A Inteligência Artificial (IA) tem se consolidado como uma ferramenta mais do que útil na área da saúde, impulsionando pesquisas, diagnósticos e prevenção de doenças. O desenvolvimento de modelos baseados no aprendizado da máquina permite avanços na identificação precoce de enfermidades, na descoberta de novos fármacos e no aprimoramento dos protocolos hospitalares. No Brasil, a adoção dessa tecnologia está em crescimento, com 76% dos CEOs de saúde planejando investir em IA nos próximos 12 meses, segundo a pesquisa CEO Survey PWC. Com isso, instituições renomadas estão na vanguarda dessa transformação, desenvolvendo soluções que exemplificam como a IA pode redefinir a medicina moderna.

A OMS classifica a IA como uma das grandes promessas para o futuro da saúde global, e os resultados já começam a aparecer. Já em estudos recentes, os pesquisadores da Universidade de Stanford desenvolveram uma ferramenta baseada em IA capaz de diagnosticar várias doenças simultaneamente, analisando sequências de células imunes em amostras de sangue. O estudo, publicado na revista Science, revelou que a tecnologia pode identificar condições como Covid-19, diabetes tipo 1, HIV e lúpus, além de detectar se uma pessoa recebeu recentemente a vacina contra a gripe.

Com dados de 600 participantes, a IA demonstrou alto grau de precisão ao correlacionar padrões de atividade imunológica com essas condições. Segundo Maxim Zaslavsky, coautor do estudo, a ferramenta pode, no futuro, auxiliar médicos no diagnóstico de doenças que atualmente não possuem testes definitivos. “As ferramentas de diagnóstico atuais fazem pouco uso do registro da exposição do sistema imune a doenças. Combinar análises de células B e T nos dá uma leitura mais precisa do que pode estar acontecendo no organismo”, explicou o cientista em entrevista à revista Nature.

IA no desenvolvimento de novos medicamentos

Em Goiás, uma pesquisa do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) e da Faculdade de Farmácia (FF) da Universidade Federal de Goiás (UFG) utiliza IA para identificar novos fármacos para o tratamento da diabetes tipo 2. O estudo, coordenado pelos professores Guilhermino Pereira Nunes e Carolina Horta Andrade, emprega bioinformática e quimioinformática para analisar mais de um milhão de moléculas e prever quais delas têm maior potencial terapêutico.

“Assim como no organismo humano, os medicamentos precisam interagir de maneira específica com proteínas para funcionarem corretamente. A IA nos ajuda a prever essas interações, garantindo que as moléculas escolhidas tenham o encaixe ideal. Isso reduz o risco de efeitos colaterais e melhora a eficácia do tratamento”, explica Nunes. O estudo encontra-se na fase de validação biológica, na qual as moléculas promissoras passam por testes in vitro. O objetivo é, posteriormente, buscar parcerias com laboratórios farmacêuticos para viabilizar a produção dos medicamentos.

A utilização da IA acelera esse processo, reduzindo o tempo necessário para o desenvolvimento de um novo fármaco de quinze para aproximadamente sete anos. Além disso, o uso da tecnologia diminui custos e reduz a necessidade de testes em animais, tornando o processo mais ético e acessível.

Hospital Israelita Albert Einstein utiliza IA 

O Hospital Israelita Albert Einstein também está na vanguarda dessa revolução, desenvolvendo soluções inovadoras em parceria com empresas globais, como a Philips. Em entrevista ao Jornal Opção, Douglas Almeida, coordenador de inovação do Einstein Goiânia, detalhou como a IA está sendo aplicada em projetos que vão desde a identificação de doenças coronarianas até o controle de higienização em centros cirúrgicos.

“A IA na saúde tem muita aplicação. Desde a organização de bases de dados até modelos que identificam padrões de doenças, como em exames de imagem. Trabalhamos com um espectro enorme de possibilidades”, explica Douglas. “No Einstein, temos oncologia, cardiologia, pediatria, ensino e pesquisa. Isso nos permite desdobrar essas aplicações em diferentes contextos, cada um com suas particularidades.”

IA no diagnóstico de doenças coronarianas

Um dos projetos mais ambiciosos em andamento é a parceria entre o Einstein e a Philips para desenvolver uma solução que utiliza Modelos Amplos de Linguagem (LLMs) na identificação de coronariopatias. As doenças coronarianas, que afetam as artérias do coração, são uma das principais causas de morte no Brasil, com cerca de 400 mil óbitos anuais, segundo o Ministério da Saúde. O objetivo do projeto é criar uma ferramenta que analise laudos textuais de exames e identifique, com precisão, a probabilidade de ausência de doença coronariana em pacientes atendidos em emergências.

“A Philips tem no seu DNA a inovação, e mais uma vez está participando do desenvolvimento de soluções que visam resolver desafios prevalentes nas instituições de saúde nacionais e globais”, afirma Felipe Basso, presidente da Philips América Latina. “A planta de Informática Clínica da Philips em Blumenau exporta para o mundo o Tasy, o prontuário eletrônico e sistema de gestão em saúde que foi desde sempre desenvolvido para atender às necessidades assistenciais e operacionais, e continua ampliando seus módulos considerando as necessidades dos gestores e profissionais da saúde.”

Além da eficiência, a solução também tem potencial para tornar o atendimento emergencial mais ágil, reduzindo o número de exames invasivos desnecessários e permitindo que os recursos hospitalares sejam direcionados a quem realmente precisa. Patricia Frossard, country manager da Philips Brasil, destaca os benefícios dessa abordagem. “A utilização de algoritmos clínicos validados ajuda a melhorar a precisão no processo diagnóstico, a reduzir o tempo de realização dos laudos e, consequentemente, permite que os pacientes iniciem o tratamento adequado com mais rapidez.”

Modelo de IA na precisão no diagnóstico de coronariopatias | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

O grande desafio do projeto é a falta de padronização dos laudos médicos. Para contornar esse problema, a equipe utiliza LLMs, que são capazes de processar grandes volumes de dados não estruturados. “A gente lê laudos em PDF, e as LLMs extraem essas informações. Depois, nossas IAs avaliam os indicadores para dizer se há um problema de coração ou não”, detalha Douglas.

O treinamento da IA exigiu um volume grandioso de dados e já tem uma precisão de 99% em comparação com a análise manual feita por especialistas. “No caso desse projeto, a gente precisou de mais de 100 mil exames de diferentes tipos, em diferentes contextos. Às vezes, do mesmo paciente em vários momentos, ou de pacientes diferentes. Manualmente, fazer anotações para 100 mil exames seria impossível. Então, esses modelos são treinados em cima dessas técnicas para extrair as informações de forma automatizada”, explica Douglas.

A equipe do projeto é composta por 4 cientistas de dados e 7 médicos especialistas, que trabalham em conjunto para garantir a eficácia e a segurança da ferramenta. “A primeira fase, que entregamos agora em fevereiro, durou 16 meses. O próximo passo será avaliar a acurácia da predição e do diagnóstico efetivamente”, diz Douglas.

IA no controle de infecções hospitalares

Outra aplicação da IA no Einstein Goiânia é no controle de higienização das mãos em centros cirúrgicos. Infecções hospitalares são uma das principais causas de morte entre pacientes internados, e a correta higienização das mãos é um dos métodos mais eficazes para preveni-las. No entanto, garantir que os profissionais de saúde sigam os protocolos à risca pode ser um desafio.

Para resolver esse problema, o Centro de Inovação do Einstein desenvolveu um sistema que utiliza câmeras e algoritmos de IA para monitorar os movimentos de higienização das mãos em tempo real. “Nossa IA utiliza essas câmeras para captar os movimentos das mãos, e os algoritmos oferecem feedback sobre a movimentação e o tempo da higienização”, explica Douglas. O sistema atingiu uma precisão superior a 95%.

Modelo de IA no controle de infecções hospitalares | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

O desenvolvimento do sistema contou com a parceria da SDC Technology, empresa especializada em soluções computacionais. “A SDC trouxe a oportunidade de integrar tecnologias como câmeras de profundidade Intel® RealSense™ e Mini PCs para ajudar na orientação e instrução dos profissionais”, diz Douglas. A coleta de dados para treinar a IA durou quatro meses, e o sistema foi testado por dois meses em ambiente real, com resultados que superaram até mesmo modelos internacionais.

“A gente precisou coletar movimentos de higienização em diferentes contextos: mãos grandes, pequenas, tons de pele diferentes, alturas diferentes. Foi um trabalho enorme, mas muito importante para que pudéssemos garantir que iria funcionar em qualquer situação”, explica. Para as próximas fases do projeto, estão sendo desenvolvidos dashboards, relatórios e sistemas de controle para otimizar o uso da tecnologia. “Estamos transformando essa IA em um software utilizável, com painéis de gestão para monitorar a higienização dos profissionais”, diz Douglas.

O futuro da IA na saúde

Os avanços recentes demonstram o potencial da Inteligência Artificial para transformar a medicina. Seja no diagnóstico de doenças, no desenvolvimento de fármacos ou no aprimoramento de protocolos hospitalares, a tecnologia está se consolidando como uma aliada para aumentar a eficiência dos tratamentos e reduzir riscos para pacientes e profissionais de saúde.

Para Douglas Almeida, os avanços são um suporte além, mas ele ressalta que a IA não é uma solução mágica. “Precisa de muito trabalho para colocar a ‘bichinha’ na rua. Aparentemente, é glamouroso depois que está pronto, mas até chegar lá, é um trabalho gigantesco”, diz. Ele também destaca a importância da colaboração entre diferentes áreas do conhecimento. “A IA não substitui o médico. Ela é uma ferramenta acessória, que ajuda a identificar padrões e agilizar diagnósticos. Mas, no final do dia, é o médico quem toma a decisão”, afirma.

Para o futuro, Douglas acredita que a IA continuará a evoluir, trazendo soluções cada vez mais precisas e eficientes para a saúde. “A gente está só no começo. Tem muito trabalho pela frente, mas o potencial é enorme”, concluiu.

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