Lula sinaliza que está farto de ditadores em seu encalço
31 março 2024 às 00h01
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Em comunicado divulgado à imprensa na última terça-feira, 26 de março, o Ministério das Relações Exteriores se disse preocupado com o processo eleitoral na Venezuela. Segundo a pasta, “com base nas informações disponíveis, observa que a candidata indicada pela Plataforma Unitaria, força política de oposição, e sobre a qual não pairavam decisões judiciais, foi impedida de registrar-se, o que não é compatível com os acordos de Barbados. O impedimento não foi, até o momento, objeto de qualquer explicação oficial”.
“O Brasil está pronto para, em conjunto com outros membros da comunidade internacional, cooperar para que o pleito anunciado para 28 de julho constitua um passo firme para que a vida política se normalize e a democracia se fortaleça na Venezuela, país vizinho e amigo do Brasil. O Brasil reitera seu repúdio a quaisquer tipos de sanção que, além de ilegais, apenas contribuem para isolar a Venezuela e aumentar o sofrimento do seu povo”, continua a nota.
O comunicado em questão fez referência ao fato de a principal opositora de Nicolás Maduro, Corina Yoris, não ter conseguido se registrar para o pleito deste ano pela Plataforma Unitária. O prazo para isso terminou na segunda-feira, 25. Segundo Yoris, foram feitas “todas as tentativas para introduzir os dados dos partidos Mesa da Unidade Democrática e Um Novo Tempo”, mas o sistema ficou “completamente fechado para entrar digitalmente”. “Esgotamos todos os meios ao nosso alcance para resolver isso”, completou.
Yoris, inclusive, era a última esperança de Maria Corína, opositora do regime de Maduro e que foi declarada inelegível pela Justiça venezuelana, sendo proibida de ocupar cargos públicos no país por 15 anos. Em documento que ratificou a decisão, o TSJ venezuelano disse que Maria Corína participou “da trama de corrupção orquestrada pelo usurpador Juan Guaidó” – opositor de Maduro que se autoproclamou presidente do país em 2019.
A nota do Itamaraty, que pela primeira vez sob o governo Lula se posicionou de forma crítica ao governo venezuelano, parece ter pegado o próprio Maduro de surpresa. No mesmo dia em que o comunicado brasileiro foi divulgado, o governo venezuelano repudiou o que chamou de “declaração cinzenta e intrometida, redigida por funcionários do Itamaraty, que parece ter sido ditada pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos, onde são emitidos comentários carregados de profunda ignorância e ignorância sobre a realidade política na Venezuela”.
Maduro está há 11 anos no poder, saindo vitorioso de eleições carregadas de denúncias de fraudes. A última eleição, em 2018, além das denúncias de fraude e boicote, foi marcada por uma abstenção de 54% e falta de reconhecimento por boa parte da comunidade internacional. A absurda abstenção foi um recado claro da população venezuelana: não vale a pena ter esperanças em jogo de cartas marcadas.
É claro que o (novo) posicionamento de Lula, que sempre teve uma relação amistosa com Maduro, causou burburinho. Parte da oposição brasileira chegou a questionar a veracidade e o contexto do comunicado do Itamaraty. Para alguns, tudo não passou de um “teatrinho”, haja vista que a eleição de Maduro é praticamente certa e não há esforço nenhum por parte do Lula para se aprofundar nas críticas ao autoritarismo do vizinho, mas que com o comunicado, o governo brasileiro “lava as mãos” e assume o argumento de “Dessa vez, não apoiamos”.
Porém, os sinais são claros de que Luiz Inácio realmente concebeu a incoerência de criticar – justificadamente – os traços de autoritarismo de seu antecessor, Jair Bolsonaro, e ao mesmo tempo fechar os olhos para a ditadura que se preserva no gramado ao lado. Basta um pequeno comparativo para que qualquer leigo perceba que Maduro e Bolsonaro sempre beberam da mesma fonte de ataques à democracia. Se assim é, pau que dá em Chico, precisa dar em Francisco.
Essa mesma incoerência não é exclusividade do Planalto. Não é raro nos depararmos com militantes da esquerda expondo as atrocidades da Ditadura Militar brasileira, mas se esquivando das violações de Direitos Humanos praticadas em países como Venezuela e Cuba. Da mesma forma, é comum vermos militantes da direita atacando o regime de Maduro e, paralelamente, relativizando os crimes de tortura, sequestro e tomada de poder dos anos de chumbo no Brasil.
Quando paixões ideológicas e vaidades políticas são postas de lado, quando a racionalidade é priorizada e o debate civilizado é valorizado, a conclusão é sempre uma só, seja do presidente da República, seja do vereador ou do representante de bairro: democracia se defende. Ditadura não se relativiza e nem ignora.