Helder D’Araújo

Especial para o Jornal Opção

Brasília (BSB), cidade esplendor (ou da esperança, de acordo com o escritor francês André Malraux), esteve imersa no domingo, 25, por longuíssimas horas no dióxido de cinzas e fuligens.

A cerração advinda de queimadas tanto regionais como de outros Estados obliterou o ultramar cerúleo e seu mais ilustre astro. O sol parou.

Todas as cidades do Entorno, inclusive o próprio Plano Piloto, foram engolidas pelo Leviatã de CO2.

Alertas foram emitidos e os bombeiros tiveram um duríssimo dia combatendo incêndios. O som de sirenes fez-se mais intenso do que em estiagens passadas. Pessoas passando mal em ônibus e metrôs buscavam o oxigênio puro que faltava. Mas o ar, junto com a claridade (Mar de luz a céu aberto), estava “manchado”. O ar estava envenenado.

Atenção, há perigo pelo ar. Usem máscaras. Não se exponham. Fechem as janelas!

O mundo há de se acabar em fogo, já diziam. Quem ateou o fogo? Adivinha.

A flora e a fauna do bioma já passam pelo seu apocalipse. É incontável o sem-número de animais que morrem queimados. A paisagem agreste, seca, fica escura, carbonizada. O cerrado pede chuva. A que vem é de fuligem. Uma fuligem inamovível. Ventar não é a solução. Quanto mais vento o fogo devora.

Sabe-se de homens que lutam para não perder suas plantações. Mas qual a origem do fogo? Achem o culpado.

Contudo, as pessoas correm no parque. Um show está acontecendo lá longe. O parque está cheio de gente ignorando as advertências. Minha garganta dói. Meus olhos coçam. Sinto fuligem na saliva. Beba água. Bebo com o sabor de fumo. Trago fumaça passivamente, lentamente em doses homeopáticas. Também estou na rua — não em busca do ar puro, mas da luz. Não sou lucífugo. Contrario as advertências sanitárias.

O Grito, de Edvard Munch

Dizem que eventos como esse serão constantes. O Planeta está superaquecido pelo paroxismo dos negadores.

Soube há pouco. Pegaram o Prometeu que roubou o fogo e incendiou o cerrado. Prendam. Mas interroguem antes. Motivo, homem? Foi um ato de protesto! Vai protestar na cadeia. Pronto. Prometeu acorrentado. Afasta-te do meu sol!

De repente uma fenda é aberta na cortina plúmbea de cinzas. Vê-se as nuvens pela primeira vez e até aquele saudoso anil. Mas e o sol? Está ainda embotado. Mas é claro que o sol vai voltar amanhã? As canções, os negócios e tantas urgências da vida tendem a contrariar Hume que pelo jeito, sem saber, estão obedecendo sua outra sugestão: lancem ao fogo! Claro que o contexto é outro.

Devo buscar o nebulizador. Goodbye blue sky.

Helder D’Araújo é escritor.