Marcelo Miranda aponta que dívida do Tocantins gira em torno de R$ 4 bi
19 dezembro 2014 às 10h28
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Na última quinta-feira (18/12), governador eleito recebeu relatório da Comissão de Transição. Documento revela que crise no Estado é preocupante
Gilson Cavalcante
O governador eleito do Tocantins, Marcelo Miranda (PMDB), acompanhado da vice-governadora Cláudia Lelis (PV) recebeu de sua equipe de transição, na última quinta-feira (1812), um diagnóstico das contas do governo estadual e um mapa de riscos sobre as áreas que estão sendo — e poderão ser — atingidas pela atual crise financeira.
Segundo o relatório, a situação é “preocupante” e exigirá “austeridade” da próxima administração, que terá que fazer cortes de pessoal, enxugamento da estrutura administrativa e ampliar as receitas para reequilibrar as finanças.
Miranda afirma que, quando falou na campanha que era preciso um choque de gestão no Governo do Tocantins, não era somente retórica. “Sabíamos que o desgoverno era grande demais. O governo Siqueira/Sandoval ampliou as despesas e comprometeu o limite prudencial. Mais do que isso, fez aplicações temerosas no mercado financeiro com os recursos do Igeprev [Instituto de Gestão Previdenciária do Estado do Tocantins] nos levando a perder o Certificado de Regularidade Previdenciária. E isso é letal para o bem estar da administração pública. Na outra ponta, vimos os hospitais num estado de calamidade pública, carros das policias militar e civil sendo recolhidos, serviços de assistência social interrompidos. O quadro de crise é muito pior do que imaginávamos”, analisa.
Para o peemedebista, a nova administração terá uma tarefa grandiosa: a de tirar o Tocantins de uma situação de crise profunda e fazê-lo “retornar aos trilhos do progresso, renovando as esperanças de todos que aqui escolheram morar, trabalhar, estudar e ajudar o estado a crescer”.
No entanto, lembra a todos que será preciso preparar o espírito para um período de trabalho duro, como forma de salvar o Estado de uma possível falência. Miranda lembra que o trabalho realizado pela equipe de transição não pode ser visto como uma auditoria, dadas as dificuldades apresentadas por todos tanto em relação ao levantamento de dados, quanto da parcialidade de muitos números apresentados e consolidados até 31 de outubro.
Porém, faz um chamamento para que, nos primeiros meses de trabalho, todos auditem com transparência todos os órgãos, e que todas irregularidades encontradas sejam explanadas e encaminhadas aos órgãos competentes.
Ainda sem Orçamento para o ano que vem Herbert Brito (o Buti), já anunciado como futuro Secretário-Geral do Governo, coordenou os trabalhos da Comissão de Transição. Ele classificou como incompreensível o fato de ainda não haver sequer uma previsão do orçamento do primeiro ano do próximo governo, o que pode prejudicar, e muito, o próximo governador.
“O bom seria se o orçamento fosse discutido com a equipe de transição, mas não está. É o atual governo que está decidindo a questão e o presidente da Assembleia Legislativa já deu declarações à imprensa de que o governo não teria enviado a Lei Orçamentária Anual (LOA) por não ter sido capaz de fechar as contas. Veja o tamanho do problema que temos pela frente”, destacou.
Metodologia de trabalho da Comissão de Transição
Com vistas a construir um diagnóstico, ainda que parcial, a Comissão de Transição elegeu uma matriz padrão e, por meio da Controladoria Geral do Estado (CGE), solicitou a relação de documentos que pudessem demonstrar a situação atual de cada órgão que integra a estrutura governamental, buscando dados tanto de natureza orçamentária quanto operacional.
Além dos documentos, a equipe analisou: o relatório de acompanhamento de execução financeira, disponibilizado no Portal da CGE; as informações postadas nos Portais das instituições; e promoveu reuniões com gestores e técnicos de cada Pasta, oportunidade em que foram coletados depoimentos que muito contribuíram para conclusão dos trabalhos.
O grupo que trabalhou com as pastas ligadas ao desenvolvimento econômico, sustentabilidade e recursos naturais foi coordenado por Igo Nascimento. Nessas áreas foi detectado que, em todos os órgãos, os recursos orçamentários oriundos dos cofres do Tesouro Estadual são consumidos basicamente com despesas de pessoal, ficando desprovidos de recursos para custeio e investimentos.
Consequentemente, os órgãos têm estruturas operacionais insuficientes ou sucateadas para atender a população, além de restos a pagar processados e não processados para serem liquidados no exercício seguinte.
Os técnicos que se detiveram sobre essas temáticas, notaram que as fontes financiadoras têm suas atividades co-financiadas por outros entes, especialmente pelo Governo Federal, destacando um aporte significativo de recursos captados. Porém, observando as datas de celebração dos referidos instrumentos regulatórios, constataram uma execução ineficiente.
A equipe aponta que é indispensável a construção de mecanismos que melhorem o desempenho na execução de recursos advindos de transferências voluntária ou co-financiados.
Para Igo Nascimento, que é contador, “embora grande parte dos convênios e contratos encontre-se em andamento, a análise de execução física e financeira ficou prejudicada por falta de informações sobre a evolução operacional dos mesmos. No tocante a avaliação estratégica e operacional, a equipe contou apenas com os dados disponibilizados no portal da CGE, pois, na documentação encaminhada pelas instituições, com algumas exceções, não foi possível extrair informações que permitisse uma apuração mais profunda sobre resultados qualitativos ou quantitativos dos órgãos”.
Educação, Cultura, Esporte, Ciência e Tecnologia
Coordenado pelo procurador do Estado Deocleciano Gomes Filho o grupo que avaliou as áreas de educação, cultura, esporte, ciência e tecnologia, também encontrou dificuldades. A principal delas foi na leitura das informações apresentadas, além de inconsistência de dados, principalmente financeiros, que se mostraram divergentes com os dados da CGE no volume de restos a pagar processados e não processados.
Além disso, a pouca informação atualizada de convênios e a pouca clareza nos dados de pessoal e de gestão das ações propostas no Plano Plurianual (PPA) influenciaram negativamente na análise das informações, sendo necessária, às vezes, a busca por vias não oficiais, como da contribuição de servidores das pastas.
A grande preocupação foi com o volume da dívida dos órgãos citados, bem como com a folha de pagamento dos mesmos, que pode comprometer a gestão, sendo necessário um estudo mais profundo quanto ao impacto que estas podem ter sobre o orçamento geral do Estado. “No caso da Fundação Cultural, que está no âmbito da Secretaria de Educação, foi praticamente impossível fazer um levantamento detalhado, visto que a área foi completamente abandonada e recursos originalmente destinados ao setor cultural foram remanejados. Percebemos que temos unidades escolares em boas condições e outras que colocam em risco até mesmo o bem estar dos alunos e servidores. No geral, falta qualidade de ensino conforme preconiza a legislação. Para completar, temos casos de dívidas enormes. Para ficar em um exemplo, somente da Feira do Livro de 2012, a Educação deve mais de R$ 2,5 milhões, um quadro preocupante”, explica Deocleciano Gomes.
No caso da Universidade do Tocantins (Unitins), detectou-se um grande problema com o excessivo gasto com a folha de pagamento e a falta de uma estrutura adequada. Na opinião da Comissão, a Unitins acabou absorvendo alguns cursos universitários municipais sem a devida estrutura e o quadro de professores para fazê-lo de forma adequada, o que vai exigir um trabalho sistemático dos próximos gestores para se adaptar às exigências preconizadas pelo Ministério da Educação.
Por último, a equipe destacou que os programas voltados para a Juventude e no combate à disseminação das drogas não obteve a devida atenção do Governo Estadual, nem mesmo no campo pedagógico e de convênios federais que poderiam ter sido selados para uma atuação mais agressiva e eficiente nessas áreas.
Desenvolvimento Social, Saúde, Segurança e Direitos Humanos
Coube ao servidor de carreira do Tribunal de Contas da União (TCU) Jacques Silva de Souza coordenar os trabalhos sobre desenvolvimento social, saúde, segurança pública e direitos humanos. A equipe ressaltou ao governador Marcelo Miranda (PMDB) e a vice-governadora Cláudia Lelis (PV) que a documentação apresentada e as informações colhidas não foram suficientes para demonstrar com precisão a real situação de cada órgão.
Foram constatadas dívidas elevadas, alto comprometimento da receita com despesa de pessoal, contratos com indícios de superfaturamento, bens móveis e imóveis sucateados, inexecução de serviços essenciais, notadamente na saúde. Os fundos, de modo geral, possuem uma baixa execução na aplicação dos recursos, com exceção do Fundo Estadual de Saúde e de Assistência Social.
Jacques Silva ressalta que “a política de participação social se dá por meio dos Conselhos de caráter consultivos e deliberativos. No entanto, poucas foram as ações implementadas com vista ao fortalecimento dos mesmos. E, no caso da Assistência Social, os recursos foram basicamente aplicados apenas no custeio e manutenção, deixando de observar aplicabilidade da Política Nacional de Assistência Social nos municípios”.
Sendo assim, será preciso assegurar a efetividade dos programas de Proteção Social Básica e Proteção Social Especial, bem como a execução de projetos na área de Segurança Alimentar, combatendo a subnutrição e a fome da população pelo aproveitamento de recursos naturais e programas disponibilizados pelo Ministério de Desenvolvimento Social. Uma ação emergencial para ser tomada já nos primeiros meses da nova administração.
A equipe constatou também uma baixa execução das políticas voltadas para a defesa dos Direitos Humanos, entre as quais se destacam as políticas destinadas para a pessoa idosa, portadores de necessidades especiais (PNE), crianças, adolescentes, jovens e mulheres. Neste último caso, por exemplo, não houve sequer destinação de recurso orçamentário para o Fundo Estadual dos Direitos da Mulher.
Na segurança, observou-se um aumento da criminalidade agravado, principalmente, pela falta de estrutura dos órgãos de combate e repressão ao crime, o que implica negativamente também no sistema prisional que está deficitário, com unidades superlotadas e infraestrutura totalmente inadequada, necessitando de providências urgentes, notadamente quanto à construção e reforma de unidades prisionais, bem como formação e capacitação de pessoal para o exercício das pertinentes funções e, sobretudo, na implementação de Políticas Sociais de caráter preventivo.
Na Saúde, a equipe constatou aquilo que a população já vem observando no dia-a-dia, uma total precariedade das unidades hospitalares do Estado. “Com recorrente falta de medicamentos e materiais, interrupção de serviços ante a ausência de pagamento de fornecedores e prestadores de serviços, descumprimento de decisões judiciais, equipamentos sem manutenção adequada, falta de correta higienização dos hospitais, aumentando a incidência de infecções, superfaturamento de preços de medicamentos, prática de corrupção e desvio de recursos da saúde”, relatam.
Infraestrutura, Mobilidade e Habitação
Já a equipe coordenada pelo professor Adão Francisco mergulhou nos dados das Secretarias de Estado da Infraestrutura; da Habitação, Cidades e Desenvolvimento Urbano; Extraordinária de Estado da Região Metropolitana de Gurupi; Extraordinária de Estado de Minas e Energia; Agência Tocantinense de Saneamento (ATS); Agência Tocantinense de Regulação, Controle e Fiscalização de Serviços Públicos (ATR); Agência Estadual de Metrologia, Avaliação da Conformidade, Inovação e Tecnologia (transformada em AEM); Terra Palmas; Detran; Mineratins; e Agetrans.
A análise geral da equipe destaca como positiva a eficiência da Secretaria de Estado das Cidades, Habitação e Desenvolvimento Urbano, que tem cumprido parte significativa de suas ações e feito o uso dos recursos na obediência dos prazos. Por outro lado, a Secretaria de Estado da Infraestrutura evidencia uma relativa fragilidade no cumprimento de suas funções, haja vista que algo próximo a 60% das rodovias estaduais não estão pavimentadas e, do total das que estão, 57% carecem de restauração.
Com relação ao Terra Palmas, o órgão é dirigido pelo atual titular da pasta da Secretaria de Estado das Cidades, Habitação e Desenvolvimento Urbano, Glaucio Barbosa. Em visita a este órgão, a convite do secretário, foi informado que a não prestação de informações relativas ao Terra Palmas se dava pelo fato de “o mesmo ter uma natureza jurídica distinta dos órgãos da administração direta”, não sendo alcançado, portanto, pelo Decreto da Transição, que instituiu as informações que deveriam ser informadas, o que fere, segundo a sua interpretação, a prática da Lei de Acesso à Informação Pública.
Todavia, o secretário de Estado e presidente do Terra Palmas garantiu que este órgão encontra-se ajustado, com saúde financeira e com recursos significativos para investimentos, algo que a comissão não teve como checar “por falta de dados”.
Com relação ao Detran, a equipe detectou que vários softwares foram adquiridos por valores significativos para integrar o sistema do Detran ao Sistema Nacional, mas que não se investiu em modernização dos equipamentos físicos de informática, o que inviabilizou que esse trabalho tivesse êxito. Os técnicos também questionaram uma série de convênios com altos valores, os quais, segundo eles, precisarão passar por uma auditoria.
Com relação aos demais órgãos, a equipe atribuiu notas entre dois e três, numa escala de um a cinco, para os procedimentos burocrático-administrativos (eficiência) e também dois e três para o cumprimento dos objetivos das ações (eficácia).
Gestão e Governabilidade
Coube ao ex-servidor de carreira do Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCE-GO) Luiz Antônio de Carvalho trabalhar na gestão e governabilidade a fim de, junto com a equipe, analisar os dados da Secretaria do Planejamento e Modernização da Gestão; Secretaria da Administração; Secretaria da Fazenda; Casa Civil; Controladoria Geral do Estado; Procuradoria Geral do Estado; Secretaria de Comunicação Social; Agência Tocantinense de Notícias; Redesat; Representação do Estado em Brasília-DF; Secretaria de Relações Institucionais; e Instituto de Gestão Previdenciária do Estado do Tocantins (Igeprev).
Na análise da equipe, existe, em todas as unidades do Estado, um grau de endividamento que compromete efetivamente todas as possibilidades de realização de investimentos e até mesmo o custeio básico da máquina pública. Tal comprometimento, refletido sobre o custeio e outras despesas correntes, gera um efeito inevitável de impossibilidade de manutenção qualitativa e quantitativa dos serviços públicos, inclusive aqueles essenciais e básicos.
Esse cenário foi possível mediante o comprometimento das receitas do Estado com o pagamento de despesas com pessoal e ainda endividamento além das condições de pagamento aferidas pela receita total do Estado. Tal reflexo é perceptível em todas as unidades administrativas do Estado, e não apenas naquelas que foram objeto de análise desse eixo temático.
Na opinião de Carvalho, “podemos afirmar que Pastas estratégicas para o Estado como Seplan, Sefaz e Secad foram privadas de suas funções, como planejadores de novas soluções para dinamização, desenvolvimento de iniciativas e modernização do serviço público. Em termos práticos, a Seplan privou-se de planejar ações de curto, médio e longo prazo para o Estado, desde aquelas estratégicas quanto aquelas de análise efetiva das projeções orçamentárias do Estado”.
Quanto ao Igeprev, Carvalho destacou grande parte das aplicações foram feitas de forma irregular, o que gerou punições do Ministério da Previdência que geraram dois Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), que acabaram não sendo cumpridos. Isso coloca em risco a renovação do Certificado de Regularidade Previdenciária do Estado, o que seria um caos, pois bloquearia a administração de selar qualquer tipo de convênio com o Governo Federal. Para Carvalho, logo no início do próximo governo, será necessário contratar uma auditoria independente para auditar o Instituto.
Superar a crise com um Choque de Gestão
O administrador e consultor em gestão pública Edson Cabral fez um arremate sobre as receitas e despesas do governo de uma forma geral, ressaltando que hoje o Estado praticamente não realiza investimentos em infraestrutura porque a folha de pagamento compromete as finanças do governo. Cabral destacou que, apesar do ICMS ter experimentado um crescimento, houve uma grande frustração do Fundo de Participação dos Estados (FPE), e faltou iniciativas de incremento de arrecadação. E, por último, chamou a atenção para o quadro de pessoal, que hoje se encontra acima do limite prudencial, o que compromete o que preconiza a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Ao final da apresentação dos relatórios, o governador Marcelo Miranda (PMDB) agradeceu o empenho de todos, se comprometeu a se deter nos próximos dias nos dados apresentados e determinou que uma cópia do relatório completo fosse também disponibilizado para cada secretario já indicado para que eles possam ter um roteiro que os guie nos primeiros dias de administração a partir de 1º de janeiro.