Depois de uma mulher ser baleada pelo ex-marido em Goiânia, titular da Deam explicou dificuldades das delegacias para proteger as vítimas 

“Não tem como a gente reduzir estatística se a gente não mudar a cultura”, declarou | Foto: Renan Accioly/Jornal Opção

A delegada titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) Ana Elisa Gomes avaliou, em entrevista ao Jornal Opção, os porquês de casos como o de Aleudiane Coimbra, baleada pelo ex-marido na última quinta-feira (21/9) no meio de uma rua no Setor Bueno, continuarem ocupando as páginas policiais.

Para Ana Elisa, um dos principais problemas é que, muitas vezes não se percebendo na condição de vítimas, as mulheres não autorizam a continuidade das investigações e, por limites estabelecidos no Código Penal, as delegacias acabam ficando de mãos atadas. Isso porque, explica ela, aqueles casos em que há ameaça e injúria são crimes de ação penal pública condicionada e, desse modo, a continuidade do inquérito depende da vontade da vítima.

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“Nesses casos, necessariamente eu preciso que a vítima queira que a apuração seja realizada. Se ela não assinar um documento autorizando a continuidade, não há muito o que fazer nas delegacias”, lamenta ela. Assim, o Código Penal acaba criando condições para que, depois de muitas ameaças sem ser punido, o agressor acabe cumprindo o que dissera que faria.

Tratar todos os casos como incondicionados, por outro lado, não resolveria o problema, na opinião dela: “Quando a vítima não quer, ela dificulta a apuração. A gente vai atrás, elas mudam de endereço, de telefone, mudam todos os contatos para que a gente não localize nem ela nem o agressor. Então se nós tratássemos todos os casos como incondicionados, eu teria uma pilha de inquéritos sem condição de conclusão porque não ia achar os envolvidos.”

Quando há registro de lesão corporal, que se encaixa na categoria de ação penal incondicionada, o caso é diferente: mesmo sem a autorização da vítima, a polícia é obrigada a investigar o caso. “Então se alguém chega na delegacia e fala: ‘Minha irmã foi agredida pelo marido, está em casa agora com o olho roxo’, obrigatoriamente eu tenho que instaurar um inquérito policial, enviar uma equipe no local para conversar com essa mulher”, explicou.

Assim, quando isso ocorre, é possível que o delegado peça a prisão do suspeito. Também nesses casos (e naqueles em que elas autorizam o prosseguimento das investigações) é possível que a vítima seja encaminhada para um centro de proteção, onde pode receber ajuda multiprofissional e se proteger do criminoso.

E aí entra outro desafio da conscientização: muitas vezes, por limitações financeiras (quando o marido é responsável pelo sustento, por exemplo) ou questões emocionais, a vítima prefere voltar pra casa e acaba exposta ao risco novamente. “Elas não querem porque realmente é difícil, quando você vai pro abrigo você vai abandonar sua vida, vai deixar seu trabalho, seu telefone celular”, admitiu ela.

No entanto, essa proteção temporária é fundamental para garantir a segurança das vítimas até a prisão do agressor, inclusive porque, mensalmente, a Deam do Centro da capital registra entre 300 e 350 ocorrências de violência contra a mulher e, deles, uma média de cinco acaba em encaminhamento para abrigos. Com estatísticas tão altas, pontua a delegada, seria impossível disponibilizar um policial para proteger cada uma delas.

Demora da Justiça

Ana Elisa também pontua outro grave problema no atendimento das vítimas: a demora na resposta do Judiciário. “Eu faço o inquérito aqui em uma média de dez dias, mesmo tendo o prazo de 30 dias. Remeto ao judiciário e esse autor provavelmente só vai ser condenado em dois anos”, criticou ela. “A gente precisa de uma resposta mais ágil, porque isso fomenta a sensação de impunidade.”

A delegada acrescenta que uma das medidas mais efetivas para no enfrentamento da violência contra a mulher é, para ela, o monitoramento eletrônico. Nesses casos, que dependem de autorização judicial, o agressor tem que usar uma tornozeleira eletrônica e a vítima recebe o chamado botão do pânico. Assim, quando ele se aproxima, ela é avisada e tem tempo de chamar a polícia ou se deslocar para um local mais seguro. Ao mesmo tempo, as próprias equipes de monitoramento podem vigiar o suspeito.

De acordo com ela, o pedido pela tornozeleira é feito sempre que a vítima solicita, mas nem sempre o juiz entende que é cabível. “O monitoramento eletrônico não deixa de ser uma medida de restrição de liberdade e sempre que a gente fala nisso, existe mais rigor”, declarou ela. Além disso, em muitos casos, a própria vítima não quer que a medida seja tomada. “Muitas vezes, elas só querem que ele entenda que ela não o quer mais.”

Machismo

Segundo Ana Elisa,  mesmo que haja gargalos no atendimento às vítimas, a cultura machista ainda é o mais preocupante porque, muitas vezes, as mulheres agredidas pelos maridos têm medo de sofrer represálias, de ficar sem sustento e até mesmo não percebem aquilo como violência. “O importante é que a vítima tenha consciência da importância de denunciar essas agressões. Muitas vezes nesse convívio violento com o agressor, às vezes elas nem se percebem sendo violentadas todos os dias.”

“Se ela entender ou pelo menos suspeitar que está sendo vítima de violência, deve procurar socorro em alguma delegacia de polícia ou em algum órgão de proteção”, orientou. Apesar de todos os problemas, Ana Elisa insiste na conscientização: “Não tem como a gente reduzir estatística se a gente não mudar a cultura. Se eu tiver uma mulher mais empoderada, certamente eu vou ter menos violência”.