Esta é a segunda reportagem de uma série especial intitulada “Mulheres e Poder” sobre o valor da participação feminina na economia, política, cultura e sociedade.

O samba tem sua origem nas favelas e subúrbios cariocas, trazendo as vivências da população negra em grande parte das composições. Os encontros das famosas rodas começaram, principalmente, na casa de uma mulher negra, considerada a genitora do samba, essa era Tia Ciata – cozinheira, candomblecista e mãe de santo.

A história tentou apagar o protagonismo dessa mulher, mas foi dentro de sua casa e com o seu envolvimento que surgiu o primeiro “samba típico”, a canção “Pelo Telefone”. Depois desse marco, o samba de Tia Ciata viajou do Rio de Janeiro e foi levado para todos os cantos do Brasil.

‘Quem não gosta de samba, bom sujeito não é. É ruim da cabeça ou doente do pé’, já cantava Dorival Caymmi. Fato é que os goianos não vivem só de modão sertanejo, aqui também encontramos muitos entusiastas de outros estilos musicais, especialmente o pagode e o samba.

É claro que samba combina com cerveja gelada e feijoada quentinha, mas mais do que isso, combina com a potente voz e participação feminina. Sem Clementina de Jesus, não teríamos “Marinheiro Só”; sem Dona Ivone Lara, não haveria “Sonho Meu”; sem Beth Carvalho, não existiria “Andança”; e quantas outras músicas não surgiram de mentes femininas?

O movimento Mulheres na Roda de Samba celebra as mulheres sambistas vivas. Iniciado no Rio de Janeiro, em 2018, o movimento conecta mais de 30 cidades ao redor do mundo, inclusive Goiânia. Na capital goiana, em 2021, ocorreu o 4º Encontro Nacional e Internacional de Mulheres na Roda de Samba.

Luciana Clímaco, Dani França, Beaju, Grace Venturini e Mara Cristina são alguns exemplos das mulheres que cantam samba em Goiás. Figuras e vozes potentes que inspiram as novas gerações de mulheres goianas.

O Quintal, agora, Girassaia

Um dos pontos clássicos para o goiano que curte um samba era o Quintal do Keké, no bairro Vila Nova, que agora está sob nova direção. E a novidade é que o espaço passa a ser administrado por um grupo de mulheres: Déborah Camargo, Beaju e Ju Bianchi. A reinauguração do espaço acontece no próximo domingo, a partir das 12h.

Agora rebatizado como Quintal Girassaia, as organizadoras afirmam que pretendem manter o excelente trabalho do “parceiro e amigo” Keké. E sua proposta será mantida, o espaço deve continuar fazendo com que o público se sinta no quintal de casa.

As “meninas do Girassaia”, como estão sendo chamada, começaram a atuar juntas na gestão de carreira da Beaju, cantora, depois fizeram a produção da Roda de Samba Macumbb (homenagem a religiões de matriz africana), e o podcast PodBB, com Ju Bianchi e Beaju. No último carnaval, como parte da programação da Secult de Goiânia, Beaju cantou para mais de 25 mil pessoas na Praça Cívica.

Beaju é uma cantora conhecida nas rodas de samba goianas há mais de 25 anos. Além disso, ela também atua como advogada, podcaster e pesquisadora de gêneros musicais. “Várias coisas na nossa sociedade são masculinizadas, não só o samba, mas até a propriedade das casas culturais. Seremos três mulheres gerindo uma casa musical e cultural, cuja principal atração será o samba”, conta.

Ao lado da cantora, estão as duas produtoras. Ju Bianchi atua como produtora cultural, devido ao conhecimento adquirido como professora e organizadora de eventos esportivos na UEG. E Déborah Camargo, psicóloga e advogada, cuida da produção executiva, editais, pagamentos e outras questões técnicas.

“Para mim, a maior referência de todas é a cavaquinhista e produtora musical, Maximira Luciano, uma mulher preta e lésbica, que eu considero como um dos maiores nomes do samba de Goiás. Agora, a minha maior inspiração para o canto é a Clara Nunes. Com ela, eu sinto a dor da saudade de alguém que eu nunca conheci. Ela morreu em 83, e para mim, ainda é uma das maiores vozes do samba nacional”, afirma a cantora.

Questionada se ainda havia muita disparidade no consumo do samba com base em questões de gênero, a cantora responde que “com o advento da internet, tem público para todo mundo”. E ela explica: “se fizer o trabalho analógico e digital certinho, a gente encontra o público”.

E ela acredita na arte como uma importante ferramenta para combater problemas estruturais da sociedade, como o racismo e o machismo. “O samba tem um ritmo muito contagiante, tanto que é um dos responsáveis por alavancar o turismo internacional no Brasil. Então é a partir do momento que a gente coloca nas letras essas temáticas, que combatem a intolerância. Porque essa música tem muito mais chance de tocar no coração de um intolerante do que um debate”, finaliza.

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