Mauro Borges ficou admirado com comunidade socialista agrícola em Israel na 1ª viagem internacional de um governador goiano
15 março 2024 às 19h58
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Mauro Borges Teixeira foi o primeiro governador a fazer uma viagem internacional em missão oficial do Palácio das Esmeraldas. Em 1963, o governador visitou Israel para conhecer os Kibutz (em hebraico, estabelecimento coletivo, comunidade voluntária onde as pessoas vivem e trabalham sem competir entre si). Em 20 dias de viagem, ele e seus assessores realizaram detalhados estudos e obtiveram explicações e informações não apenas sobre assuntos agrários, mas de toda a história do povo judeu.
O vice-governador à época era Antonio Rezende Monteiro Filho, que por ser deputado federal, seria obrigado a renunciar ao mandato legislativo para assumir o cargo de governador durante a ausência de Mauro Borges.
Impressionado com a comunidade socialista agrícola que fundamentou a formação ideológica de Israel, o governador adaptou o combinado agro-urbano em Goiás. O primeiro chegou a ser montado, revelou o jornalista Hélio Rocha (1940-2024), em sua coluna no Jornal Opção. No entanto, com o golpe militar de 64, o modelo foi “descontinuado”.
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O combinado criado por Teixeira localizava-se onde é hoje o município do Combinado do Tocantins. Na época da implantação, a área pertencia ao município de Arraias, Goiás. O estado de Goiás contava em 1962 com uma área total de 622.912 km2. Veja mapa abaixo:
Kibutzim
Os kibutzim, plural de kibutz, tiveram início quatro décadas antes da formação do Estado de Israel. 12 jovens imigrantes judeus vindos do Leste europeu formaram a Degania, o primeiro acampamento coletivo do País, às margens do lago Kineret.
Esses locais são considerados as bases ideológicas e estruturais de Israel, principalmente pela incorporação do sionismo, o movimento político iniciado no século 19 que defendia a criação de um Estado Nacional que abrigasse os judeus na Palestina.
Algumas dessas comunidades na fronteira com Gaza foram alvo do ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro. Apesar do início com raízes socialistas, a partir da década de 80, o ideal já dava sinais de esgotamento. Hoje, apenas 84, dos 270 kibutzim, ainda seguem o modelo original.
Danilo Mendanha morou por mais de 1 ano em Israel. Durante sua estadia, ele conheceu o País e visitou algumas das comunidades agrícolas. “Fui a muitos kibutz, é uma coisa diferente. Não muda o fato que é um assentamento judeu, com caráter de um grande viés de forma comunitária”, diz. Ele conta que ainda existem muitos kibutzim tradicionais, mas que as mais próximas das grandes cidades passaram por esse processo de modernização.
“Tem algumas comunidades que se mantem bem comunitárias, quanto mais próximas do grande centro, isso vai diminuindo, são um pouco mais abertas. No entanto, os kibutz que foram atacados [nos atentados terroristas de 7 de outubro]”, revela.
União Soviética
Dizia-se ainda que a viagem do governador de Goiás seria uma desculpa para visitar a União Soviética, com diplomatas americanos tendo registrado inclusive o interesse dos soviéticos na mineração de níquel em Goiás. “Mauro Borges, aliás, conseguira atrair o interesse de outros países do bloco oriental, inclusive da República Democrática Alemã e da Tchecoslováquia, cujos agentes diplomáticos e comerciais teriam sido vistos em Goiânia”, escreveu o advogado Renato Bigliazz em tese de doutorado.
A viagem, no entanto, ficou do lado de cá da Cortina de Ferro. Seu destino após Israel foi a Iugoslávia. O termo Corina de Ferro foi criado pelo político britânico Winston Churchill em 1946. Ele se referia a divisão ideológica, política e, mais tarde, separados fisicamente por um muro que se estendia por 155 km. O muro separava o bloco capitalista do bloco socialista.
Questão Goiás e Israel é ideológica
Logo após o presidente Lula (PT) criticar a contraofensiva israelense ao Hamas, Ronaldo Caiado se encontrou com o embaixador do País, Daniel Zonshine, e inaugurou um parque em homenagem às vítimas do atentado. Além da questão política, Caiado fechou um acordo para ampliar os investimentos israelenses em território goiano.
Um dos acordos firmados trata de uma Declaração de Adesão ao Trabalho de Antissemitismo. Na prática, o documento representa o compromisso do Estado de Goiás de implantar ou apoiar políticas públicas de combate ao preconceito ao povo israelense e às instituições judaicas.
Já o segundo é uma declaração conjunta de cooperação técnica entre a Secretaria Geral de Governo do Estado de Goiás e o Ministério das Relações Exteriores de Israel. O objetivo é reafirmar o relacionamento entre os partícipes para cooperação futura nas áreas de agricultura, gestão de recursos hídricos e saneamento, ciência e tecnologia, segurança pública e quaisquer outras áreas de interesse comum dos partícipes, com foco em inovação.
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O ex-prefeito de Aparecida de Goiânia, Gustavo Mendanha tem uma forte influência quando o assunto é Israel. Ele é amigo pessoal de Yossi Shelley, atual diretor-geral do gabinete do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. Essa proximidade rendeu ainda parcerias comerciais e de gestão em Aparecida de Goiânia. As câmeras de videomonitoramento na cidade, vieram de Israel. Além disso, a Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein administra o Hospital Municipal de Aparecida (HMAP).
Viagem para Israel em meio a turbulências na diplomacia
No contexto de turbulências diplomáticas entre o Itamaraty e Israel, o gabinete do primeiro-ministro Netanyahu reforçou o convite a governadores de oposição ao presidente Lula (PT) para uma visita ao País. O governador de Goiás Ronaldo Caiado (UB) confirmou a viagem. Ele deve embarcar nesta sábado, 16. Lá, Caiado e Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, terão encontros com o primeiro ministro e o presidente Isaac Herzog.
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Essa aproximação pode refletir no projeto do governador goiano para a corrida presidencial de 2026. Professor de Relações Internacionais da PUC Goiás, o doutorando em ciências políticas Guilherme Carvalho, lembra que Caiado é um dos grandes percussores da direita brasileira e um dos poucos que se mantem ativos no cenário político atual. “Ele [Caiado] pode aproveitar essa viagem endurecendo o discurso dele, se parecendo mais com Bolsonaro, valorizando na comunicação as relações com Israel e criticando o presidente Lula pelas declarações”, pontua.
Relação Brasil e Israel
A relação Brasil e Israel tem como figura central Oswald Aranha, que presidiu a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) que aprovou o plano de partilha da Palestina e criou o Estado de Israel.
Durante a Assembleia Geral das Nações Unidas em 1947, Aranha foi o presidente da sessão em que a Resolução 181 da ONU foi aprovada, recomendando a partilha da Palestina em um estado judeu e um estado árabe. Esta resolução foi um marco crucial para o estabelecimento do Estado de Israel.
Esses laços sempre foram cordiais, mas durante as gestões petistas, os embantes com Israel em relação aos palestinos foram predominantes na política internacionais.
O episódio que cunhou o termo “anão diplomático” aconteceu em 2014, numa escalada de violência entre Israel e a Faixa de Gaza. Na época, o Itamaraty emitiu uma nota criticando “o uso desproporcional de força por parte de Israel”. O porta-voz de Israel chamou o Brasil de “anão diplomático”.
Também durante o governo Dilma Rousseff (PT), o Estado de Israel indicou um embaixador para o Brasil, mas teve o nome barrado devido ao apoio dos assentamentos na Cisjordânia. Esse veto, ocorreu de forma sutil, com o Brasil não colocando o nome do embaixador em votação, a indicação esfriou e o País ficou por um período sem representante de Israel por aqui.
O embate mais recente veio durante o terceiro governo de Lula (PT). Durante uma coletiva de imprensa, o presidente disse que o que estava acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existiu em nenhum outro momento histórico. “Aliás, existiu. Quando Hitler resolveu matar os judeus”, falou.
A fala repercutiu mal, tendo o autor do termo ‘anão diplomático’ Yigal Palmor, chamando a posição brasileira de lamentável. Por outro, as declarações foram aproveitadas por bolsonaristas que endureceram as críticas ao presidente brasileiro e reforçaram apoio à Israel.
Relação umbilical de Bolsonaro e Israel
Foi durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que a relação entre Brasil e Israel se tornou quase umbilical. Essa relação teve um forte impacto da crença dos evangélicos, com uma expansão do uso da bandeira de Israel nas manifestações bolsonarista. Em 2019, Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu veio ao Brasil para a posse de Bolsonaro.
Durante a gestão de Bolsonaro, o governo planejou a transferência da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, o que acabou não se concretizando.
A direita brasileira, ligada ao movimento evangélico, criticou duramente a posição de Lula em relação ao conflito na Faixa de Gaza. É nesse contexto que se dá a viagem de dois governadores brasileiros à Israel.
Guilherme Carvalho explica que a forma de se fazer política internacional durante o governo Bolsonaro mudou radicalmente. “Você tem uma forte identificação da forma de fazer política que Bolsonaro tem com Viktor Orbán da Ungria e com Netannyahu. É uma visão isolacionista, onde cada estado resolve suas questões domésticas e as relações deixam de ser multilateralistas para ser bilaterais, ou seja, uma relação entre Brasil e Israel, deixa de levar em conta questões de entorno com outros países”, explica.
“Isso leva a eles terem uma identidade programática, mas não necessariamente isso representa dividendos no campo das relações comerciais. O Brasil tem uma balança comercial deficitária na relação com Israel”, aponta.
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