Legado de Iris Rezende para a história de Goiás é positivo e seu lugar é ao lado de Pedro Ludovico

09 novembro 2021 às 09h35

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Como governador e prefeito, o emedebista investiu, de maneira decisiva, para ampliar o crescimento econômico e o desenvolvimento do Estado e de Goiânia

Na madrugada desta terça-feira, 9, o ex-governador e ex-prefeito, Iris Rezende, faleceu em São Paulo devido a complicações de um AVC. Em 60 anos de carreira política, Iris deixa um legado memorável e que certamente ficará para sempre na história de Goiás e servirá de exemplo para os políticos das próximas gerações.
A história de um político só pode ser devidamente contada quando se encerra. O historiador (ou biógrafo, que, no fundo, é um historiador, porque não existe biografia sem o resgate denso do contexto histórico), ao se propor a escrever a história de um homem, político ou não, tende a avaliá-lo, não pelos extremos, e sim pela média. É a média que dirá se se trata mesmo de um grande homem. Por vezes, um aspecto extremo compromete a média. Mas, no geral, não é assim que funciona. O fato de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves terem amantes — Aimée Sottomaior de Sá, Maria Lúcia Pedroso e Antônia Gonçalves de Araújo —, mesmo sendo casados, desmerece os três extraordinários políticos patropis? De maneira alguma. As biografias escritas por Lira Neto (Getúlio), Claudio Bojunga (JK) e Plínio Fraga (Tancredo) provam que o trio está acima da média. Eles podem ser mais bem avaliados porque já há o distanciamento que permite evitar a paixão que às vezes trava um julgamento equilibrado e nuançado. Em algum momento, quando no poder, foram criticados duramente, sobretudo Getúlio, mas, com o avançar do tempo, passaram a ver examinados pela média. Daí se tornaram maiores do que postulou o julgamento de sua própria época — que era passional, pró e contra.

Iris possuía uma energia que, aparentemente, parecia retirar exatamente do fato de ser político e, também, de uma constituição física invejável. Mesmo assim, os historiadores já têm condições de (e material para) fazer um balanço amplo da vida de um político que foi deputado (foi eleito em 1958 pelo PTB — há 62 anos), prefeito de Goiânia (eleito pela primeira vez em 1965 — há 55 anos), governador de Goiás (eleito em 1982 e 1990; na primeira disputa, contra Otávio Lage, obteve mais de 70% dos votos válidos), ministro dos governos de José Sarney (Agricultura, conhecido como o ministro das supersafras) e Fernando Henrique Cardoso (Justiça) e senador. Trata-se de uma carreira política tão longeva quanto substanciosa. Claro, houve percalços como as três derrotas para Marconi Perillo, em 1998, 2010 e 2014, e a derrota para senador, em 2006. Mas a história de um grande homem se faz de sucessos e revezes. Winston Churchill, quando se tornou primeiro-ministro, em 1940, a Inglaterra se encontrava praticamente prostrada ante o poderio da Alemanha nazista de Adolf Hitler. Mas quase não se tornou governante porque os fracassos anteriores não o credenciavam. Assumiu o governo, deu a volta a por cima e venceu, com apoio dos soviéticos e dos americanos, os alemães, mantendo a democracia.
O que faz a média de Iris Rezende ser alta é que os insucessos não diminuíram sua estatura política. De fato, ficou circunscrito mais à política de Goiânia, mas não deixou de ser uma autoridade política e administrativa referencial para o Estado.
Qual é o segredo da longevidade política de Iris Rezende? Na verdade, são necessários estudos e pesquisas dos meios acadêmicos para defini-la de maneira ampla. Há escassas avaliações detidas de um político que merece o rótulo de “sobrevivente”. Tendo-se sido eleito prefeito de Goiânia em 1965, credenciava-se para o governo do Estado e havia “santinhos” sugerindo “Bom pra 70”. Entretanto, ao perceber que surgia um político que poderia crescer — a revista “Realidade”, da Editora Abril (a mesma que publica a revista “Veja”), enviou um repórter especial a Goiás para perfilá-lo e a reportagem saiu com o título de “Nasce um novo líder” —, a ditadura civil-militar cassou seus mandato. Em 1982, depois de um longo inverno, voltou e retomou sua trajetória.

A imprensa em geral e uma biografia traçada pelo Dicionário Histórico-Biográfico da Fundação Getúlio Vargas tratam Iris Rezende como um político populista. De fato, componentes populistas estão presentes na vida política de Iris Rezende. Mas o historiador, ao examiná-lo com atenção e objetividade, talvez constate que se deve ressaltar ao menos uma distinção, uma especificidade. Na política, para ganhar eleições e determinadas ações — como construir mil casas num único dia e sugerir que iria asfaltar todos os bairros de Goiânia — registra-se traços populistas. Porém, como gestor, não foi exatamente um populista. Foi duro na gestão, corta custos com rigor, não adula o funcionalismo público, não cedeu às chantagens de determinados políticos. É preciso realçar que a contradição — populista como político e não-populista como gestor —, longe de prejudicá-lo em termos eleitorais, parece tê-lo fortalecido ao longo do tempo.
No Brasil, há a tendência de, quando político demais, é-se mau administrador. Outras vezes, quando se é bom administrador, às vezes é-se mau político. Iris Rezende conseguiu ser bom político e bom administrador — com o primeiro, com rara habilidade, garantindo o sucesso eleitoral do segundo e o segundo levando-o a ter o respeito da sociedade, e não apenas de grupos corporativos (em geral, adulados pelos que são unicamente populistas).
Há quem postule que Iris Rezende foi um político autoritário. A rigor, talvez não seja. Dado o fato de o país ter passado por uma ditadura civil-militar, um longo inverno de 21 anos, fica-se com a impressão de que o político que exerce com rigor a autoridade delegada pelos eleitores — pela sociedade — é autoritário. Há quem seja, como o ex-presidente Fernando Collor e o presidente Jair Messias Bolsonaro. Não foi o caso do gestor municipal. Ele foi firme, durão, mas democrata. Como não apreciava fazer determinadas concessões — o toma-lá-dá-cá com a Câmara Municipal —, por vezes foi tachado de autoritário, avesso aos políticos. Acima de tudo, esteve defendendo o interesse público, o que fez com rigor, sem se importar com cara feia ou críticas diretas ou indiretas. O político marcadamente populista costuma ceder ao fisiologismo, para não ficar “mal” com os apoiadores. Iris Rezende resistiu com firmeza às pressões, o que mostra seu caráter republicano, e o afasta do político unicamente populista.
O gestor eficiente
O Brasil é um país no qual raros políticos levam a sério a fidelidade partidária. Há quem se orgulhe, sem ficar corado, de ter mudado mais de dez vezes de partido. Iris Rezende pertenceu ao MDB — que já se chamou PMDB — desde a década de 1960. Talvez seja o maior exemplo de fidelidade a um partido no país.
A história certamente consagrará, finalmente, o gestor Iris Rezende. O político que faz, que deixa uma marca, não para exibi-la, e sim para melhorar a qualidade de vida dos goianos. Na década de 1980, a partir de 1983, quando assumiu o governo, o então governador pavimentou rodovias em praticamente todas as regiões de Goiás. Há, na questão do asfalto, uma revolução ainda não descrita em toda a sua dimensão. Em 1984, percebe que, para Goiás crescer economicamente e se desenvolver, era preciso criar um incentivo fiscal. O Fomentar atraiu e alavancou centenas de empresas, que geram milhares de empregos. A Arisco se tornou uma empresa poderosa devido ao Fomentar. A Perdigão — hoje, BRF (que une Perdigão e Sadia) — e a Mitsubishi vieram para Goiás por causa do incentivo. A Hypera Pharma, gigante do setor farmacêutico, instalou-se em Goiás e poucos se lembram que seu acionista-controlador é João Alves de Queiroz, que era conhecido como Júnior da Arisco. Ou seja, a Hypera Pharma é, de algum modo, filha da Arisco e, digamos, neta do Fomentar.
Há quem postule que Iris Rezende foi um político “intuitivo”. Até pode ser. Mas como político. Como gestor, pelo contrário, foi adepto do planejamento. Quando governador, ao construir estradas e pavimentá-las, colaborou, de maneira decisiva, para o aumento do plantio de grãos, como soja e milho, e para criação de gado de corte e leite. Como outros gestores, estendeu a eletrificação rural a centenas de propriedades. Construiu usinas geradoras de energia elétrica — o que diretamente contribuiu também para atrair empresas para Goiás.
Por não ser um político tipicamente preocupado com questões ideológicas, seu foco e forte foram a administração — com a aplicação correta do dinheiro público —, Iris Rezende não se explica, não se interessa por uma definição que permita sua inserção na história de Goiás, ao lado, certamente, de um Pedro Ludovico, o fundador de Goiânia (cidade que surge no ano em que Iris Rezende nasce — 1933). A rigor, os dois são grandes modernizadores, na linhagem de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, com vocação de estadista.
Na Prefeitura de Goiânia, Iris Rezende optou por construir obras estruturantes, o que está contribuindo para desafogar pelo menos parte do trânsito de Goiânia. Na questão do transporte coletivo, fez sua parte, com a construção de corredores — de alta qualidade, duráveis — para agilizar o tráfego dos ônibus. Sem os viadutos e trincheiras — uns feitos, outros estão sendo construídos —, o trânsito da capital, em determinadas áreas, estaria inviável. Os brasileiros reclamam do trânsito, como se não tivessem responsabilidade nenhuma pela grande quantidade de automóveis e caminhões nas ruas, e as críticas sobram para os governantes. Ao contrário de outros gestores, o decano emedebista decidiu “mexer” na cidade, trabalhando para melhorar o dia a dia dos motoristas e, também, dos pedestres.
Do ponto de vista financeiro, há os problemas de sempre, como uma folha do funcionalismo inchada e a famosa dívida — um problema histórico, e não apenas do gestor “a” ou “b” —, mas a Prefeitura de Goiânia está perfeitamente equacionada, enxuta e funcional – legado de Iris.
Há, por fim, o Iris Rezende otimista, que sempre soube levar esperança às pessoas. Não esperanças falsas, e sim de que o melhor pode e deve ser feito. O sociólogo alemão Max Weber certamente incluiria o prefeito entre os políticos profissionais, aqueles que, dada a vocação, são, mesmo, grandes homens públicos.
O Brasil passa por uma fase que parece almejar “triturar” todo mundo — “ninguém presta” — e não deixar pedra sobre pedra. Todos têm problemas, uns mais, outros menos, mas Iris Rezende resiste incólume. Porque, certamente, na média é tanto um grande político quanto um grande gestor. Portanto, um grande homem, um verdadeiro líder.