Carlos Russo Jr.

Quando a cada dia que passa, o genocídio do povo palestino por Israel, com apoio absoluto dos Estados Unidos, se aprofunda e se espraia para todo Oriente Médio, torna-se importante revisitar pensadores, que no século passado analisaram os nazifascistas e o extermínio planejado e executado contra o povo judeu, os ciganos, os dissidentes políticos. Assim como outros atos de terrorismo de Estado.

Afinal, como expressou Israel Charny, “Auschwitz é o ponto zero da história, o começo e o fim de tudo o que existe. É a referência final e em relação a ele tudo será julgado. Porque vimos o triunfo das trevas, temos que falar sobre o sofrimento e a resistência de suas vítimas. Porque vimos o mal em ação, temos que denunciá-lo. Temos de combatê-lo sem dar um minuto de trégua para salvar o mundo do contágio”.

Infelizmente, o contágio do Holocausto espalhou-se. Hoje temos Palestina, logo Líbano.

A tarefa mais importante do momento é nossa reação aos massacres; caso contrário, confirmaremos o que afirmou Elie Wiesel: “Se todos nós formos inocentes, então o mistério do mal, tirando forças de sua própria inocência, acabará por nos esmagar. Isto porque, se quiser realizar-se o homem terá que fundir todos os níveis em um só; cada homem é todos os homens”.

Joseph Goebbels e Adolf Hitler: dois líderes nazistas | Foto: Reprodução

Genocídio e genocidas, um tema do presente, do passado e do futuro.

É o tema que revela a natureza real de nossa espécie, capaz do trabalho mais vil que pode sair de mãos humanas: matar outros seres desarmados. É espantoso para a imaginação solidária e moral, em todas as sociedades, que haja incontáveis indivíduos prontos para cometer o mal intolerável, torturar e matar outros homens.

A palavra genocídio foi cunhada em 1930 pelo jurista Raphael Lemkin, judeu polonês, que requereu à Liga das Nações que proclamasse uma lei contra o assassinato em massa de grupos raciais ou nacionais escolhidos.

André Malraux, como se estivesse prevendo a Palestina de hoje, referiu-se que a morte transforma certas vítimas em destino. Em “A Condição Humana”, o escritor francês afirma que a lembrança do sofrimento se transforma em uma salvaguarda contra o sofrimento.

Um pouco da história genocida

Cruzadas, mais de 1 milhão de vítimas;

Santa Inquisição, um quarto de milhão; feiticeiras ao fogo, pelo menos 20.000;

Conquista da América do Sul pelos europeus, mais de 15 milhões;

Haiti, sob ação americana, quase 1 milhão;

Judeus sob o nazismo, 6 milhões.

Filipinas por ação dos Estados Unidos, mais de 1 milhão.

Obs.: Em 1900, cartas de soldados norte-americanos enviadas para parentes, descreveram o uso de balas dundum, tortura, fuzilamento retaliatório de prisioneiros e instalação de campos de concentração para civis. Em uma delas, um soldado bravateou para a família que os americanos estavam matando homens, mulheres e crianças filipinas como “se fossem coelhos”. O tenente Hall relatou que o general Funston mandava fuzilar rotineiramente os prisioneiros e descreveu um que de joelhos implorava pela própria vida. A divulgação pela imprensa, as denúncias de Mark Twain, impediram de o general ser recebido como herói nacional quando terminou a devastação filipina.

Japão, Hiroshima e Nagazaki, bombas atômicas dos Estados Unidos. Mais de 300 mil mortos imediatamente pós bombardeio.

Armênia, mais de 1 milhão de mortos pelas mãos dos turcos.

Vietnã, ao redor de 3 milhões de civis massacrados pelas tropas dos Estados Unidos.

Estes são alguns exemplos, pois existiram muito, muito mais extermínio e matanças de populações indefesas na história pré e pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Netanyahu, os USA e os nazistas alemães

O que quer que transforme pessoas em destruidores monstruosos existe, de alguma maneira, potencialmente em todos nós. Talvez as sementes da cura, também. Rubnoff, citando o crítico literário R. Steiner, nos lembrou tantas vezes que acreditávamos que se pessoas que liam bons livros, visitavam museus, adoravam o teatro lírico e sinfonias, devia-se esperar um bom resultado. No entanto, “Auschwitz, Hiroshima e My Lai (Vietnã) nos ensinaram que assassinato e cultura não se excluem mutuamente…é até possível que uma pessoa que adore poemas, mate crianças”.

Referindo-se aos anos 70 do século passado, o psiquiatra Laing afirmou: “Nos últimos 50 anos nós, seres humanos, massacramos mais de 100 milhões de membros de nossa própria espécie. Todos nós vivemos sob a ameaça de total aniquilação por nossos próprios atos. Aparentemente precisamos tanto de morte e destruição quanto de vida e felicidade. Somos tão impelidos a matar e a ser mortos como o somos a viver e a deixar que outros vivam.”

Na Alemanha nazista, pelo menos 275 mil homens, mulheres e crianças foram declarados “inferiores” e executados em hospitais psiquiátricos. Até enurese noturna (xixi na cama) foi causa de execução infantil ordenada por médicos psiquiatra para arianos.

A conclusão de D. Kelley sobre 24 prisioneiros (líderes nazistas) julgados no Tribunal de Nuremberg, em 1946: “Os líderes nazistas não eram tipos sem igual, nem personalidades que aparecem uma vez por século. Eles tiveram três notáveis características em comum e a oportunidade de tomar o poder: ambição arrogante, baixos padrões éticos e um nacionalismo fortemente desenvolvido, que justificava tudo que fosse feito pela pátria alemã”.

Não vemos traçados aqui o perfil de Netanyahu e seus asseclas?

E em seu relato ainda acentuou: “Os genocidas racionalizam e atenuam seus atos, de modo que, com grande sinceridade, acreditam que estão agindo em autodefesa deste ou daquele tipo. Chega-se a um ponto em que o homem não reconhece mais pelo que é a destruição sedenta de sangue que pratica”.

Nisto não reconhecemos a política cínica de Joe Biden e de seu Estado-Maior ao estimular e municiar Israel para o genocídio?

Uma visão psiquiátrica

Os genocidas não foram considerados anormais em termos dos conceitos clínicos correntes. Apenas se redefinirmos o objetivo do diagnóstico psiquiátrico para focalizar não em que medida a pessoa é sã de espírito, realista ou competente, mas em que grau é humana, a questão adquire mais sentido.

No genocida há uma despersonalização, isto é, uma incapacidade de sentir a grandiosidade do processo de vida em si mesmo ou em outro ser humano. Ele considera as pessoas como objetos inexpressivos, destinados a receber ordens e a ser postos em seus lugares. A submissão aos ditames do grupo, ao seu Führer da hora, ou ao “deus do eletrochoque” é o valor final para o genocida.

Caso Eichmann e seus ensinamentos

Adolf Eichmann, capturado na Argentina, foi condenado à morte em Israel | Foto: jewishcurrents.org

 1

Adolf Eichmann carecia inteiramente do senso de ser;

2

A sexualidade deixava-o embaraçado;

3

Ficava perturbado com temas emocionais de agressão;

4

O que lhe importava era reduzir toda a vida à ordem, ao não movimento, à não emoção, de modo a que toda a vida pudesse ser controlada.

Conclusão psiquiátrica: perfeito estado de sanidade mental. Era um funcionário calmo, “bem equilibrado”, imperturbável, desincumbindo-se perfeitamente de seu trabalho burocrático, ou seja, a supervisão administrativa dos assassinatos em massa. Sentia profundo respeito pelo sistema, pela lei e pela ordem, funcionário fiel de um grande Estado. Não possuía remorsos, era “mentalmente são” e bem adaptado. Seus chefes poderiam ser até mesmo psicóticos, mas quem confiaria um serviço de inteligência a um psicótico? Os psicóticos são suspeitos; já os mentalmente sãos são pessoas bem adequadas, cumpridoras das regras, lógica, que estarão obedecendo a ordens que consideram sensatas, que lhes chegaram através da cadeia de comando. E devido a sua sanidade mental não terão remorsos depois das ordens cumpridas.

Não podemos julgar que um homem mentalmente são esteja em seu “juízo perfeito”, pois todos os conceitos de sanidade mental, na medida em que os valores espirituais perderam o seu significado, são destituídos de sentido.

5

O foco real na vida de um destruidor talvez não seja a destruição como tal, mas a imposição da ordem e a uniformidade em tudo.

6

A coisificação do outro, que a transforma em escravo, com agressão e exploração cada vez maior da vítima.

Claro que existem genocidas impelidos por emoções, outros por ambição desmedida , loucos pelo poder. Alguns até mereceriam o rótulo de paranoicos ou psicopatas. Sua destrutividade muitas vezes vincula-se a um esforço desesperado por sentirem-se vivos. Estes desempenharam um papel decisivo no núcleo do poder nazista.

Mas sem o apoio de líderes “normais e respeitáveis” da sociedade, sem uma grande adesão em massa do povo e sem certas tendências culturais , dificilmente a catástrofe nazista teria assumido sua magnitude.

Observamos que o mesmo raciocínio se aplica perfeitamente ao genocida Netanyahu, à parcela majoritária dos sionistas, e aos poderes do imperialismo ianque em declínio.

Carlos Russo Jr. é escritor e crítico literário.

Referência — Charny I., Anatomia do genocídio, Editora Record.