A geração Z, formada por jovens nascidos entre 1997 e 2012, cresceu imersa na tecnologia digital. No entanto, o domínio das telas e dos algoritmos não tem sido suficiente para evitar que esses profissionais enfrentem desafios no mercado de trabalho, principalmente diante da ascensão da Inteligência Artificial (IA). Embora sejam considerados nativos digitais, muitos deles sofrem com a chamada síndrome do impostor tecnológico e com a dificuldade de manter o engajamento e o senso crítico em um ambiente cada vez mais automatizado.

Em entrevista ao Jornal Opção, o mestre e doutorando em Educação, Linguagem e Tecnologias, com ênfase em IA e Humanidades Digitais, Augusto Narikawa, explica que a inteligência artificial, embora vista como recente, ganhou força sobretudo após a pandemia, quando empresas, escolas e universidades passaram a depender das ferramentas digitais. “A IA não é algo novo, mas veio com o ponto da pandemia. Hoje a gente fala que está todo mundo conectado. Mas estar conectado não quer dizer que as pessoas saibam o que estão necessariamente fazendo”, destacou.

Segundo o pesquisador, o rótulo de “nativos digitais” atribuído à geração Z gera uma falsa impressão de domínio total sobre a tecnologia. “As pessoas atribuem um peso muito forte à geração Z, porque elas cresceram conectadas. Só que estar conectado à internet também traz benefícios, mas malefícios. A grande crítica à geração Z e à utilização da inteligência artificial é a não formação de profissionais críticos”, afirmou.

Para Narikawa, a facilidade dessa geração em lidar com dispositivos tecnológicos contrasta com a dificuldade em desenvolver pensamento analítico e empatia. Ele explica que, ao receber respostas prontas das ferramentas de IA, o jovem profissional tende a perder a capacidade de elaborar soluções criativas e humanas para os problemas. “A IA vai te dar uma resposta lógica e concreta, mas dentro de uma empresa há outros fatores que independem, precisa de empatia, precisa do lado humano, precisa desse contexto humanizado”, disse.

O pesquisador lembra ainda que o avanço da automação tende a eliminar funções burocráticas e repetitivas. No entanto, as profissões que exigem pensamento estratégico e emocional devem ganhar relevância. “Os trabalhos mais pontuais vão acabar desaparecendo. Mas o que vai ficar são as pessoas que dominam muito bem essa performance crítica e esse domínio de gestão”, observou.

Entre a rapidez tecnológica e a crise de identidade

Narikawa destaca que a pandemia acelerou em uma década o avanço da tecnologia. “Nós tivemos que desenvolver uma tecnologia de 10 anos em 2. E nós não estávamos preparados para esse crescimento exponencial.” Segundo ele, essa aceleração afetou profundamente a forma como a geração Z lida com o trabalho e a vida pessoal.

Para o pesquisador, há um contraste claro entre o ideal de produtividade da geração anterior e o novo conceito de bem-estar profissional. “A minha geração foi muito voltada para a questão do workaholic. Ser workaholic naquela época era uma coisa muito boa. Já a geração Z quer trabalhar 8 horas e, se possível, menos. Quer ter qualidade de vida.”

Augusto Narikawa | Foto: Arquivo pessoal

Essa busca por equilíbrio, no entanto, esbarra em uma formação profissional que ainda não conseguiu adaptar-se às transformações digitais. “Eles têm muita informação, mas muitas vezes não sabem como lidar, como separar, como processar, como ter autonomia, criticidade e identidade dentro dessa cena que se abre no mercado de trabalho”, afirmou Narikawa, citando o sociólogo Zygmunt Bauman: “Somos inundados de informação e famintos de sabedoria.”

A dependência excessiva da IA

Para o pesquisador, um dos maiores riscos para os profissionais da geração Z é o uso indiscriminado da inteligência artificial como substituto do próprio raciocínio. “A tecnologia não vai regredir, ela só vai aumentar. A gente precisa fazer com que essa geração entenda que ela pode e deve utilizar a IA, mas com ética. Ela tem que ser um apoio, e não todo o processo.”

Segundo ele, o problema se manifesta claramente em atividades práticas. “Na hora da prova, ou quando precisam montar e apresentar um relatório, muitos alunos usam IA para estruturar o trabalho, mas não compreendem o conteúdo. Quando chega o momento de defender as ideias, não conseguem”, relatou.

Narikawa vê com preocupação a falta de preparo emocional e comunicacional. “Eles estão dependentes da inteligência artificial. Isso é muito perigoso. Quando precisam da inteligência emocional e da criticidade, não têm.”

Apesar das críticas, o pesquisador ressalta que a geração Z possui qualidades únicas. “Eles leem mais, mas apenas o que gostam. São mais conscientes, mais engajados politicamente, e têm um senso de propósito forte. A forma como escola e universidade trabalham o equilíbrio entre o digital e o humano é o que faz a diferença”.

A diretora de Talentos da TH Gestão e Pessoas, Amanda Silvestre, também conversou com o Jornal Opção sobre as mudanças trazidas pela IA e os impactos diretos sobre os jovens profissionais. Para ela, “a expectativa e os valores em relação à geração Z com as demais gerações são diferentes”.

Segundo Amanda, a motivação da geração Z está profundamente ligada ao propósito. “Trabalhar tem que ser trabalho com significado. As conexões, as trocas, o pertencimento são muito importantes”, explicou. Entretanto, o avanço tecnológico e o crescimento do formato híbrido, especialmente após a pandemia, trouxeram uma consequência: o afastamento entre as pessoas.

“Embora a IA traga celeridade para os processos e resultados, ela também distancia os indivíduos. Eu vejo esse principal impacto no trabalho da geração Z: a insegurança em relação ao significado, ao propósito do trabalho e às conexões que ele proporciona”, analisou.

IA e empregabilidade

Com o avanço da automação, muitas funções de base estão sendo substituídas, e o mercado exige novas habilidades. Amanda ressalta que o problema não é a substituição das pessoas, mas a falta de atualização. “Nem toda IA vai substituir pessoas. Na verdade, a IA vai substituir pessoas que não se atualizaram e não aprenderam a utilizar as ferramentas”, afirmou.

A executiva costuma usar um exemplo prático em seus treinamentos: “O chat GPT, por exemplo, sem uma boa pessoa para perguntar, não vai dar uma boa resposta. Você precisa entender minimamente aquilo que busca. É assim que funciona a IA.”

Amanda Silvestre | Foto: Arquivo pessoal

Amanda defende que as empresas devem promover uma cultura organizacional saudável, baseada na segurança psicológica, no reconhecimento e na valorização dos colaboradores. “As empresas têm trabalhado para criar ambientes em que o colaborador possa errar sem medo, aprender e se expressar. Essa liberdade é essencial para o crescimento humano e profissional.”

As transformações do mercado de trabalho já se refletem nas universidades. “Pela primeira vez na história, o curso de Medicina não foi o mais concorrido. As profissões do futuro estão muito vinculadas à inteligência artificial”, observou Augusto Narikawa.

O pesquisador explica que engenharias, ciência de dados, tecnologia e gestão de IA estão entre as áreas mais promissoras. No entanto, ele reforça que, apesar do avanço tecnológico, o fator humano continua insubstituível. “A condição humana, o olhar crítico e a empatia não vão desaparecer. Pelo contrário, serão ainda mais valorizados.”

Amanda complementa que as áreas de tecnologia e recursos humanos devem crescer juntas. “O Brasil está entre os países com maiores índices de ansiedade e depressão. Então, se as empresas não tiverem um RH que acompanhe, valorize e promova autenticidade, vão perder talentos.”

Um novo sentido para o trabalho

A diretora da TH Gestão e Pessoas reforça que os jovens profissionais precisam compreender o trabalho como um espaço de crescimento e resiliência. “O trabalho é sempre uma fonte de prazer e sofrimento”, citou, referindo-se ao filósofo Christophe Dejours.

Segundo Amanda, a geração Z tende a evitar o desconforto, mas o amadurecimento vem justamente da superação dos desafios. “Vivemos uma geração tão fragilizada que, quando se depara com uma situação difícil, opta por desistir. E quem desiste não encontra o seu objetivo final.”

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