Jornalismo na ficção: “The Morning Show”, paralisado pela pandemia, une entretenimento e política
17 abril 2021 às 15h25
COMPARTILHAR
Roteirista é Jay Carson, que trabalhou para diversos nomes da política americana e foi consultor na série “House of Cards”
A Apple TV+ não é tão popular ainda no Brasil quanto a Netflix e a Prime Video, da Amazon, mas tem uns tesourinhos guardados que valem a pena ser conferidos. Um deles é a série “The Morning Show”, carro-chefe do serviço de streaming e lançada em 2019.
“The Morning Show” foi encomendada pela Apple a Jay Carson. Curiosamente, Carson é um estrategista político profissional, que já trabalhou para grandes nomes da política estadunidense, como Bill e Hillary Clinton, Michael Bloomberg e Howard Dean, que quase foi candidato à presidência dos EUA pelo partido democrata, em 2004, mas acabou desistindo para que John Kerry disputasse contra George W. Bush.
Enfim, Jay Carson, além de estrategista político, também chegou a ser produtor e consultor de roteiro para a série “House of Cards”. Depois dessas informações, já dá para se ter noção que “The Morning Show” tem apelo político. Mas não para por aí, porque além do engajamento, ela também ganha o público com seu bônus de suspense, comédia, intrigas e drama.
A série fala de um programa matinal fictício que seria o entretenimento jornalístico mais famoso dos EUA. Ele é apresentado por dois âncoras que já se tornaram uma espécie de William Bonner e Fátima Bernardes. Alex Levy (Jennifer Aniston) e Mitch Kessler (Steve Carrell) encabeçam o show líder de audiências há 15 anos.
Logo no primeiro episódio, vemos a queda de Mitch, acusado de assédio sexual. Rotulado de predador sexual, ele é demitido da emissora e se torna um pária na mídia. Uma situação que temos visto acontecer com frequência nos últimos anos envolvendo nomes famosos, tanto nos EUA como no Brasil. Basta relembrar o caso do produtor de cinema Harvey Weinstein, cofundador da Miramax, do humorista Bill Cosby e do próprio Kevin Spacey, que era protagonista de “House of Cards”. Aqui, no Brasil, temos o caso icônico de José Mayer, que desapareceu da televisão após acusações semelhantes.
O desenrolar da história
O roteiro se desenvolve em cima das acusações contra Mitch. Também do medo que ronda toda a equipe do programa e da emissora em ter sua reputação manchada, tachados como coniventes dos assédios. Para completar, a personagem Bradley Jackson, interpretada por Reese Witherspoon, é contratada para substituir Mitch no programa, depois de viralizar na internet como uma jornalista que não consegue separar a profissão de um certo de tipo de ativismo ou idealismo político com viés mais progressista.
O elenco é uma verdadeira constelação, que conta com Jennifer Anniston (a icônica Rachel, de Friends), Steve Carrell, Reese Witherson, Billy Crudup dentre outros rostos que a gente reconhece conforme assiste. Anniston é um show à parte, porque o público está acostumado a ver a atriz sempre em comédias. Além daquela sensação de que ela é sempre a mesma personagem, e de que todas se parecem com Rachel Green. Neste papel, ela é Alex Levy. A atriz mostra um lado praticamente desconhecido, com uma performance altamente dramática. A personagem é forte e manipuladora. Não se apresenta de maneira alguma maniqueísta, já que em alguns momentos você a ama e, em outros, a odeia. O público consegue ver as várias camadas de Levy, que pode ser adorável, frágil, mimada, maternal, forte, machista, mas também feminista e empoderada.
Outro destaque é a atuação de Billy Crudup, que é um diretor de jornalismo que sonha em assumir a presidência da emissora. Ele é o personagem que mexe os pauzinhos para trazer Bradley Jackson para o programa, porque ele percebe que aquele ambiente altamente abalado pelas acusações contra o Mitch e a personalidade idealista de Bradley vão ser a mistura inflamável para incendiar tudo. Extremamente inteligente, articulador e irônico, o personagem tem os melhores diálogos. Por mais que ele seja o estrategista de todo um jogo sujo, o público ainda torce por este personagem carismático e cheio de paixão.
A série teve contrato renovado para uma segunda temporada em 2020, que nunca aconteceu por conta da pandemia. Apesar de não se aprofundar muito em jornalismo, traz mais uma versão romantizada do que realista da profissão. Mas é uma trama que é basicamente um jogo de xadrez, que deixa o espectador curioso para saber quem fará o próximo movimento e em qual direção.
Além da diversão, ainda faz refletir sobre questões de assédio. Mostra como muitas vezes a sociedade normaliza ou relativiza certas situações de crimes sexuais, porque são tão comuns, que aquela sensibilidade de perceber o quanto podem ser cruéis e traumáticas para a vítima se desvanecem.