MPF recomenda veto de mais de 30 itens na lei de licenciamento ambiental

31 julho 2025 às 09h17

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O Ministério Público Federal (MPF) emitiu uma nota técnica ao Palácio do Planalto recomendando que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vete pelo menos 30 dispositivos do Projeto de Lei 2159/2021, conhecido como Lei Geral do Licenciamento Ambiental. A proposta, aprovada na Câmara dos Deputados em 17 de julho, prevê uma flexibilização das regras de licenciamento e, segundo o órgão, promove um “desmonte generalizado do sistema” e um “retrocesso injustificado que compromete o núcleo essencial do direito ao meio ambiente”.
O documento entregue na terça-feira, 29, foi elaborado pelas Câmaras de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural, de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, além da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgãos vinculados à Procuradoria-Geral da República. Nele, o MPF sustenta que a proposta aprovada pelo Congresso fragiliza os instrumentos de proteção ambiental ao permitir modalidades como o autolicenciamento, a dispensa de licenciamento para setores inteiros e a eliminação de análises técnicas em empreendimentos de grande impacto.
A nota técnica também reforça que o projeto “viola abertamente” tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante a consulta prévia e livre de povos indígenas e comunidades tradicionais, e o Acordo de Paris, que estabelece metas globais para conter o aquecimento do planeta. Na visão do MPF, a aprovação do texto cria “alto risco de responsabilização do país perante cortes internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos”.
Entre os pontos considerados mais graves estão a introdução da Licença Ambiental Especial (LAE) e do autolicenciamento, que permitem que empreendedores declarem por conta própria que cumprem as exigências legais, dispensando análises técnicas prévias. O MPF alerta que, dessa forma, empreendimentos de grande porte ou alto impacto ambiental poderiam avançar sem estudos adequados, aumentando os riscos para ecossistemas sensíveis e para populações vulneráveis.
Além disso, o órgão critica a exclusão da participação de órgãos como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em projetos que afetem territórios tradicionais não homologados e a retirada da exigência do Cadastro Ambiental Rural (CAR). A nota também aponta a flexibilização da Lei da Mata Atlântica como um retrocesso adicional.
Em declarações durante evento no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, confirmou que o governo analisa com atenção a recomendação do MPF. “Não basta vetar, é preciso vetar e ter algo para colocar no lugar. Não está sendo visto apenas o veto, mas reparar aquilo que porventura seja mudado. Esse pensar em colocar algo no lugar tem a ver com as alternativas que a lei faculta. Ou via PL, ou via MP, são elementos que estarão no processo decisório”, afirmou.
Marina indicou que a Casa Civil, o Ministério do Meio Ambiente e a Secretaria de Relações Institucionais estão finalizando uma análise técnica para subsidiar a decisão de Lula.
O histórico de alertas do MPF sobre os riscos do projeto também foi destacado na nota. O órgão já havia se manifestado ao Congresso em diversas ocasiões, incluindo a entrega de pareceres ao Senado em maio de 2024, com ênfase nos impactos negativos à proteção ambiental e às comunidades tradicionais. Neste ano, o MPF reforçou sua posição em reuniões com a Comissão de Meio Ambiente e em audiências públicas, defendendo que qualquer alteração nas regras de licenciamento deveria preservar o equilíbrio entre desenvolvimento econômico e sustentabilidade.
Do lado político, a decisão sobre o veto ainda enfrenta divisão no governo. Enquanto Marina Silva e setores ligados ao meio ambiente pressionam por vetos amplos, os ministérios dos Transportes, da Agricultura e de Minas e Energia sinalizam apoio à flexibilização, argumentando que a medida destravaria obras de infraestrutura e reduziria entraves para investimentos estratégicos.
Um dos dispositivos mais controversos do projeto permitiria facilitar licenciamentos em áreas sensíveis, como na Margem Equatorial, com impactos potenciais sobre a foz do Rio Amazonas.
O MPF sustenta que, ao flexibilizar licenças, permitir autodeclarações e reduzir a participação de órgãos de controle, o país se expõe a riscos ambientais, sociais e diplomáticos. “Embora apresentado sob o pretexto de modernizar e conferir celeridade ao licenciamento ambiental, o texto aprovado contém dispositivos que, na prática, promovem o desmonte de um dos mais importantes instrumentos da política ambiental brasileira e da defesa dos direitos humanos”, diz a nota.