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A justificativa técnica que embasou o encerramento dos convênios entre a Prefeitura de Goiânia e a Fundação de Apoio ao Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (Fundahc), responsável pela gestão das maternidades municipais, aponta uma série de descumprimentos de metas, falhas administrativas e “utilização indevida de recursos vinculados ao fundo rescisório”.

Assinado pela superintendente de Regulação, Avaliação e Controle da Prefeitura, Paula dos Santos Pereira, o documento foi entregue por representantes da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) à direção da Fundahc durante reunião na tarde desta segunda-feira, 28, quando foi formalizada a rescisão dos convênios.

Segundo o relatório, a entidade teria “reiteradamente descumprido metas pactuadas nos instrumentos de parceria”, com destaque para a não realização de procedimentos cirúrgicos eletivos entre os anos de 2021 e 2024. A justificativa relata que, em maio deste ano, a fundação tentou devolver autorizações para cirurgias eletivas referentes a 2021, 2022 e 2023, procedimentos que, segundo a SMS, ficaram paralisados nas unidades sob sua gestão durante todo esse período.

Essas cirurgias não executadas, afirma o documento, mantiveram pacientes em longa fila de espera, o que agravou ainda mais a falha na prestação dos serviços acordados. A situação, de acordo com a Secretaria, ocorreu mesmo com os pagamentos sendo realizados em dia.

“Portanto, não merece prosperar, igualmente, o argumento de que a não execução dessas metas decorreu da ausência de pagamento nos referidos anos, tendo em vista que os repasses foram regularmente efetuados pela administração pública”, argumenta.

A justificativa técnica, à qual a reportagem teve acesso, também aponta descumprimento de cláusulas contratuais que vedam o uso da verba do Fundo Rescisório para “qualquer outra finalidade que não aquela originalmente pactuada”. Uma auditoria identificou o que chamou de “achado relevante relacionado à destinação indevida dos recursos vinculados a esse fundo”.

Leia também: Prefeitura de Goiânia formaliza rescisão de convênios com Fundahc após constatar falhas na gestão das maternidades

“Parte dos valores do Fundo Rescisório foi empregada para cobrir despesas diversas – possivelmente operacionais ou administrativas – sem amparo normativo e em desconformidade com os objetivos legais e contratuais do fundo”, diz o documento. A prática, segundo a justificativa, não apenas caracteriza descumprimento contratual, mas também afronta os princípios constitucionais da legalidade, moralidade, eficiência e transparência, conforme previsto no artigo 37 da Constituição Federal de 1988.

Em relação aos custos, o relatório aponta que a Fundahc destinaria até 13% do valor dos convênios a despesas administrativas, enquanto o limite estabelecido para Organizações Sociais (OSs) é de apenas 3%. Isso significa que, do total de R$ 20,6 milhões mensais recebidos, a fundação poderia usar até R$ 2,6 milhões para despesas desse tipo, valor mais de quatro vezes superior ao permitido às OSs.

Em nota enviada ao Jornal Opção na tarde desta segunda-feira, 28, após a Prefeitura de Goiânia informar a oficialização da rescisão, a Fundahc afirmou que os convênios “sempre foram conduzidos com transparência, seriedade e avaliações favoráveis por parte da própria Secretaria Municipal de Saúde”.

Veja a nota:

A Fundahc informa que recebeu nesta segunda-feira, 28, notificação formal sobre o pedido de distrato unilateral dos convênios de gestão das maternidades Dona Iris, Célia Câmara e Nascer Cidadão.

Reforçamos que os convênios, de responsabilidade compartilhada entre as partes, sempre foram conduzidos com transparência, seriedade e avaliações favoráveis por parte da própria Secretaria Municipal de Saúde.

Os serviços continuam sendo ofertados, conforme a realidade financeira das maternidades, com o mesmo compromisso com a população e respeito às equipes que atuam diariamente no cuidado às gestantes, bebês e famílias.

Diretoria Executiva da Fundahc
28/7/2025

Histórico de crises

A gestão da Fundahc nas maternidades municipais começou em 2012, quando assumiu o Hospital e Maternidade Dona Iris, reinaugurado naquele ano pelo então prefeito Paulo Garcia. O convênio foi renovado em 2018. Em 2015, a fundação assumiu a gestão da Maternidade Nascer Cidadão, com renovação em 2020. Já em 2019, passou a administrar também o Hospital Municipal da Mulher e Maternidade Célia Câmara.

Ao longo desses 13 anos, a administração das unidades foi marcada por altos e baixos (mais baixos do que altos) e as crises se intensificaram durante o governo de Rogério Cruz. Desde 2021, a Fundahc denunciou atrasos frequentes nos repasses por parte da Prefeitura de Goiânia, o que resultou em paralisações de serviços e na atuação de órgãos de controle.

Após uma série de críticas do atual prefeito, Sandro Mabel, à atuação da Fundahc e sinais de mudanças na gestão das maternidades, a SMS instituiu, na última semana, uma Comissão Especial de Transição para o controle das unidades, que passará para Organizações Sociais. O prazo para os trabalhos será de 30 dias.

A Secretaria informou ainda que fará a contratação emergencial de três OSs para administrar temporariamente as unidades, até a conclusão do processo de chamamento público para a gestão definitiva.

Leia também: Mabel critica gastos da Fundahc e diz que nova OS pode assumir Maternidade Dona Iris de forma emergencial

“Vamos realizar um chamamento público com estudo de viabilidade técnica, termos de referência e todo o embasamento necessário. Todas as organizações qualificadas para atuar na gestão da saúde do município poderão participar”, garantiu o médico e assessor técnico da SMS, Frank Cardoso.

Já a Fundahc, em um comunicado divulgado após a publicação da portaria que instituiu o Grupo de Transição, reafirmou o que chamou de “compromisso com a legalidade, a transparência e a prestação de serviços de qualidade à população usuária do Sistema Único de Saúde (SUS), bem como com as atividades de ensino, pesquisa e extensão desenvolvidas em parceria com a Universidade Federal de Goiás”.

“Reforçamos, aqui, o cuidado que temos com os colaboradores, que se empenham no dia a dia, e o quanto nos incomoda esse tipo de comunicado por parte da prefeitura, sem qualquer formalização ou orientação à Fundahc. Antes de tudo, tem agir com dignidade e humanidade com as pessoas que estão no dia a dia e aos usuários! A Fundação seguirá acompanhando os desdobramentos com responsabilidade institucional e respeito às decisões administrativas, mantendo os colaboradores, usuários e a sociedade devidamente informados”, conclui.