Fui aprovado para o curso de História da Universidade Católica de Goiás (UCG) em 1980 — há 42 anos. Éramos, na época, enviados para o Básico, na Praça Universitária. Estudámos juntos e misturados, quer dizer, alunos de vários cursos.

Nas aulas de Sociologia pontificava, entre outros, o mestre José Maria Baldino, que chamávamos apenas por Zé Maria.

Zé Maria era excelente professor. Militante do Partido Comunista do Brasil (PC do B), era, evidentemente, um mestre engajado. Marxista de primeira linha — um autêntico scholar. Mas era, necessariamente, dogmático? Não me parecia. Queria que a gente aprendesse a interpretar a sociedade — sua história e entranhas. Seguia a máxima de que havia chegado a hora de não mais interpretar a história, mas de transformar a sociedade? Pode ser. Mas queria que a gente lesse os textos de maneira cuidadosa e, ao mesmo tempo, examinasse o que estava acontecendo no dia a dia. Não se contentava com o exame do passado, por isso “ensinava”, por assim dizer, o presente, fazendo sua crítica, e convocando-nos para entendê-lo e, ao mesmo tempo, criticá-lo.

Quando as discussões esquentavam, em geral entre militantes do PC do B e trotskistas (havia muitos trotskistas da Arquitetura que compareciam ao edifício do Básico — onde havia uma lanchonete e, salvo engano, duas mesas de sinuca), em sala ou nos intervalos, Zé Maria às vezes intervinha, para esclarecer alguns pontos, apontando caminhos, mas sem nenhum ranço autoritário. O militante comunista era um gentleman, uma pessoa de rara doçura. Ele ostentava, sempre, um sorriso no rosto. Aquele tipo de sorriso que envolve todo o rosto, o que era cativante, empático.

O que líamos, na época? Se me lembro bem, líamos Marx, Lênin, Stálin (era pouco execrado), Marta Harnecker, Althusser (ninguém se interessava por Hegel — uma falha, por certo. Dizia-se que o filósofo havia sido virado de cabeça para baixo por Marx). Nem todos, é claro, indicados por Zé Maria. Mesmo quando discordava de nossas leituras, o mestre não dizia que deveríamos contorná-las. Poderia até apontar insuficiências, ou discordâncias. Mas só. Liev Trótski, o político, revolucionário e intelectual ucraniano — assassinado no México, em 1940, por Ramón Mercader, um sicário de Stálin —, não o entusiasmava de maneira alguma. Mas jamais sugeriu que eu e um colega, quiçá Antônio Luiz de Souza ou um estudante de Geografia (salvo engano, Cleiton), deixássemos de lê-lo.

Inteligente, com grande capacidade de concatenar ideias, Zé Maria fazia a diferença. Mesmo quem não era de esquerda, ficava cativado por sua maneira de lecionar e conversar. Ele acreditava no socialismo, quer dizer, numa sociedade justa de maneira sistêmica, estrutural. Era uma crença real.

Aquele que foi aluno de Zé Maria — como Antônio Luiz de Souza e Sérgio Murilo (que, depois de se formar em História, fez o curso de Direito) — certamente não o esquece. O professor era extraordinário, pois sabia ensinar, com mestria. Mas também não há como esquecer o ser humano carinhoso e agregador.

Em decorrência de complicações derivadas da Covid-19, Zé Maria morreu no último domingo, 17.

Outros mestres

Na década de 1980, havia bons mestres na Católica, como Altair Sales (Antropologia), Antonio Cappi, Beatriz (Geografia), Carlos Debrey (História), Darci Accorsi (Filosofia), Fiinho (grande mestre da Geografia), José Maria Baldino, Lúcia Rincon (Sociologia), Luis Palacín (História), Maria Amélia (História), Sílvio Costa (Sociologia), Wilson Ferreira da Cunha (Política).