Mesmo com prazo maior, Ministério da Saúde pode perder testes de Covid-19
04 janeiro 2021 às 15h38

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Dificuldades de comprar insumos e equipar a rede de laboratórios estão entre os principais entraves do processo

Após a denúncia de que o Ministério da Saúde tinha estocado mais de 6,8 milhões de testes para Covid-19 que venceriam entre dezembro e janeiro, a pasta teve que encontrar uma solução para o problema. Contudo, mesmo com uma resposta, os testes podem acabar parando no lixo.
Isso porque a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estendeu a validade dos exames por quatro meses. Mas mesmo assim, o governo segue com dificuldades para distribuí-los.
Os primeiros alertas surgiram em maio do ano passado. A área técnica do ministério advertiu sobre a falta de planejamento nas compras de exames do tipo RT-PCR, o mais eficaz para o diagnóstico. Além disso, sugestões de suspender contratos enquanto a rede do SUS era equipada foram ignoradas pelo ministro Eduardo Pazuello.
Assim, a orientação poderia ter evitado que milhares de testes ficassem ociosos por falta de insumos necessários para completar o diagnóstico, como os cotonetes “swab” e máquinas mais modernas para processar as amostras de pacientes.
Para Adriano Massuda, professor da FGV e ex-secretário executivo do ministério, não há estratégia nacional de testagem. Ele afirma que as falhas de planejamento e logística são reflexo do desmonte de áreas técnicas do ministério. “É uma mistura de despreparo, desconhecimento da complexidade da estrutura do SUS, da atuação interfederativa, e arrogância. Por achar que ‘sou especialista em logística, eu domino o tema’”, critica o especialista.
Além dos 6,5 milhões de testes RT-PCR que seguem encalhados no galpão da pasta no Aeroporto de Guarulhos (SP), há ainda unidades em posse dos Estados. O número estocado é incerto, mas pode alcançar três milhões de unidades, estimam gestores de saúde.
O exame que segue no armazém do ministério custou R$ 275 milhões aos cofres públicos (R$ 42 por unidade) e deve ser mantido em temperatura de 20 graus negativos. O RT-PCR é um dos testes mais eficazes para diagnosticar a covid-19, pois detecta o vírus ativo no organismo. Na rede privada, o exame custa de R$ 290 a R$ 400.
Falta de insumos
O ritmo de exames no SUS aumentou de 27,3 mil análises diárias, em outubro, para 57,6 mil em dezembro, mas há insumos em falta nos laboratórios. Um deles é o reagente de extração do RNA das amostras, cujo estoque atual do ministério permite só 390 mil análises. A pasta ainda procura comprar mais 6 milhões de reagentes desse tipo.
O Tribunal de Contas da União (TCU) está realizando uma apuração exigindo explicações para as “irregularidades preocupantes” do Ministério da Saúde. Na semana do Natal, o tribunal enviou uma série de questionamentos ao Ministério, Fiocruz e conselhos de secretários de Estados e municípios sobre a estratégia de diagnóstico no SUS.
Segundo o TCU, os relatos da área técnica do ministério mostram “lacunas” na contratação de testes, “com nítidos aspectos de falta de governança e de planejamento no ministério”.
Em nota, o Ministério da Saúde afirma que pretende distribuir e usar todos os testes antes do vencimento. Sobre o que foi apontado na apuração do TCU, a pasta afirmou que havia “dificuldade de aquisição de testes no mercado mundial e pressão dos Estados e municípios para testagem da população”. A pasta não informou se houve termo de referência para a compra.