acontece que após quatro semanas de espera com seu cadastro em análise, recebeu negativa. As poucas informações disponíveis afirmam que ele recebe aposentadoria e é trabalhador seletivo, o que ele nega e afirma que seu último contrato formal foi em 2016.
Sobre a negativa do Auxílio Emergencial do cantor Hugo Balthazar, o Jornal Opção solicitou resposta do Ministério da Cidadania, que em um primeiro contato, tendo sido detalhado que Hugo afirma cumprir todos os requisitos, se limitou a informar a lista de regras já disponível na internet há um mês. Outro contato ratificando o pedido de explicação sobre o caso, com detalhamento dos dados do cantor, não foi retornado.
Busca por reencontro
Na mesma situação que Hugo, o cantor sertanejo Vittor Hugo diz que se viu sem rumo após uma semana de impacto financeiro, tendo até mesmo que devolver quantias em dinheiro de contratos já firmados. Na música desde os 16 anos, nasceu em Iturama, em Minas Gerais e veio para Goiânia em 2013, onde se viu crescer como artista. Com média de 10 shows por mês em bares e boates, Vittor estava com gravação do primeiro DVD marcada, mas viu o sonho adiado.
“Existe um plano bem elaborado pra minha carreira nesse ano e uma expectativa de subir novos degraus em crescimento, mas a quarentena veio e adiou tudo”, afirma o sertanejo, que relata que o impacto emocional veio junto, sem encontrar saída no inicio.
“Sinto falta demais de cantar nos shows, conhecer novas pessoas, divertir o povo com meu som, e tudo mais o que envolve esse trabalho que amo fazer. Música é o dom que eu mais amo exercer”
Apesar do cenário negativo, Vittor diz que está encabeçando novos projetos, vem somando junto aos seus seguidores metas diárias para conseguir quantias em dinheiro e diz que já percebe adesão de fãs nas iniciativas de arrecadação fora da música.
“Eu sigo um princípio para esse assunto que diz “Espere sempre o melhor mas esteja preparado para o pior”, sendo assim, estou pensando positivo e orando pra Deus fazer seu milagre para que saíamos logo dessa pandemia, porém, o cenário projetado é mais complexo e não temos previsão de retornar os shows e eventos tão cedo”, afirma o cantor.
Resiliência
Nascido em Feira de Santana e morador de Goiânia há apenas quatro meses, o cantor Rodrigo Villar é mais um a tentar se desdobrar para seguir com seu sonho. O dilema atual de Rodrigo está sendo permanecer em Goiânia ou retornar para sua cidade natal. Rodrigo conta que morava em uma casa cedida, mas que precisou ser devolvida à proprietária, a qual, sentindo os reflexos da pandemia da Covid-19, colocou o imóvel à venda.
“Vim pra cá com o objetivo de crescer na minha carreira, acompanhado de um amigo que também canta. Não tinha como alugar uma casa, então a prima dele foi embora pra outro estado e deixou a gente morando na casa dela. Agora ela me ligou e disse que vai vender a casa”, detalha.
Convicto, Rodrigo vem divulgando uma campanha de arrecadação na plataforma Kickante, com a finalidade de gravar seu primeiro CD. “Decidi ficar aqui e me esforçar para conseguir alugar alguma casa e ir sobrevivendo até tudo voltar ao normal”, relata.
Respostas disponíveis
Sobre as possibilidades ao horizonte da categoria, o presidente da OMB exemplifica que as lives, citadas pelo cantor Hugo Balthazar e que está sendo o caminho acessado por vários artistas do eixo de famosos do país, de fato não funcionam a longo prazo para os pequenos. Ele insiste na busca por apoio público.
Exposto isso, a OMB enviou solicitação aos gabinetes do presidente da república, Jair Bolsonaro e à secretaria de Cultura. Ambos os ofícios foram respondidos, tendo sindo os pedidos encaminhados ao Ministério da Economia e ao Ministério da Cidadania, agora em análise, mas sem previsão de retorno.