Iuri Rincon Godinho

Muito ruim assistir os pioneiros de Goiânia morrendo. Hoje foi Bariani Ortêncio, confrade da Academia Goiana de Letras. Vai se encontrar com seu amigo Venerando de Freitas Borges, primeiro prefeito da capital, que implicava com Bariani por este calçar sapato sem meia. Vai se encontrar com o gráfico e editor Antônio Almeida (o popular Antônio da Kelps), que publicou dezenas de livros do escritor. Ele foi amigo do escritor mineiro Guimarães Rosa.

Goleiro do Atlético Goianiense, apelidado de Paulistinha por ter vindo para Goiânia do interior de São Paulo. Ele era “goianalista”, quer dizer, um escritor goiano nascido em São Paulo.

 Assistiu ao Batismo Cultural de Goiânia em 1942. Seus pais montariam uma serralheria para servir à cidade nascente. O governador Pedro Ludovico ofereceu à família um lote na Avenida Goiás, depois da Avenida Anhanguera. “Vocês estão loucos se aceitarem. É muito longe, prefiro Campinas”, disse a mãe. E lá se foram todos, com Bariani se transformando depois no principal historiador do bairro.

Bariani foi um fenômeno de lucidez e robustez. Tratando-se apenas com ervas, não ficava doente. Tinha receita para tudo. Produzia sua própria pinga, que servia fartamente aos amigos. Maior vendedor de discos do Centro-Oeste, com seu Bazar Paulistinha, era compositor e lançou Lindomar Castilho. Sabia tudo de música, em especial a de raiz. Foi o esteio sobre o qual o publicitário Hamilton Carneiro se debruçou para falar de folclore no programa Frutos da Terra.

Sobre a linda casa modernista de Bariani, na Avenida Circular, Praça Cívica, toda a classe cultural tem história para contar. Bariani cedia a orla de sua piscina a quem desejasse fazer uma palestra, lançar um livro ou simplesmente conversar. Até uns três anos atrás, saía de casa para ir para a Academia Goiana de Letras a pé, um trajeto de um quilômetro, ele com mais de 90 anos. Sozinho.

Bariani gostava dos meus livros sobre Goiânia, até porque ele era uma das minhas principais fontes e sempre estudei nas obras dele que falam da capital. Nos meus livros, Bariani se relia.

Dezembro é assim. As cortinhas se fecham. A gente que se vire para abrir outras.

Iuri Rincon Godinho, jornalista e escritor, é membro da Academia Goiana de Letras.