Menino da porteira virou empresário, tem 3 cursos superiores e 3 mandatos de vereador

18 maio 2022 às 10h42

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Fabrício Bragança foi de tudo um pouco nesta vida. Picolezeiro e motorista até chegar a empresário e vereador
Nilson Gomes
Especial para o Jornal Opção
Bolsonaro visita bastante e JK morou no Estado de Iris e Maguito
Ex-deputado pelo PP, Jair Bolsonaro é o presidente que mais esteve em Goiás durante o mandato superado apenas por Juscelino Kubitschek, que morou em Goiânia e Luziânia, e foi senador da bancada goiana. Bolsonaro tem média de quase uma visita por mês. Nem sempre foi assim.
Os petistas Lula e Dilma, por exemplo, ficaram 13 anos no cargo, uma década a mais que Bolsonaro até agora (início de 2022), e pouco pisaram aqui — pisaram nos goianos, não nos municípios goianos. Bolsonaro está quase repetindo JK e morando em Goiás. Mas 30 anos atrás era difícil ver o presidente da República em cidades goianas. A última vez havia sido José Sarney, que veio dia 14 de outubro de 1987, após o acidente com o césio 137. Até que…
Até que o governador Iris Rezende, que havia apoiado Fernando Collor contra Lula em 1989, convidou-o pra vir a Goiás e, pra recepção, escolheu Itaguari, a 100km de Goiânia. Collor topou. E veio. Naquele 5 de outubro de 1991, a cidade era novíssima (tinha três anos de emancipação). E ali chegou o jovem presidente, andou pelas ruas de Itaguari em meio à multidão formada por caravanas do Estado inteiro, mobilizadas por Iris (acompanhado da esposa e xará, Iris, com charmosos óculos escuros e chapéu que conseguiu com alguém em Itaguari mesmo) e seu vice, Maguito Vilela (acompanhado do filho Daniel, que dali a 18 dias completaria 8 anos). Com passos largos (muito) e rápidos (muitíssimo), Collor deu canseira aos goianos, conforme registram Joaquim Marques Cardoso, José Eduardo Neto e Osmar Jerônimo Neto no livro “História de Itaguari — de Campestre a capital da moda íntima”. Collor estava sorridente, maratonou ao lado das valas abertas pra encanação, aproximou-se do público:
“Eu cumprimentei o Collor e o Iris”, diz Joaquim Marques.
Os helicópteros do presidente, a caminhonete do governador e a bicicleta do picolezeiro

Não apenas Collor e Itaguari eram novos. Entre os presentes em Itaguari, quem ficou na cola do presidente foi o ministro da Agricultura, Antônio Cabrera, de 29 anos. Diversos integrantes dos governos federal, estadual (como o secretário de Minas e Energia, José Essado) e municipal se misturaram à massa, aos balões e bandeiras verde-amarelos, às faixas de pano com políticos saudando os visitantes. Eram milhares de pessoas e um Sol pra cada.
Na hora do gesto solene de torcer uma torneira pra inaugurar o sistema de tratamento do precioso líquido, chamaram Iris, que segundo antes se secara com lenço. Collor, que nasceu no Nordeste e foi criado no Rio (ou seja, era acostumado a calor), suava em bicas. E o presidente tomou o rumo da torneira. A passos muito largos e muitíssimo rápidos, chegou antes do governador. Collor abriu a torneira, aparou água com as mãos, lavou o rosto, deixou um pouco ir pra boca, passou parte no cabelo. Repetiu a dose.
Nem todos os mortais comuns tiveram o privilégio do presidente. Aí entra o protagonista desta história — sim, não era o governador nem o presidente ou seus secretários e ministros nem os parlamentares.
Calor e Collor dominaram as atenções. O primeiro público que mais lucrou com a festa foram os picolezeiros. Um deles era recém-chegado da roça, tinha 13 anos e só queria saber de juntar os trocados pra comprar uma bicicleta velha no aniversário de 14, dia 22 do maio seguinte. Antes de Iris chegar (de caminhonete), o adolescente já havia voltado à Sorveteria do Seu Odilon pra repor o estoque. Quando Collor pousou (em 2 helicópteros, um da segurança), o carrinho se esvaziava pela 2ª vez e o rapazote correu pra sorveteria novamente.
Os discursos começaram, ao lado de A Vantajosa Móveis, e as vendas estavam mais vantajosas que a loja. Fabrício antecipou: a projeção era que até o Natal estaria pedalando numa bike, mesmo usada. Resumindo o conto: quando os helicópteros presidenciais subiram, revolvendo novamente a poeira vermelha, deixaram ofícios, obras e dinheiro nos bolsos do picolezeiro suficiente pra comprar a magrela naquele sábado mesmo.
Trinta anos depois, Iris, Maguito e seu Odilon da sorveteria estão no céu, porque empreendedor vai direto, sem passar por purgatório. Collor é senador e vive o purgatório da reeleição. Cabrera deixou a política. O picolezeiro então recém-chegado da roça é bem-sucedido empresário, tem três mandatos de vereador e três cursos superiores.
Conheça um pouco da história de Fabrício Primo Bragança.

Botânico francês e médico austríaco em Itaguari no século 19
Trabalhar suportando o calor não era novidade pra Fabrício. Vivia essa rotina desde os 7 anos, na região do Brejo Grande, onde morava com os pais, Sebastião Primo Bragança, conhecido por Sebastiãozinho, e Maria de Oliveira Bragança, e o irmão dois anos mais novo, Eduardo Primo Bragança. Fabrício nasceu em 1978, no dia das causas impossíveis, o 22 de maio, uma segunda-feira, no Hospital Santa Lúcia, em Goiânia. Mas logo bebê e mãe retornaram pra casa de pau a pique e três minúsculos cômodos, sala, quarto e cozinha, feita pra peãozada do Brejo Grande, onde nasceu também o músico e professor Joaquim Cardoso, um dos autores de “História de Itaguari”, fruto de dez anos de pesquisas.
O livro lembra que Itaguari recebe visitas ilustres desde bem antes de Collor. Em 1818 ali estiveram:
— pesquisando a flora o botânico francês Auguste Saint-Hilaire que por colecionar plantas recebeu a maior medalha de seu país, a Ordem Nacional da Legião de Honra;
— catando exemplares de minerais e plantas o médico austríaco Johann Emanuel Pohl, “professor da Universidade de Praga que veio ao Brasil acompanhando a comitiva nupcial de Dona Leopoldina e D. Pedro I”.
Os relatos estão nas obras que ambos fizeram das incursões, Saint-Hilaire em “Viagem à província de Goiás”, Pohl em “Viagem no interior do Brasil”.
Fabrício tem Bragança, como D. Pedro, e percorreu aquela paisagem inteira a pé, como Saint-Hilaire e Pohl em 1818.
Constituição não impede criminoso de roubar, mas impede o honesto de trabalhar

Era a pé que Fabrício ia à Escola Pedro Inhola, na poeira e no barro da Brejo Grande, 2km de ida, 2km de volta, quando fazia o circuito interno da casa: passava na sala, dava um beijo na mãe, ia ao quarto trocar a roupinha de ver Deus e vestir o calçãozinho da labuta e saía pela cozinha já com a marmita do pai pra levar à roça. E ficava na lavoura a capinar, bater feijão de cambito ou o arroz em banca.
A Constituição Federal que nasceria pouco depois, junto com a emancipação de Itaguari, proíbe o trabalho dos menores de 16 anos – com essa idade, Fabrício já contava 9 anos de “registro profissional”: os calos nas mãos. Define que a lida moldou seu caráter, cresceu valorizando o esforço, ao contrário da Constituição. Não fez falta em sua vida educacional. Voltava a tempo de brincar com o irmão, fazer as tarefas escolares e ouvir rádio junto com o pai, modão invadindo o Cerrado. De manhã, Zé Bétio os acordava antes do galo.
Além das missões diárias, havia as responsabilidades. Inclusive, com dinheiro. Fabrício aprendeu desde criança a lidar com o pouco recebido. A guardar, no mínimo, tudo, relembra sorrindo. A primeira alegria desfrutada na política do “quem poupa, tem” foi quando resolveu adquirir um carrinho de brinquedo em sociedade com o irmão. De plástico. Baratinho. Mas comprado com recursos próprios. Assim como a bike, o carrinho também foi cash, uma moedinha em cima da outra.
O heroísmo de Dona Fiinha pra criar sozinha 5 crianças na roça

A Pedro Inhola só dispunha de turmas até a antiga 4ª série primária, equivalente hoje ao 5º ano do Ensino Fundamental. Quem alcançava esse apogeu, não punha mais os calcanhares na escola. A regra, infelizmente. Pois o menino do Sebastiãozinho e da Maria revelou-se exceção.
Os pais de Fabrício eram agricultores em 1 alqueire de terra, mesma medida do “lotifúndio” da família da prefeita de Bela Vista, Nárcia Kelly, que tem biografia semelhante. Ali plantavam a subsistência – arroz, feijão, verdura, até fumo. Sem condições de ir com o filho pra cidade. Aí entra em cena uma heroína, Fiinha Leite, a avó paterna, que Fabrício chamava de Dindinha.
Havia ficado viúva aos 32 anos, quando o pai de Fabrício era um bebê de 6 meses – está com 67. Além dele, havia outras quatro filhos pequenos pra criar. Guardou luto pelo marido, Olegário Bragança, e em seguida levantou a cabeça e continuou se levantando antes de o Sol aparecer no Cerrado plano da região. Não se casou, nem sequer namorou em mais de meio século de viuvez. Sustentou os filhos sozinha.
“Eu e Deus”.
A avó já se mudara pro distrito, antes da emancipação, quando Fabrício precisou dar sequência aos estudos. Foi atrás de serviço imediatamente após se matricular na Escola Genoveva Rezende, batizada em homenagem à mãe de Iris. Encontrou vaga na sorveteria e assim a sua foi mais uma cabeça ao Sol na Praça da Matriz durante a visita de Collor.
Vendia 1 caminhão de melancia por semana e distribuía algumas para os pobres

O emprego seguinte repetiu o anterior, também na área de vendas, uma ascensão na carreira: passou de picolé do seu Odilon pra melancia do Dito do Táxi. Quer dizer, não tinha mais carreira, pois o ponto da fruta era fixo, na Praça Central.
Fabrício não rejeitava negócio. O freguês levou dinheiro suficiente pra comprar uma melancia inteira? Maravilha. Grana curta? Nada de perder o sabor da vermelhinha mais desejada que a carteira da OAB e a camisa do Vila Nova com a casca mais verde que o manto do Goiás:
“A fatia era proporcional ao que o cliente trazia no bolso”.
Em pedaços ou inteiras, Fabrício vendia 1 caminhão de melancias que Dito importava semanalmente de Uruana, município agora administrado pelo prefeito Nei dos Reis Cruz, o Nei Canela, seu colega do Progressistas.
E quando a pessoa queria a fruta e não tinha dinheiro? “Se eu soubesse que era pobre, dava nem que fossem as talhadas que sobravam”. O patrão não reclamava? “Dito do Táxi era de boa”.
Benedito Romano, o Dito do Táxi, distribui adjetivos: “Fabrício sempre foi bom de negócio, muito trabalhador e correto”.
Fabrício distribuía melancia de graça? “Distribuía, mas me contava e eu concordava”.
Ainda neste 2022, nos momentos em que estão reunidos na praça, entre uma corrida e outra, Dito do Táxi, Devam do Táxi e João Birrinha comentam sobre Fabrício:
“Era excelente vendedor, esforçado demais”.
“Acreditei sempre que ele ia pra frente, porque era muito dedicado desde menino”.
“Popular com todo mundo, por isso tinha tudo pra ir bem no futuro”.
O menino da porteira: flanela no guidão da bicicleta, correndo pra vender coxinha
O quente de vender melancia é… no quente. O sol esfriou, ensina Fabrício, o movimento cai. Então, à tardinha, começo da noite, passava pra cima da Monareta que comprou num ferro-velho e ia pra casa buscar as coxinhas feitas por dona Fiinha.
O que a avó tinha de guerreira e bondosa, tinha de boa cozinheira. Ela ajeitava os salgadinhos numa forma e cobria-a com pano de prato limpinho de um jeito que só ela sabia alvejar. Fazia o neto recém-chegado das pedaladas tomar banho, pentear os cabelos pra trás e carregar a vasilha segurando-a com as duas mãos à frente do tórax, nada de arriscar no transporte via cabeça. Dona Fiinha só não conseguia dar jeito no calçado: Fabrício insistia em ir pra todo lado com botinas nas quais precisava encolher o dedão, pra evitar aparecer nos buracos.
Com os petiscos a bordo, Fabrício ia buscar freguês nas saídas das lojas, na ida pras escolas. Vendia todas. E se sobrasse era pra comer em casa, evitando furos na contabilidade, bastavam os das botinas.
Aos 14 anos, com bigode ralo e as pernas fortes de atacante do Brejo Grande Futebol Clube, voltou à carreira. À correria. Arrumou com Oripe Baré emprego de badeco (ajudante) de leiteiro. Sua função desgastava ainda mais o calçado: descer antes de a caminhonete parar, correr, abrir a porteira, esperar o veículo transpô-la, correr atrás e subir. E o que não faltava na região era porteira, porque a pequena propriedade é uma característica de Itaguari e municípios limítrofes.
Eurípedes Gomes da Silva, o Oripe Baré conta de sua surpresa com a vivacidade do menino da porteira:
“Meu badeco, o Véi do Vilar, se machucou jogando bola e o Fabrício me pediu pra entrar no lugar. Achei ele muito mirrado. ‘Vai dar conta, não’.”
E deu conta?
“Demais da conta!”, exalta-se Baré.
Fabrício convenceu de tal forma o novo patrão que Véi do Vilar sarou, mas o substituto foi efetivado.
1ª caderneta de poupança: a mão da avó, que não é agiota pra extorquir
Botinas novas não eram a única mercadoria que Fabrício deixava de comprar: “Não vim pra cidade pra andar bonito, vim pra estudar”. Nem com calçados luxuosos ficaria belo, mas a questão era outra: conserva o princípio ensinado pelos pais de ganhar e guardar, ganhar é difícil, gastar não pode ser fácil.
Outro europeu, o filósofo espanhol Baltasar Gracián, escreveu há 4 séculos em “A arte da sabedoria”:
1 — “Aprenda a ser prevenido”
2 — “Guarde sempre alguma coisa para o amanhã e, se for possível, para depois de amanhã”.
3 — “Crie as condições para se prevenir ou nunca poderá enfrentar os imprevistos das situações difíceis”
4 — “Não espere entrar em dificuldade, pois tem que vislumbrá-la com antecedência”.
Fabrício aprendeu com a avó a ser muuuuuito prevenido. Pão-duro, dizem os amigos cricris.
“Não era ser muquirana, era ser necessitado”, defende-se.
Pra atingir sua meta de, mais à frente, pagar eventuais colégio e faculdade, Fabrício deixava com a avó tudo o que ganhava com picolé, melancia, coxinha e leite. Não era muito, mas de pouco em pouco… Por que não colocava no banco? “Em Itaguari não tinha e, mesmo se tivesse, minha avó era muito mais segura, não roubava nem agiotava”.
Fabrício terminava os afazeres de badeco de leiteiro antes do meio-dia. Precisava de algo entre o almoço e o entardecer dos salgadinhos. Arrumou dois serviços, um na prefeitura (pintor de meio-fio), outro no Lava-Jato do Mauri (lavador de carro).
Quatro empregos e ainda estudava. E estudava muito. Porque gostava e porque se não gostasse e não estudasse teria de aguentar a pressão da Dindinha, que queria ver seu neto como 1º da família a fazer faculdade.
Aos 16 anos, comprou a 1ª casa e a empresa em que trabalhava
O ex-ministro Alexandre Baldy elogia Fabrício ao mesmo tempo em que atribui parte de seu sucesso aos pais e à avó. Baldy incentiva o estudo de economia familiar em todos os lares. Foi o que Fabrício teve na prática. Resultado: aos 16 anos, comprou de Mauri Leite Borges o lava-jato, sua estrutura e uma casa ao lado. Não tinha calçado novo, mas já era dono de um lugar de morar e outro de trabalhar. Pagou à vista. Cash.
“Ele pagou em dinheiro”, recorda-se Mauri.
Como conseguiu os recursos?
Recolheu o que tinha guardado com a avó. Levou pro Mauri. Contaram. Faltou. Coçou a cabeça, àquela época ainda com farta cabeleira. Lembrou do gado do pai. Meia dúzia de três ou quatro vaquinhas. Vendeu as quatro. Quando Sebastiãozinho soube, Fabrício já havia passado seu “rebanho” nos cobres e quitado com Mauri.
“Foi um bom negócio”, aprova hoje o pai.
A lágrima percorria o rosto marcado pelo tempo num misto de saudade e felicidade
O produtor rural e empresário Alexandre Baldy, palestrante e autor de livros de empreendedorismo, identifica na tomada de decisão de Fabrício com a avó a chave pro sucesso. Fabrício concorda:
“Guardadas as proporções, Baldy e eu usamos a mesma receita. Ele também começou a empreender bem jovem, aos 18 anos abriu a 1ª empresa e logo depois uma indústria com dois auxiliares e hoje são mil”.
Fabrício não tinha empregado nenhum. Ele mesmo lavava os carros. Alugou a casa. Evitou mexer na tática vencedora: continuou guardando cada centavo.
A função de badeco de leiteiro rendia um bom dinheiro, “guardadas as proporções”, mas Fabrício queria realizar um sonho, o de entrar no Exército. Alistou-se em Taquaral em 1996, sabendo que as chances eram mínimas, pois dificilmente são engajados recrutas do interior do Estado. “Se fosse agora, eu iria lá no cercadinho falar com o capitão Bolsonaro”, brinca Fabrício numa referência ao local do Palácio da Alvorada em que o presidente atende ao pública quando está saindo da residência oficial, em Brasília.
Permaneceu no ramo lácteo. Indicado por Baré, arrumou o 1º emprego com carteira assinada, salário mínimo por mês, de faz-tudo no Laticínio Alvarão. Juntava os rendimentos do lava-jato e a locação da casa. Gastava quase nada. Mas havia um problema insolúvel: continuava sem profissão, já estava sem estudar, dois itens inegociáveis pra quem reservava sonhos na pauta.
Dona Fiinha já havia se acostumado à presença do neto. A rotina de Fabrício era dos muitos serviços pra casa e de casa pro batidão. Tornaram-se companheiros de longas conversas esperando o domínio do sono. Fabrício repetia seus desejos e um em especial tornava ainda mais brilhantes os olhos de da avó: mudar pra Goiânia, fazer curso superior e voltar pra ajudar Itaguari a crescer.
A iluminação de Goiás foi considerada a pior do Brasil com a Enel, que espalha o sofrimento para 7 milhões de vítimas. Porém, já vinha bem ruim com a Celg. A debilidade da companhia energética e a lâmpada tênue do alpendre geravam um cenário de penumbra nos diálogos de Fabrício e da avó. Ainda assim, era possível ver uma lágrima escorrendo pelo rosto de Dona Fiinha quando o neto falava em mudar de sua casa. Fabrício não sabe se era saudade antecipada ou felicidade por imaginá-lo formado.
Sua humilde residência: banheiro desativado. Não cabia cama

Fabrício estava com 20 anos quando embarcou pra Goiânia num ônibus da Viação Moreira. Tinha exatamente nada no bolso ou na mão. Aliás, tinha algo no bolso, sim: um escorpião. Ai dele se desobedecesse aos conselhos da Dindinha e fizesse dívidas… Ai dele…
Ao procurar local de moradia, conseguiu barraco no modelo adequado ao que calculava pagar. Num lote grande do setor Santos Dumont, as dezenas de moradores dispunham de um único banheiro. No meio do terreno. Coletivo. Água fria. De construção mais ou menos recente. O banheiro anterior, desativado, sem vaso, pia nem chuveiro, foi o espaço alugado pra Fabrício.
“Era bom porque não cabia cama”, ri Fabrício, “até porque eu não tinha”.
Bateu perna pelas lojas da Avenida Anhanguera pedindo papelão. Assim, a caixa da geladeira chegou a seu barraco antes da própria, que também não caberia. Dormiu o sono dos justos.
No dia seguinte, abriu a saga atrás de emprego. Andava torto da noite no cimento. Dureza. Carecia de um colchão. Pra isso, dependia de um ordenado. Moleza. O Brasil vivia o boom do Plano Real. Conseguiu, por indicação do vereador itaguarino Januário Batista, de cobrador de ônibus na Viação Moreira, a mesma que o trouxera pra Capital. Duas histórias de superação se juntavam, uma vinda do interior de Minas Gerais, outra recém-chegada do interior de Goiás. Os mineiros haviam começado quase um século antes, estavam bem estabelecidos. O goiano tinha de dormir no cimento até receber o 1º salário e comprar um colchão.
João Moreira, um monumento ao empreendedorismo
A família Moreira já teve deputado estadual, Sandoval Moreira, eleito em 1990 e que depois ocuparia outros cargos públicos. João Moreira da Costa, avô de Sandoval, merecia uma estátua como a do Bartolomeu Bueno, aquela no cruzamento das avenidas Anhanguera e Goiás. Os Moreira, como milhares de outros, migraram de Minas Gerais. No caso deles, de Patrocínio, de onde o bandeirante João saía com carros de bois lotados de toucinho e outros frutos de seu suor na roça. Destino: Rio de Janeiro, então capital da República, 830km de distância no lombo do sofrimento.
O mês de viagem sacolejando se via recompensado pelo lucro triplo: a comercialização do que levava, a carga de sal que trazia e a venda direta ao consumidor no Armazém… Moreira. A trajetória está descrita no portal Empreendedores de Goiás, pra onde vieram Ibraim e Adirom, filhos de João.
Antes, Ibraim foi alfaiate e repetiu a experiência do pai. Em vez de carros de boi, os cavalos de um caminhão carregado de “toucinho, rapadura e açúcar mascavo para vender em Belo Horizonte” e voltavam com querosene, tecidos e outras mercadorias.
Juntou dinheiro, comprou um ônibus e agregou sociedade com Adiron. Ficaram 5 anos em Minas até o espírito empreendedor do pai abrir-lhes os olhos: Goiânia estava novinha e seu conterrâneo Juscelino Kubitschek havia prometido construir a capital do Brasil pertinho dela. O futuro, como agora, era Goiás.
Em 1956, rumaram pra Goiânia e foram pioneiros no transporte pra Brasília. No fim dos anos 1980, estavam novamente entre os primeiros a acreditar em Palmas.
O ônibus em que Fabrício embarcou pra Goiânia em 1998 trafegava na linha da Viação Sousa, comprada pelos Moreira pouco antes de investirem no Tocantins.
Quase 70 anos gerando empregos e dividendos pra Goiás e o Grupo Moreira não para. São 1.500 colaboradores diretos e indiretos. Fabrício já foi um deles. E “decolou” na empresa.
Subiu na vida: de cobrador a motorista
Mesmo tendo comprado o colchão com o 1º pagamento da Moreira, quem falou que Fabrício estava contente trabalhando de cobrador?
“De jeito nenhum”.
Contentar-se com colchão? Nem se fosse recheado de cédulas.
Percorria linhas de Goiânia ao Rio Araguaia, algumas vezes pra Itaguari, e se encontrava com diversos conterrâneos. Eles o consideram um vencedor. Afinal, dias atrás estava abrindo porteira pro Oripe Baré e agora estava ali engomadinho, uniformizado, de gravata, sapato engraxado em vez de botina com buraco no dedão, manuseando dinheiro de uma grande empresa…
“Mas não era meu”, descarta Fabrício.
O da firma, entregava inteiro; o seu ia pro Banco Vó Fiinha, que o amoitava debaixo da lata de feijão, no pé do filtro de barro, debaixo do colchão, em bolsos de vestidos pendurados nos cabides.
Fabrício, mesmo indo a pé, chegava cedo ao serviço. Mostrava-se correto. A contabilidade batia. Elogiado pelos passageiros. Desfrutava de ótima convivência com os colegas, que o incentivaram a aprender a dirigir, pois o contracheque de motorista é superior ao de trocador. Só sabia pilotar bicicleta, charrete e carro de boi – mas a família Moreira estava 1 século à frente. O jeito era tirar a CNH.
Um quarteto o ajudou: Humberto Peru, Afrânio Peixoto, Chicão de Itauçu e Darci Motorista. Em seu modo de pechinchar, chorou tanto no preço até fechar com uma autoescola de Inhumas. Seu professor, João Sargento, o treinou tão bem que Fabrício passou logo na 1ª tentativa pra categoria D, à época a exigida pra ônibus.
Havia mudado de degrau. Em vez de emitir e conferir bilhetes, estava ao volante, mas não se sentia dirigindo sua vida rumo ao futuro planejado.
Enquanto sonhava, continuava ajudando os passageiros:
“Eles transportavam simplesmente tudo”, diverte-se Fabrício. “Era porco, saco de cereal, galinha, muita galinha…”
Fabrício ajeitava simplesmente tudo no bagageiro e tocava em frente.
Não sabia como os animais chegavam vivos ao destino, devido à má qualidade das rodovias. Reclama principalmente da GO 454, de chão, quando estava em ônibus interestadual. Chegava moído ao Mato Grosso. Imagine os porcos no bagageiro…
“Gostei de ver o governador Ronaldo Caiado anunciando o asfalto em estradas de chão do Vale do Araguaia”.
No fim de abril de 2022, Caiado foi a Mozarlândia e Nova Crixás lançar mais de R$ 100 milhões em obras de pavimentação. Meio tarde pra Fabrício?
“Tá em tempo. Andei naquela região toda dias atrás”.
Acordar às 3 da madrugada, dirigir ônibus lotado e estudar até 11 da noite
Inquieto, Fabrício lutava. O sonho do Exército foi impossível, porém havia os demais. Um deles era estar no palanque, não empurrando carrinho de picolé, na próxima vez que o presidente da República fosse a Itaguari. Como conciliar a aspiração com o acelerador do ônibus? Pisou no freio:
“Decidi sair da Moreira pra estudar”.
Fabrício trabalhava junto, digamos assim, com Sandoval Moreira, deputado estadual em 1991 e um dos primeiros convidados pra recepção ao presidente da República naquele tórrido 5 de outubro. Enquanto Fabrício dirigia rumo a Aruanã, sua imaginação viajava a trocentos por hora. Queria ser empresário e político, como Sandoval e Alexandre Baldy, cujas conversas sobre ambiente de negócios o atraíram pro Progressistas. Fabrício via que o caminho certo não era pilotar pelas GOs incertas: deveria voltar aos livros. Voltou.
Trocou de emprego, pela Rápido Araguaia, pra ficar na Grande Goiânia e estudar, pois na Moreira tinha de ir a municípios mais distantes e outros Estados. Na RA, guiava por linhas do Jardim Guanabara, Campinas, Trindade, Goianira. No Guanabara, conhecia os passageiros pelo nome.
Mas ainda não entrara na faculdade. As escalas eram incertas: hoje à noite ficava ciente de que amanhã dirigiria à tarde, no dia seguinte era cedo, o fim de semana à noite. Falava com um, esquivava-se pra outro. Dialogava com outro, não era com ele. Até que Fabrício deu uma de Fabrício: ia resolver com quem manda na coisa toda.
“Se fosse pra não estudar teria ficado lá no Brejo Grande, pelo menos nadava no Pedro Inhola e jogava no time da roça”.
Não voltaria pra casa com o desespero de quando a deixou naquela madrugada. Sairia do pátio de manobras da empresa somente com a faculdade viabilizada. Depois do Seu Odilon da sorveteria, do Dito do Táxi da melancia, do Oripe Baré do leite, do Sandoval da Moreira, pra se graduar teria de convencer mais um patrão.
Andando nas nuvens em busca do chefe do tráfico. Não pense besteira
Exaurido seu turno, entregou o ônibus e ficou por ali, ainda de uniforme, esperando que o dono da empresa, Odilon Santos Neto, chegasse à garagem central da Rápido Araguaia, onde atualmente é o Shopping Cerrado, na Avenida Anhanguera.
Quando o carro de Odilon Neto ia passando pelo portão, Fabrício o abordou. Neto parou, abaixou o vidro e ouviu do funcionário:
“Seu Odilon, vim do interior porque meu sonho é fazer faculdade. Na empresa em que estava, tive de sair por causa das distâncias. Vim pra cá e aqui quem está me prejudicando são os horários. Tem como o senhor me colocar numa escala fixa pra eu estudar?”.
Odilon Santos Neto reagiu completamente a favor.
“Claro que tem. Claro que você deve estudar. Está resolvido”.
Ainda dentro do carro, pediu a Fabrício que localizasse Manoel do Tráfico, que não é nada do sugerido pelo apelido: tráfico no sentido de trânsito, tráfego, o setor por ele chefiado na empresa.
Fabrício saiu voando, tanto pela velocidade quanto pelo contentamento. Começou pisando em lama com a botina furada, agora estava ali pisando nas nuvens com as sandálias da humildade. Achou o Manoel. Ao saber que Odilon Neto o procurava, o chefe do tráfego desceu grudado no dever, mais célere que raio. No expediente seguinte Fabrício já tinha escala fixa.
Não cabia em si de tão alegre. Como o ônibus não cabia em si de tão cheio, os passageiros se aglomeravam com o motorista. Pouco tempo depois os moradores do Jardim Guanabara o tratavam pela novidade: era o motorista que fazia curso superior.
Ele estava ali pra isso.
Não sabiam da missa um terço nem do culto um corinho. Fabrício bacharelava-se em Administração Pública na faculdade Alves Faria, a Alfa. Saía da aula às 23h e ia de ônibus pra casa, no Jardim das Hortências, Região Noroeste. Chegava por volta da meia-noite. Acordava às 3 da madrugada pra pegar o ônibus de manobra, que buscava os funcionários em pontos determinados. Começava às 5 a chamar os passageiros pelo nome e ia até às 13. Voltava pro Jardim das Hortência, dormia um pouco e às 5 da tarde estava na biblioteca da Alfa lendo o conteúdo do dia.
Às 3 da manhã seguinte recomeçava tudo outra vez.
E feliz como nunca.
Entre os muitos passageiros com os quais puxava assunto, um deles foi o jornalista Cláudio Vincié, numa tarde movimentada de 2005:
“Subi no ônibus na Avenida 24 de Outubro, em Campinas, e fiquei na parte da frente, próximo ao motorista”.
Apesar da plaquinha de “Não fale com o motorista”, começaram a conversar.
“Ele me contou que havia sido o mais votado na eleição pra Cipa [Comissão Interna de Prevenção de Acidentes] e que queria almejava disputar outros cargos”.
Vincié, à época assessor de imprensa do senador Demóstenes Torres, convidou-o pra visitar o gabinete. Precisou nem repetir o chamado. Fabrício foi e já saiu de lá pré-candidato a deputado estadual e integrado às campanhas de Demóstenes pra governador e Ronaldo Caiado deputado federal.
Em 2006, acabou não saindo à Assembleia, Demóstenes ficou fora da polarização PP – PMDB e Caiado foi reeleito. Fabrício ficou dentro do grupo. E lá ainda está.
Transitando no meio das autoridades e na madrugada seguinte tinha de pegar o ônibus da manobra e só dormir à meia-noite.
Passou a ter como colega de trabalho um seu professor na faculdade
Paralelo ao curso, ao emprego e à política, o empreendedor Fabrício seguia fazendo negócios. Por que ia na manobra pro serviço e voltava da faculdade de ônibus? Porque colocou uma caixa de som em seu carrinho velho, que ficava o dia inteiro na Região Noroeste fazendo propaganda de supermercado. Era um motorista que tinha motorista.
Juntava mais um pouco e comprava um pula-pula, que alugava. Não demorou e tinha qualquer coisa que alguém locasse pra festa. Ainda não era um Alexandre Baldy, mas estava microempresário (“O Baldy começou com menos coisas que eu e virou uma potência, então, estou na trilha certa”), voando pra ser político. Entendam bem: o sonho voa mais do que a canção e do que o ônibus da Rápido Araguaia.
Quem migrou do interior conhece o roteiro. É rotina abrigar parentes e ex-vizinhos, a maioria em busca de consultas, exames e tratamentos. Fabrício profissionalizou a prestação gratuita de serviço: com o deputado estadual Hélio de Sousa, abriu uma casa de apoio a quem buscasse ajuda em Goiânia.
Ainda não era deputado, como Sandoval Moreira e Alexandre Baldy já foram, mas havia chegado a parceiro de um. Mais rápido que o Araguaia, subiu de posto no parlamento: foi militar como voluntário no grupo liderado por Ronaldo Caiado, no qual estavam Demóstenes, Vincié e o internacionalista mestre Giordano Sárvio Cavalcante, seu professor na Alfa.
Colega de trabalho de gente ilustre, mas continuava tendo de, na madrugada seguinte, lavar os olhos rapidamente e pular no ônibus da manobra às 3 da matina.
Via o nascer do Sol pelo para-brisas do ônibus. Adorava os colegas, era amado pelos passageiros, assoviava no trânsito que a maioria odeia, mas não era pra isso que estava estudando.
17º mais votado pra vereador. Até biblioteca pra crianças já conseguiu
Queria sair dos bastidores e ser candidato. Pra que, se seus negócios iam bem?
“Escolhi esse curso [Administração Pública] por sentir a necessidade de parar de xingar os políticos e fazer alguma coisa. Reclamar é fácil, mas realizar é que resolve”.
Após a formatura na Alfa, voltou à terra natal e estreou nas urnas em 2008 batendo os recordes de votação: 1º na História da cidade e, proporcionalmente, 17º entre os mais de 2.500 vereadores de Goiás, que nos 246 teve mais de 10 mil candidatos aos Legislativos municipais.
Dedicou a vitória à avó Dindinha, morta dois anos antes.
Está no 3º mandato na Câmara de Itaguari e conquistou mais dois diplomas, de Educação Física, na FAP (Faculdade de Piracanjuba) e de Jornalismo (na faculdade do Sesc/Senai).
É só o começo do que foi previsto por Baré (“Sempre pensei que ele ia ser vereador e crescer bem mais na política”) e Vincié (“Quando o conheci e vi o jeito de ele se relacionar com as pessoas, imaginei que conquistaria mandatos”), todavia não pelo pai: “Pobre não sonha muito”. Fabrício sonhava muito. E até hoje.
Na política, mantém ligação com o governador Ronaldo Caiado, o deputado federal Adriano Avelar e o ex-ministro Alexandre Baldy, presidente estadual de seu partido, o Progressistas. Graças a seus projetos e articulações conseguiu pra Itaguari, entre outras conquistas, biblioteca, 3 ambulâncias, sala de raios-X, Canil Municipal, ônibus escolar, reforma de praças e outros benefícios. Orgulha-se, particularmente, da biblioteca, que tanto buscou quando estudante e se sentiu premiado por levar. Ainda não tinha mandato, prateleiras e livros ficavam em sala pouco confortável para eventuais leitores e pesquisadores. Por isso, atendeu a sugestões e a instalou no Conselho Tutelar da cidade. Opções de leitura as crianças têm.
O que o satisfaz é servir: casa de saúde, escolinha de futebol, alimento a quem tem fome

Fabrício é empreendedor nato. Inspira-se em empresários de renome, como os citados Alexandre Baldy, Odilon Neto e Sandoval Moreira, com os quais conviveu. Seus dias parecem ter 48 horas, tamanhos são os afazeres cumpridos em 20 horas acordado. Em virtude disso, os negócios permanecem crescendo em Goiânia e Itaguari. Detalhe: não se desfaz de qualquer deles. Lembra do lava-jato? Pois é, é dele ainda, agora tocado pela mãe. E carro de som? Vários. Locação de brinquedos? Mesmo jeito. Montou estabelecimentos como a moderna Academia Bio Fitness, distribuidora de bebidas, supermercado, investimentos imobiliários em Goiânia e Itaguari.
No entanto, o que o realiza são os projetos sociais:
Casa de apoio — em Goiânia, Fabrício cuida de pacientes vindos de 40 cidades. Hábil, captou o apoio de extensa rede de enfermeiros, bioquímicos, médicos e odontólogos, além de donos de clínicas, consultórios e hospitais. Especialidades desses profissionais? “Todas”. Pra quem não pode pagar, sai de graça. Pode pagar? Desembolsa um pouco, com desconto. Seu CadÚnico tem mais de 20 mil nomes, todos no celular. A Casa de Apoio é pura tecnologia: nos dois anos de reinado do coronavírus, funcionou de forma remota. E funcionou como nunca. E continua funcionando. De forma remota.
Escolinha de futebol — usa seus conhecimentos de educador físico (profissional) e ex-jogador de futebol (amador) com cerca de 100 crianças de 7 a 15 anos que formam o time Itaguarizinho. Nada de recursos públicos: Fabrício tem os campos e doa uniformes, chuteiras e bolas.
Campanha de Solidariedade — em 15 Natais, efetuou a Campanha de Solidariedade. Suspensa nos últimos dois devido à pandemia, voltará em 2022. Ele compra moto zero km e sorteia. Pra concorrer, basta trocar alimentos por um cupom. Depois, embala em cestas básicas e distribui a famílias vulneráveis economicamente (pobres, desempregados, doentes).
Não foi craque no gol como Baldy por preferir ser artilheiro como Daniel Vilela
O benfeitor segue de perto a repercussão dos programas sociais na vida dos beneficiados. Após o paciente ter alta, Fabrício liga perguntando os estágios do restabelecimento. Age assim até sarar.
A família inteira colabora na distribuição das cestas e acompanhamento da situação dos personagens do CadÚnico particular de Fabrício: a esposa, a também educadora física Keyla, e os filhos Felipe e Danilo.

Os 16 ganhadores das motos (houve Natal com duas) comemoram a sorte. Uns vendem o prêmio pra ajudar a construir casa. É, com R$ 16 mil é possível encher a obra de tijolo, brita, areia… Elimina problemas de transporte, pois a cidade não dispõe de linhas de ônibus urbanas.
“Uso a minha moto pra ir trabalhar”, comemora Maria Fernanda Santos, que ganhou em 2019.
A identificação de Fabrício com a moçada do futebol é total. Foi um menino bom de bola, mas não dispunha de um Itaguarizinho. Vamos checar essa informação, essaê de que ele foi bom de bola, pois pode ser fake news:
Baré: “Ele era esforçado, corria mais atrás da bola que atrás da caminhonete de leite, mas não era bom de bola, não”.
Joaquim Marques: “Eu e Fabrício jogamos no mesmo time lá da roça, do Brejo Grande, e ele era bom mesmo”.
Fabrício: “Eu não era craque, como o Alexandre Baldy e o Daniel Vilela, que jogaram no Goiás, no Atlético Goianiense. Estava mais pra Daniel, fazendo gols, que pra Baldy, goleiro nas bases do Verdão”. Os três estão na mesma faixa etária: Daniel tem 38 anos, Baldy 41, Fabrício 43. Portanto, caso tivessem sido jogadores, já estariam aposentados.
Pelo histórico, craque mesmo só Daniel Vilela. Joaquim discorda: em reforço a sua tese, informa que o esquadrão do Brejo Grande, com ele e Fabrício no gramado, venceu o 1º campeonato de Itaguari após a emancipação. Nem adianta rebater que Baldy foi durante oito anos goleiro das categorias de base do Goiás e Daniel, jogador profissional.
As opiniões se dividem a ponto de uns jurarem que Fabrício era melhor pra andar de patins que no futebol. Pra quem praticava natação no córrego, ciclismo com a Monareta nas ruas e levantamento de peso descarregando caminhão de melancia, a patinação chega a ser poética.
Fabrício confirma que, sim, patinava; sim, jogava futebol; mas que preferia ser destaque nos estudos e pede a opinião “isenta” do amigo Joaquim:
“Ele foi o 1º diretor de escola que tive em Itaguari e sabe”.
Com a palavra, Joaquim, que dirigiu a Escola Genoveva por sete anos:
“Fabrício era acima da média”.
Melhor que no futebol?
Recomeça uma resenha sem fim, que seria melhor desenvolvida às margens do Pedro Inhola, se deliciando com picolé ou melancia talhada, ou saboreando os salgadinhos feitos por Dona Fiinha, a heroica Dindinha.
Nilson Gomes, jornalista, é colaborador do Jornal Opção. O texto acima deve ser transformado em livro.