Interlagos 1972: a primeira corrida de Fórmula 1 a gente nunca esquece
25 março 2024 às 12h35
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Talmon Pinheiro Lima
Especial para o Jornal Opção
A recente morte do ex-piloto Wilson Fittipaldi, o Wilsinho, aos 80 anos, reacendeu as minhas memórias relacionadas aos primórdios da Fórmula 1 no Brasil.
Conheci a categoria por acaso, ao folhear a revista “O Cruzeiro”, que relatava um feito heroico de um brasileiro — Emerson Fittipaldi —, que, ao vencer o GP de Watkins Glen (EUA), proporcionou ao seu companheiro de equipe, Jochen Rindt, na equipe Lotus, falecido anteriormente em acidente numa corrida da temporada, conquistar post mortem o título de campeão da categoria em 1970.
A partir desse fato, que me impressionou profundamente, passei a acompanhar com grande interesse as notícias sobre a categoria, e a colecionar as revistas Quatro Rodas” e “Auto Esporte”, que dedicavam várias páginas às corridas da categoria.
Em 1972, já pilotando a icônica Lotus preta e dourada, na qual seria campeão no mesmo ano, Emerson liderou uma movimentação visando trazer um grande prêmio para o Brasil, mais precisamente para o Autódromo de Interlagos, na cidade de São Paulo. Sua luta contou com o apoio do governo, dos seus colegas, da imprensa e dos fãs que rapidamente se multiplicaram diante da sua performance e de outros brasileiros que pilotavam na Fórmula 1 da época, dentre eles o seu irmão Wilsinho, José Carlos Pace (1944-1977) e Luiz Pereira Bueno (1937-2011).
A corrida extraoficial, que visava a homologação do circuito, foi marcada para uma quinta-feira, e apesar da ausência de várias estrelas da época, como os multicampeões Jackie Stewart e Niki Lauda, lotou totalmente o Autódromo de Interlagos (em torno de 60.000 pessoas) — que ainda possuía o traçado antigo, de 7.960 metros.
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A odisseia para Sampa, num Karmann Ghia
Preparamos então a nossa viagem rumo ao inédito mundo do circo da F1.
Era ainda muito jovem e possuía um Karmann Ghia branco ano 1967. Era o carro esportivo mais cobiçado daqueles tempos. Como não era habilitado, convidei um amigo e colega de escritório para dirigir o carro rumo à corrida.
O planejamento para a viagem foi completamente improvisado, porque não tínhamos ingressos, e, pior, não conhecíamos a cidade de São Paulo, cuja única referência era uma tia minha que morava lá e se dispôs a nos hospedar em sua casa.
Realizada no estilo “bate e volta”, a viagem foi uma aventura, porque estávamos percorrendo caminhos desconhecidos para nós.
Saímos de Anápolis, na madrugada, na terça-feira. De posse de uma guia rodoviário Quatro Rodas (o waze da época), tomamos a direção de São Paulo, traçando a rota Anápolis-Goiânia-Itumbiara-Triângulo Mineiro — até chegar à antiga Via Anhanguera, no trecho paulista da rodovia, passando por Ribeirão Preto-Jundiaí-Campinas, e finalmente a cidade de São Paulo.
O Karmann Ghia era um automóvel esportivo de dois lugares. No pequeno banco traseiro acomodava-se somente duas crianças ou as próprias bagagens. O motorista era meu amigo Waldir Monteiro, filho de caminhoneiro, e que se tornou caminhoneiro depois.
Era um exímio motorista, o melhor que conheci em minha vida, e poderia ser piloto de corrida, se tivesse condições financeiras para tal.
A viagem transcorreu tranquila. Quando paramos em Itumbiara, deparamos com três jovens pedindo-nos carona até a cidade natal deles, Araraquara. Estudantes universitários da UnB, percorriam o trecho de carona, algo comum na época, especialmente entre estudantes, que sempre viveram na penúria financeira.
Ponderei sobre o exíguo espaço do banco traseiro, mas, mesmo assim, toparam irem conosco. Coitados! Foram uns 300 km apertadíssimos, mas chegaram inteiros no destino, apesar das dores e dos contorcionismos corporais para se ajeitarem naquele minúsculo espaço.
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Perdidos em Sampa, a metrópole de concreto
A chegada a São Paulo foi tumultuadíssima. Chegamos no horário do rush, por volta das 19h e deparamos com aquele conjunto imenso de pontes, viadutos e outras obras de grande porte que nunca tínhamos vistos antes.
Nos perdemos completamente na chegada. Chegamos à casa da minha tia somente às 23h, depois de pedirmos ajuda a motoristas de táxi, frentistas de postos de gasolina, motoristas de ônibus e transeuntes. Chegamos exaustos, famintos, mas com aquela sensação e que havíamos vencido um grande desafio.
No dia seguinte, na companhia do primo Vagner, saímos para conhecer a metrópole, tão decantada pelo ufanismo da época, como a “locomotiva do Brasil”. E ficamos impressionados com a grandiosidade da cidade, os seus arranha-céus, o trânsito frenético. Enfim, tudo aquilo era novidade para nós. Assim como a nossa ida a Santos e ao Guarujá, para, pela primeira vez, conhecermos uma praia.
Obviamente, todo aquele novo universo nos impressionou e nos deixou encantados.
Voltamos à noite para a casa da tia, ou seja, mal descansamos.
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Interlagos. Ufa! Conseguimos ingressos
Na quinta-feira, bem cedo, partimos para Interlagos, cuja distância era de uns 30 km.
Atravessamos literalmente toda a cidade, vistos que estávamos em lados opostos.
Próximo a Interlagos, o Karmann Ghia foi abalroado pelo carro de um oficial do Exército, que, do alto de sua soberba, tentou nos intimidar, dando carteirada, ameaçando de todos os modos, mesmo estando completamente errado.
Por fim, superamos o incidente e chegamos a Interlagos. Estacionamos a longa distância do autódromo e fizemos uma grande caminhada até a bilheteria, na incerteza de conseguirmos comprar os ingressos, o que acabamos conseguindo. Ufa!
Adentramos Interlagos por volta de 11h. O sol era fortíssimo, o calor era intenso e as arquibancadas já estavam completamente lotadas.
Diante disso, decidimos assistir a largada agarrados à grade defronte ao grid.
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Decepção: a derrota de Emerson Fittipaldi
Pouco depois, os pilotos começam a alinhar seus carros, antes das 12h, com Emerson na pole.
Estar próximo daquelas máquinas foi, para mim, uma experiência única, inesquecível e imemorável.
A Fórmula 1 é um evento único e onde tudo chama a atenção. As cores e a beleza dos carros, o ruído elevadíssimo dos motores, o cheiro da gasolina e dos pneus “queimando” o asfalto, as ultrapassagens, o som da troca de marchas, as batidas, as disputas por posições.
Emerson largou na primeira posição e a seu lado, na segunda, um dos seus grandes rivais, o argentino Carlos Reutemann (1942-2021), um excelente piloto, que somente não foi campeão na categoria, por causa de outros pilotos geniais da época.
Após a largada, começamos a percorrer a pé todo o circuito — que era imenso. Parávamos sempre para assistirmos as disputas, aquelas manobras arriscadas nas desafiantes curvas e retas do circuito.
Outro fato que chamava a atenção eram as altíssimas torres de transmissão da TV Globo. Eram quatro espalhadas no circuito, feitas de madeira e que abrigavam no seu topo os cinegrafistas que levavam, também de forma inédita, as imagens daquela corrida para o mundo inteiro.
Emerson liderava tranquilamente a corrida, confirmando seu favoritismo.
Entretanto, faltando seis voltas para o final, a suspensão da bela Lotus quebrou, frustrando os milhares de torcedores que acompanhavam a corrida.
Reutemann herdou a primeira posição e levou a sua Brabham para a bandeirada final, e, assim, vencendo o primeiro grande prêmio do Brasil.
O nosso Wilsinho, que era companheiro de equipe do argentino, chegou em terceiro, e foi ao pódio, sob os aplausos dos conterrâneos, e amenizando um pouco a ausência de Emerson entre os vencedores.
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Volta para casa: sensação de quero mais
Terminada a corrida, voltamos para o carro, e de Interlagos já tomamos o rumo de Anápolis, viajando o resto da tarde e a noite inteira até chegarmos em casa.
Ficamos com aquela sensação de “quero mais”. A paixão pela Fórmula 1 aumentou para sempre. Voltamos a Interlagos nos três anos seguintes (73/74/75), e pudemos ver as vitórias de Emerson Fittipaldi (73) e José Carlos Pace (75), quando a categoria já tinha virado uma mania nacional, que permanece até os tempos atuais, reforçada pelos oito títulos mundiais conquistados pelos patrícios Emerson (2), Nelson Piquet (3) e Ayrton Senna (3).
Por isso, com ou sem brasileiros no pódio, continuo amando e assistindo as corridas de Fórmula 1. E espero voltar este ano a Interlagos, para matar a saudade de assistir uma corrida ao vivo, que, conforme disse, é uma emoção única, inigualável e imemorável.
Talmon Pinheiro Lima é advogado e colaborador do Jornal Opção.