Segundo a advogada criminalista mestre em Direito Penal, Jacqueline Valles, “vivemos uma situação em que o bem-estar da maioria prevalece sobre direitos individuais”

Foto:Marcos Santos/USP Imagens Bebidas Alcoólicas

Prefeituras de várias cidades brasileiras baixaram decretos fechando comércios e parques, tornando obrigatório o uso de máscaras em locais públicos. As medidas, recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), são tidas como indispensáveis para tentar frear o avanço da pandemia do novo coronavírus, que vem deixando um rastro de mortes, recessão e ameaçando a sobrevivência de milhões de brasileiros.

Mas, até que ponto o poder público pode interferir em direitos garantidos pela Constituição Federal, como o direito de ir e vir, à propriedade e à privacidade? Acontece que o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou o poder de governadores e prefeitos para determinar medidas restritivas durante a pandemia. Por unanimidade, o STF estabeleceu que estados e municípios podem definir quais atividades serão suspensas.

A advogada criminalista mestre em Direito Penal Jacqueline Valles explica que em situações como a que vivemos, a decretação de calamidade pública permite que estados e municípios possam implementar medidas que se sobreponham aos direitos individuais. “Nesses casos em que medidas restritivas são implementadas, o que deve ser observado é o princípio da proporcionalidade. O que isso quer dizer? A garantia da saúde da população é maior e mais importante, agora, que garantir o direito das pessoas de frequentarem espaços públicos”, pondera.

Nesse sentido, afirma Jacqueline, medidas como a detenção e até a determinação de prisão domiciliar podem ser impostas a quem desrespeitar a quarentena. “Óbvio que, observando o princípio da proporcionalidade, não posso encarcerar uma pessoa que comete um crime contra a saúde pública, como caminhar sem máscaras ou desobedecer a quarentena e fazer festas ou reuniões e até mesmo frequentar espaços públicos que foram fechados. Mas a Justiça pode, tranquilamente, determinar a prisão domiciliar”, afirma.

A jurista diz que estados e municípios também podem, por exemplo, delimitar a compra e consumo de bebidas alcoólicas durante o período de vigência da pandemia. “Há uma recomendação da OMS para a restrição do consumo de álcool como forma de reduzir a incidência de violência doméstica, por exemplo, que vem aumentando nesse período de isolamento social. O Estado pode sim delimitar o consumo durante o período em que a pandemia durar. Vivemos uma situação em que o bem-estar da maioria prevalece sobre direitos individuais. O mesmo pode ser dito do monitoramento por meio das antenas de telefonia celular: durante a epidemia, essa medida é legal”, completa Jacqueline.

Da mesma forma, propriedades privadas, como hotéis, terrenos e até carros, podem ser solicitadas pelo poder público para o combate à epidemia. “Vimos em alguns países que hotéis estão sendo usados para hospedar profissionais de saúde que atuam na linha de frente contra a Covid-19 e, por isso, não podem retornar às suas casas para não colocar a família em risco. Terrenos são requisitados para montar hospitais de campanha e carros, aviões e outros meios de transporte podem ser solicitados, por exemplo, para a logística do combate à pandemia”, exemplificou.