“Narrativa sobre Lei Rouanet é inventada para desacreditar artistas”, diz Duvivier em Catalão

17 junho 2024 às 15h17

COMPARTILHAR
Um dos fundadores do canal de humor Porta dos Fundos, Gregório Duvivier, ator, escritor e humorista, esteve em Catalão, para a Mostra Internacional de Teatro de Catalão (MIT Catalão) na última sexta-feira, 14. Em debate público no evento o ator afirmou que “há anos a extrema-direita tenta espalhar informações falsas sobre a Lei Rouanet. Segundo ele a intenção é desacreditar artistas.
Duvivier afirmou que o avanço da direita radical sobre o tema é porque a produção cultural, junto com a imprensa, expõem o poder e enfrentam o totalitarismo e o fascismo. Na realidade, criaram a lei federal de incentivo à cultura durante o Governo Collor, em 1991, apesar de normalmente vincularem ao governo Lula.
Ainda segundo o ator, os maiores beneficiários com a lei de incentivo não seriam os que estão engajados politicamente, isso porque “não tem nenhuma relação[ engajamento e financiamento]. Foi uma coisa inventada para criar uma narrativa doida de que os artistas estariam engajando por causa de dinheiro”.
Engajamento político dá dinheiro?
O ator afirma que as distorções sobre a Lei Rouanet fazem parte de uma “narrativa completamente fantasiosa” de que artistas são de esquerda porque tem interesses financeiros. “Isso é uma estupidez, a gente sabe que o dinheiro está todo na direita, desde que me engajei politicamente eu só perdi dinheiro. Vocês já me viram fazer alguma publicidade? Eu fazia muito, antes de me engajar. Financeiramente era maravilhoso. Um dia de publicidade valia um ano de teatro. Dá muito dinheiro não se engajar politicamente”, retrucou.
O artista também comparou o tamanho do orçamento destinado a leis de incentivo à cultura com outros tipos de estímulos, como aos setores automobilístico e do agro, que receberiam muito mais apesar de em termos de retorno empregarem muito menos. “A Lei Rouanet não é nada em termos de tamanho de orçamento para o incentivo. Ao mesmo tempo que mais emprega. O agro é muito importante para o PIB nacional, mas pouco emprega, é tudo mecanizado.”
“A extrema-direita sempre declarou guerra aos artistas, em todos os lugares, tradicionalmente, desde o fascimo na Itália. Porque o inimigo principal da extrema-direita é primeiro a imprensa e os artistas, e tem um motivo para isso. Os artistas encaram a liberdade, a contestação, em geral é quem diz que o rei está nu. Nossa tarefa é um pouco isso, a revelação de uma verdade e isso incomoda os totalitários”, explicou.
Por fim, Gregório comentou que, para ele, a narrativa contra a lei de incentivo alimentada pela extrema-direita não funcionou e que os projetos beneficiados continuam empregando muita gente e salvaguardando as inúmeras culturas do Brasil. “Porque não temos apenas uma cultura. São muitas culturas. E tem espaço para todas.”
A importância do teatro
Gregório esteve em Catalão para apresentar a peça Sisifo, no sábado, 15, que retrata um monólogo sobre o Brasil atual e hiper conectado, com temporadas de sucesso em diversas capitais brasileiras e em Portugal. O espetáculo é uma alegoria sobre os problemas atuais da sociedade que se inspira no mito grego de mesmo nome e com importantes – e divertidas – reflexões dos tempos atuais. Um dia antes ele abriu a série de bate-papos que a MIT Catalão promove entre público e artistas ao longo dos seis meses de evento.
Ainda no bate papo, Gregório falou sobre a importância do teatro como um elemento de união das pessoas através de compartilhamento de histórias, narrativas e culturas que fazem parte de um povo.
“Um dia as pessoas começaram a sentar e contar histórias e formar laços que não são de sangue, mas laços imaginários. Você cria através das histórias o que a gente chamou de um povo. E contar história é teatro. Graças ao teatro, se reunir e contar histórias, criar um senso de pertencimento, inventamos a cultura, criamos laços de cultura por semelhanças. O teatro começa a organizar o mundo em narrativas, começa a dar significado às coisas, e as pessoas passam a se identificar com seus territórios, a se identificar com suas narrativas, compartilhar estas narrativas.”
Humor pode ser político?
Gregório também destacou o papel do humor e do humorista enquanto artista dentro do teatro, pois segundo ele, socialmente o humor une e politicamente promove mudanças. “Toda amizade começa de uma piada interna, porque o humor é um catalisador social, é o que o nos une, que nos faz conhecer e gostar das pessoas, nos identificarmos com elas. O humor também tem a tarefa de desconstruir o que é sagrado, mostrar que tudo é passível de mudança. O humor tem esse olhar que desafia, é essa puxada de tapete das certezas”.
Ao mesmo tempo, voltando ao tema da opressão política, Gregório destaca que o humor preocupa as autoridades totalitárias. “O humorista nunca está alinhado ao poder. E o riso antigamente era mortal. Não é à toa que a religião tinha medo do riso, o riso é o contrário do medo, e as religiões viviam do medo. A religião cresce com o medo que as pessoas têm da morte, do diabo, as pessoas são tementes a Deus, a religião precisa do medo, que é um sentimento conservador, que faz você não querer mudar, faz confiar de forma mais vulnerável aos outros, mais suscetível a acreditar nos outros”.
Então o humor deve ser político?
Ao aprofundar sobre o humor, o ator comparou o olhar sobre o mundo das crianças, dos poetas e dos palhaços. “É tudo como se fosse um olhar pela primeira vez, um olhar sem vícios e olhar o mundo desse jeito é revolucionário. As perguntas mais fundamentais vêm das crianças. Toda a criança pergunta por que as pessoas dormem na rua, por que a gente morre, tem uma série de perguntas que são as mais importantes do mundo e que a gente aprende a deixar de fazer. O humorista não deixa de fazer estas perguntas, ele é a pessoa que não pode deixar de se espantar com o mundo, tem o compromisso com esse lugar da infância.”
Gregório destaca que apesar de considerar a essência do humor revolucionária, há humoristas que são conservadores. Segundo ele, “alguns até covardes”, que reforçam o discurso preconceituoso e opressor. “O humor também pode ser para perpetuar preconceitos, nem todo humorista é destemido, mas pode ser covarde, porque ri da população que “não interessa” ao opressor. Para mim, isso é o contrário da essência do humor, porque o humor é a arma dos desarmados. Uma pessoa com arma não faz rir e o palhaço é desarmado. O humor da opressão não interessa.”
MIT Catalão
A segunda edição da MIT Catalão começou agora em junho e vai até novembro. Ao longo de seis meses teremos várias peças com nomes consagrados do teatro nacional e do exterior, todas gratuitas. Estão previstos para os próximos meses espetáculos com Denise Fraga, o ator português Romeu Costa e grupos premiados como Galpão, de Belo Horizonte. Os espetáculos selecionados para a MIT Catalão são sucesso de público e crítica por onde passaram, muitos deles premiados ou finalistas de grandes prêmios.
Além disso, a MIT Catalão, está promovendo atividades formativas, com bate-papo, palestras e oficinas com os artistas convidados. A intenção é envolver o público em um processo reflexivo sobre as artes cênicas. O que é possível através de rodas de conversas com artistas e oficinas voltadas para a iniciação teatral.
A MIT Catalão é um projeto aprovado pela Lei Rouanet de Incentivo à Cultura (lei federal 8.313/1991) e patrocinado pela CMOC Brasil e pela Serra do Facão Energia (Sefac). Também conta com apoio da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (Proec) da Universidade Federal de Catalão (UFCat). A idealização, elaboração e realização do evento está nas mãos da Bricolagem Produções.
A edição de 2024 da MIT Catalão foi pensada para ser de forma intercalada ao longo de seis meses. Sendo assim, permite uma adesão maior de diversos públicos, democratizando o acesso ao teatro e inseri-lo no cotidiano da população local. O público pode acompanhar todas as novidades sobre a mostra em seu perfil no Instagram: @mitcatalao.
Leia também:
União Brasileira de Escritores de Goiás promove ocupação cultural
Confira o calendário das últimas festas juninas de Goiânia 2024