Euforia. Esse foi o sentimento que tomou conta do bolsonarismo com o anúncio da vitória do ultraliberal Javier Milei, na Argentina. A festa dos ditos conservadores e direitistas brasileiros parece ter sido maior que a dos próprios hermanos, uma vez que diversos jornais mostraram uma paz reinante nas ruas argentinas um dia após o anúncio do resultado da eleição.

Esse júbilo todo tem uma explicação: para bolsonaristas, a vitória de Milei representou quase uma vitória de Bolsonaro (inelegível aqui) e do bolsonarismo em terras estrangeiras. E faz total sentido que os brazucas pensem assim. Durante toda a campanha, Milei seguiu à risca a linha adotada por Jair na campanha de 2018: insuflou apoiadores com discursos extremamente ideológicos, radicais e maniqueístas e assumiu o papel de outsider da política em uma batalha contra um sistema que precisa de mudanças.

As propostas, por mais absurdas que soem para alguns economistas, diplomatas e políticos mais conservadores e até para parte da população – de extinção do Banco Central da Argentina, dolarização do País e fim da relação com países com governos autodeclarados de esquerda – parecem ter passado pelo crivo dos argentinos.

Nos lembremos que a Argentina amarga em uma crise econômica, com uma inflação galopante, e que o candidato peronista da vez era ninguém menos que o atual ministro da Economia, Sergio Massa. Ora, em períodos de instabilidade e colapso, a grande massa quer soluções rápidas, quer mudanças significativas e alguém com peito e carisma o suficiente para propô-las. Deu no que deu, Milei eleito – o presidente mais votado da história da Argentina.

No entanto, em suas primeiras movimentações já como presidente eleito, Milei parece ter entendido um ponto de suma importância e que foi ignorado por Bolsonaro, fato que contribuiu, e muito, para sua derrocada no Brasil: a campanha deixamos na campanha.

Enquanto Bolsonaro comemorava tal qual uma criança que se prepara para ir à festa de aniversário de seu amiguinho, alardeando aos quatro ventos a boa relação dos dois, Milei – com o qual Bolsonaro tanto se identifica pelo asco de ambos a políticos e partidos de esquerda e tudo quanto há que os envolve – em uma só tacada disse que Lula “será muito bem-vindo” caso vá à sua posse no dia 10 de dezembro e agradeceu publicamente ao líder chinês Xi Jinping (do Partido Comunista Chinês) pela carta em que o asiático parabeniza o argentino pela vitória.

Algumas das más línguas já adotaram o famoso bordão “Milei já é comunista na Austrália” ao se referirem à mudança de tom do presidente eleito. Porém, o nome disso é simplesmente ‘fazer política’. Milei foi eleito na Argentina em contexto bem parecido ao do Brasil. Ele sabia que havia a demanda por uma voz retumbante contra o apontado “sistema”, uma figura radical que bradasse “sou diferente deles” e que oferecesse a salvação ao povo às custas da queda da chamada “casta”.

Contudo, Milei agora dá sinais de que também sabe que esse é um discurso de campanha para ser usado somente como isso mesmo: um discurso de campanha. Milei tem ciência do desequilíbrio caótico que se instalaria na Argentina com um possível rompimento de relações com países parceiros como Brasil e China. Ele sabe, pelo que já sinalizou, que manter um ritmo de ataques a instituições e autoridades durante sua gestão não será nada além da abertura de uma cova para a estabilidade de seu mandato e o equilíbrio social de seu País.

É difícil dizer se Milei tentará seguir adiante com seus planos mirabolantes e radicais para a Economia argentina. No entanto, seus primeiros passos dizem que não. Milei não é bobo. Ele tem total conhecimento que para vingar um projeto como o fechamento do Banco Central, ele precisa, logo de início, zerar o monstruoso déficit público, angariar um grande apoio político de um Congresso argentino que ainda teme pela sanidade do presidente eleito e atrair dezenas de bilhões de dólares – fatores improváveis de serem consolidados no primeiro mandato de um presidente de primeira viagem.

E se Bolsonaro esperava que Milei, como primeiros atos, continuasse xingando Lula, desferisse impropérios e ofensas aos chineses e políticos de posições políticas divergentes e mantivesse a retórica de “fogo no parquinho”, assim como ele mesmo fez quando presidia o Brasil, deve estar agora com os olhos vermelhos de tanto chorar pela “traição” de seu hermanito.

Que Jair supere, e aprenda que política se faz deixando o discurso de campanha na campanha.

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