A elite nacional não quer nem nunca quis dividir o bolo. Acham que isso é direito adquirido e, assim como as capitanias, hereditário

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O vídeo que viralizou na manhã da terça-feira, 14, vazado – propositalmente ou não, não faz muita diferença – de uma reunião de grandes nomes da política, da imprensa e da economia nacional na casa do empresário Naji Nahas, acima de tudo e acima de todos, denota e causa nojo. Não pelas risadas abertas por imitações do presidente ou de ausentes e presentes, mas pela empáfia com que tudo se deu.

A escolha do adjetivo forte, na verdade, é apenas uma opção pela síntese de mão dupla. Porque, a sensação que se tem, vinda dos comensais, é que um grande desprezo por tudo aquilo que não os cerca. E, do mesmo modo, ao ver a ceia sabendo-se impossibilitado de fazer parte dela e vendo o que afeta a todos estar passível do escrutínio de uma roda de brancos de paletó, não dá para se sentir menos do que palhaço do circo Brasil.

Para tanto, bastaria falar do anfitrião: Naji Nahas foi um golpista dos tempos que colarinhos brancos temiam ainda menos a Justiça do que hoje neste País. Alguém que, com seus esquemas, conseguiu levar à bancarrota a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro.

É preciso dizer, porém, que um dos convidados de Nahas, o ex-presidente Michel Temer (MDB), cumpriu um papel importante para a Nação na semana passada: ao atender o convite de Jair Bolsonaro (sem partido, ainda) para ir até a capital da República e “inspirar” uma carta que encaixasse o presidente às normas institucionais que ele há muito vinha ameaçando romper, o ex-presidente contribuiu para tranquilizar a situação social, política e econômica do País.

Isso porque a Declaração à Nação assinada por Bolsonaro tem pouco de Jair e muito de Michel. Os mercados, os políticos e sociedade da classe média para cima, todos atemorizados com a instabilidade propositadamente gerada pelo presidente e seus seguidores às instituições, se sentiram representados.

Temer é o oposto de Bolsonaro, mas são faces da mesma moeda. Ambos sempre estiveram na política para defender interesses próprios e de seus próximos, apenas em escalas diferentes: o “mito” apenas ampliou o número de adeptos de seu extremo reacionarismo; já o emedebista, como se vê naquela mesa, atende a uma fatia bem maior do PIB.

Outra questão: quem conhece a história do Brasil, de Casa-Grande & Senzala às novelas da Globo sabe quem são os que se sentariam e os que não seriam convidados para aquele jantar. E isso, falando de ex-presidentes, significa que, numa mesma situação, seria impossível imaginar Lula, Dilma ou o próprio Bolsonaro no lugar de Temer, “fazendo sala” junto com investidores, empresários e tubarões da grande mídia.

Isso não tem a ver com juízo de valor sobre qualquer um dos três. Tem a ver, isso sim, com o juízo de valor que se faz da elite brasileira, baseado não em teorias conspiratórias sobre acordões recentes, mas em fatos históricos e centenários.

Bolsonaro foi eleito por essa gente que ali estava jantando em uma mesa com talheres finos apenas por um motivo: no segundo turno, a outra opção interessava muito menos do que a outra, para essa gente que janta com talheres finos.

Aquelas pessoas na sala de jantar representam apenas seus próprios interesses e de suas famílias, no máximo de seus pares quatrocentistas. São eles que recolhem para os próprios bolsos as riquezas produzidas desde o Brasil colônia.

As pessoas daquela sala de jantar são ocupadas e preocupadas em nascer e morrer levando para seus descendentes essa mesma “tradição”, num rito perpétuo. A mesma mesa, só que com os filhos. Depois, os netos. Sem que nada mude. A elite nacional não quer nem nunca quis dividir o bolo. Acham que isso é direito adquirido e, como as capitanias, hereditário.

Em 520 anos, a única ameaça, ainda que leve, a um desequilíbrio nessa balança foi – queiram ou não os engajados, os números mostram e provam – o período de governo do PT, especialmente os anos Lula. Mas ver a empregada tirar férias e viajar para a praia incomodou tanto que, entre o fascismo e esse esboço de socialdemocracia, preferem escrever editoriais sobre “escolhas muito difíceis”.

Talvez o desafio menor, ainda que trabalhoso, seja tirar Bolsonaro e seu golpismo fascistoide do poder. O trabalho de Hércules das próximas gerações é enfrentar o desejo de “status quo” das pessoas daquela sala de jantar. Até lá, a piada seremos nós, os que não frequentam essas mesas.