Governo Lula assina portaria que flexibiliza “lista suja” do trabalho análogo à escravidão
08 setembro 2024 às 09h11
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O governo federal implementou uma nova regra que possibilita que empresas e pessoas físicas que comprovadamente submeteram trabalhadores a condições análogas à escravidão façam acordos com a União para deixar a chamada “lista suja”. A medida foi formalizada no final de julho, em portaria assinada pelos ministros do Trabalho, Luiz Marinho, e dos Direitos Humanos, Silvio Almeida. Especialistas da área apontam a medida como retrocesso.
Criada em 2003, a “lista suja” é considerada uma ferramenta crucial de controle social, reunindo atualmente 640 empregadores. Estar nesse cadastro prejudica a reputação das empresas, já que muitas grandes marcas e exportadoras evitam negociar com quem está listado. Além disso, a inclusão na lista pode dificultar o acesso a financiamentos públicos e desencadear pressão social. Os nomes dos empregadores são divulgados publicamente após análise de defesa em duas instâncias e permanecem por dois anos. A atualização da lista é feita semestralmente.
Com a nova regra, empregadores poderão ser excluídos da lista antes do período de dois anos se assinarem um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Para isso, deverão reparar os danos causados e pagar indenizações às vítimas, com um valor mínimo de 20 salários mínimos. Além disso, será exigido o repasse de 2% do faturamento bruto da empresa para programas de assistência a trabalhadores resgatados, com o teto de R$ 25 milhões.
A novidade também prevê que o ministro do Trabalho seja consultado em uma fase do processo, o que levanta preocupações sobre interferência política em um tema considerado técnico. A flexibilização das regras relacionadas à “lista suja” não é inédita. Em 2017, durante o governo de Michel Temer, uma portaria propunha que a divulgação da lista dependesse da autorização do ministro do Trabalho, mas a medida foi revogada após menos de dez dias de vigência.
Empresários também buscaram enfraquecer o cadastro por meio de ações judiciais. Em 2018, a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo que a lista fosse declarada inconstitucional, argumentando que a divulgação dos nomes seria uma punição ilegal. No entanto, o STF decidiu pela manutenção da lista, reconhecendo sua legalidade e relevância para a transparência pública.
A proposta de remoção antecipada por meio de acordos já havia sido cogitada durante o governo Bolsonaro, que em 2020 apresentou uma minuta de resolução nesse sentido. À Folha de São Paulo, Luciano Aragão, coordenador nacional de erradicação do trabalho escravo no Ministério Público do Trabalho, disse que a medida pode enfraquecer a responsabilização das empresas, prejudicando os trabalhadores, ao permitir a celebração de acordos mesmo em casos graves.
“A previsão permite que o empregador flagrado pague o governo e saia da lista, diferente de uma ação civil pública, que só é arquivada depois de verificado o cumprimento de tudo. Houve uma preocupação em monetizar e não na comprovação da correção “, explicou.
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Em resposta à Folha de São Paulo, a presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luciana Conforti, avaliou positivamente a portaria no que se refere à reparação por parte do empregador. No entanto, ela criticou a estipulação de pagamento de salários mínimos como indenização por danos morais às vítimas, ressaltando que o Supremo Tribunal Federal (STF) já havia declarado essa prática inconstitucional.
“A Constituição diz que o salário mínimo não pode ser indexador de nada. Além disso, o dano tem que ser arbitrado de acordo com uma série de fatores. Quando ele é tabelado, limita o poder judicial de seu reconhecimento”, resumiu.
Em resposta, o Ministério do Trabalho afirmou que a portaria é fruto de uma discussão que envolveu órgãos públicos e entidades da sociedade civil, incluindo a Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae). A pasta também informou que as empresas que aderirem ao acordo serão listadas em um registro público, garantindo transparência e acesso à informação. Se somando a isso , o cumprimento dos Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) será obrigatório e sua conclusão deverá ser acompanhada pelo ministério.
Por sua vez, o Ministério dos Direitos Humanos afirmou que os cadastros relacionados à Política Nacional de Enfrentamento ao Trabalho Escravo são essenciais para o fortalecimento das ações governamentais, mas “ são ferramentas de transparência e não de penalização em consonância com princípios constitucionais”. Na sequência, finalizam dizendo que “a referida portaria visa suprir uma lacuna legislativa para reparar danos, corrigir irregularidades e implementar medidas preventivas, evitando a reincidência de violações de direitos”.