Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o Ministério Público de Goiás (MP-GO) e a Prefeitura de Goiânia, com aditivo publicado em janeiro deste ano, determina o encaminhamento de até 40% do lixo da capital para aterros geridos pela iniciativa privada, ficando o município com 60% do total. O Paço Municipal corre agora para finalizar o processo licitatório que vai permitir a entrada das empresas privadas, mas incertezas quanto ao valor elevado cobrado pelos entes privados e supostas pressões externas fazem com que o acordo já nasça envolto em polêmicas e até com o risco de prejudicar as finanças públicas.

Conforme apurado pela reportagem, reuniões semanais estariam ocorrendo na Secretaria Municipal Infraestrutura de Goiânia (Seinfra), que, por meio da Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg), faz a gestão do aterro sanitário de Goiânia. Uma dessas reuniões, inclusive, estaria prevista para terça-feira, 16. A intenção seria debater e buscar a adesão integral dos técnicos da pasta para a assinatura, por parte do prefeito Rogério Cruz (Solidariedade), da autorização de abertura do processo licitatório.

As apontadas reuniões seriam embasadas nos argumentos do promotor de Justiça da 15ª Promotoria de Goiânia e encarregado pelo TAC firmado com o Paço, Juliano Barros, sobre a necessidade de edificar todas as estruturas de suporte para as áreas de triagem, compostagem e aproveitamento do gás, entre outras, para transformar o aterro em um Centro de Tratamento de Resíduos Sólidos.

Em entrevista ao Jornal Opção em abril deste ano, Juliano Barros defendeu que existem estudos que comprovam que a solução para resolver os problemas do aterro é ampliar sua vida útil, o que só será viável com a destinação de parte dos resíduos para outro local. “É por isso que estamos buscando essas alternativas”, disse.

O orçamento e insegurança dos técnicos

No entanto, segundo apurou o Jornal Opção, os próprios técnicos da pasta estariam inseguros quanto ao orçamento divulgado pelas empresas para realizar a gestão de aterros privados na capital. Enquanto a Comurg recebe o valor médio de R$ 19 por tonelada de lixo tratada no aterro, empresas privadas interessadas em pleitear o serviço estariam propondo o valor de R$ 115 a R$ 120 para fazer o mesmo serviço.

Um especialista ouvido pela reportagem, e que não quis se identificar, destacou que não há um parâmetro de comparação para justificar o valor cobrado pelas empresas, uma vez que, se comparado com o serviço feito por algumas delas em outros Estados, o efeito de contraposição seria feito dentro do orçamento da própria empresa.

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“Com isso, os técnicos da Seinfra ficam de mãos atadas, porque de um lado tem o Ministério Público cobrando a licitação [para atendimento do TAC], e do outro tem a insegurança quanto ao valor cobrado pelas empresas”, disse o especialista, uma vez que, no âmbito da licitação, é preciso haver a comprovação de concorrência e preço justos.

Em entrevista concedida ao Jornal Opção em maio deste ano, o senador e pré-candidato à Prefeitura de Goiânia, Vanderlan Cardoso (PSD), se posicionou contra a proposta. Ele argumentou que é possível reduzir em pelo menos 70% a quantidade de lixo no aterro utilizando as cooperativas já atuantes no setor.

Uma vez que a situação toda ocorre em ano eleitoral, é preciso destacar que, apesar de a legislação eleitoral não vedar explicitamente a abertura de licitações em ano eleitoral, conforme o artigo 73 da Lei 9.504/97, é proibida a contratação de servidores públicos ou a eles equiparados, a partir dos três meses que antecedem o dia das eleições. Logo, a assinatura da licitação deve ficar para depois das eleições, o que significa que o ônus do salto do valor pago para a gestão do aterro ficará com a próxima semana gestão.

Procurada, a Seinfra declarou que não é possível comparar os valores cobrados pela Comurg, que deposita o lixo em um lixão, motivo pelo qual o MP fez o TAC, com o das empresas que deverão deixar o lixo em um aterro sanitário. “A comparação deve ser feita em relação a outros aterros.” Questionada sobre se, e quando, o prefeito Rogério Cruz assinará a autorização de licitação, a pasta disse ainda não haver previsão. Há quem recomende um pouco mais de cautela ao prefeito, pois a questão pode ser judicializada.

Ainda sobre os valores, na entrevista concedida à reportagem em abril, o promotor Juliano Barros argumentou que a Comurg “não faz a captação dos gases, não implementa um sistema de drenagem adequado e não trata o chorume, o que justifica um custo menor”. “É importante destacar que parte do valor cobrado pelas empresas é destinada ao descomissionamento do aterro, e todos esses custos estão inclusos. A nova lei de 2020 reconhece que o Estado não possui capacidade de investimento e manutenção desse serviço”, afirmou.

Áreas à venda

O projeto da Prefeitura de Goiânia de abrir a licitação com empresas oferecendo orçamentos com valores quase 700% maiores que os que são cobrados hoje pela Comurg não é o único que levanta polêmica, tanto pelo teor quanto pelo período em que se tenta emplacá-lo (ano eleitoral).

Tramita na Câmara Municipal um projeto do Paço Municipal que prevê a desafetação de 76 áreas públicas municipais (APMs), áreas essas que, originalmente seriam usadas para casas de idosos, playgrounds e espaços comunitários. A proposta já foi aprovada em primeira votação, mas só deve ser retomada após o recesso do Legislativo

A justificativa apresentada pelo Paço Municipal é que as áreas “se encontram sem uso específico e desocupadas, o que implica em não estar cumprindo com as funções sociais de maneira apropriada”. No entanto, nos bastidores, há a informação de que o objetivo com a venda é arrecadar valores para o pagamento de precatórios do município com a destinação das áreas públicas para a iniciativa privada.
Ao todo, a venda pode render R$ 131 milhões para os cofres públicos.

Vale destacar que tanto vereadores quanto pré-candidatos à Prefeitura disseram que vão judicializar a questão para barrar a proposta, caso ela prospere, e alguns deles até já se movimentaram. Uma delas foi a deputada federal e pré-candidata Adriana Accorsi (PT). Adriana entrou com representação no Ministério Público na quinta-feira, 11, contra projeto do Executivo municipal. A representação é conjunta com toda a bancada do PT na Câmara Federal, Assembleia Legislativa e Câmara Municipal de Goiânia.

Os petistas questionam a constitucionalidade da proposta, argumentam que ela fere a Lei Orgânica do Município que veda a venda de APMs a menos de 6 meses das eleições municipais, “além da falta de transparência e de debates com participação popular”. “A falta de avaliação dos valores reais e a venda de áreas já destinadas a prestação de serviços às comunidades também são questionadas.”