A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que sugere o fim da escala de trabalho 6×1 — na qual trabalhadores têm uma folga após seis dias de trabalho — ganhou força tanto na Câmara dos Deputados quanto nas rede sociais. A proposta, que nasceu do movimento Vida Além do Trabalho (VAT), idealizado por Rick Azevedo (PSOL-RJ), se tornou uma PEC nas mãos da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP).

A PEC atingiu o quórum de assinaturas necessárias para tramitar na Câmara dos deputados nesta quarta-feira, 13. O texto conta com 194 assinaturas no sistema interno da Câmara no início da manhã. Para que a PEC fosse protocolada, eram necessários ao menos 171 signatários.

Segundo o advogado e professor de Direito, Cassiano Peliz, advogados trabalhistas tem visto a mudança como “positiva” para as empresas. “As empresas teriam aumento de custos no primeiro momento mas em segundo momento não. Quanto mais uma pessoa trabalha, mais chance ela tem de sofrer um acidente de trabalho, então muitas vezes o empregador economiza colocando um trabalhador para trabalhar 44 horas semanais mas outros impactos podem vir”, explica.

Para Cassiano, os riscos de jornadas mais longas são eminentes e podem atrapalhar tanto a empresa quanto o trabalhador. “O empregado pode se afastar por doença ocupacional, por acidente de trabalho. O custo pode até aumentar, mas no médio e longo prazo, o empregador tem uma economia porque como o empregado trabalhará menos, ele produzirá mais e a chance de uma doença ocupacional, como Burnout ou síndrome do pânico, reduz drasticamente. Isso pode ser a economia pra ele [empregador] no futuro”, continua.

Cassiano explico, ao Jornal Opção, que mesmo com a redução, a jornada diária se manterá em 8 horas diárias. “Mesmo com a PEC, a jornada diária será de 8 horas. A CLT, hoje, permite que o trabalhador faça até 2 horas a mais, ou seja, se ele ultrapassar essas 8 horas pela CLT, ele pode fazer até mais duas horas extraordinárias, onde é paga a hora mais 50% de adicional. Isso continuaria da mesma forma e quando ele ultrapassasse as 36 horas semanais também receberia a hora mais 50%”, diz.

“As pessoas se apegam a isso de 44 horas semanais. Porém, o trabalhador não pode ultrapassar as horas diárias e nem semanais. A Constituição não fala de escala 6×1, mas de 44 horas semanais. Essa redução pode ser benéfica ou ruim para o mercado de trabalho, mas é preciso esperar para ver”, completa.

CONTRAPONTO

A PEC levanta questões complexas e polêmicas no mercado de trabalho. O advogado Eliseu Silveira, especialista em direito empresarial, vê possíveis impactos para trabalhadores e pequenos empresários caso a PEC seja aprovada.

Segundo Silveira, a proposta aborda um problema relevante, especialmente relacionado à saúde dos trabalhadores. “Temos um problema sério relacionado ao transporte público, que faz com que o trabalhador precise sair de casa muito cedo para chegar ao trabalho, o que sobrecarrega seu dia além da jornada de oito horas”, explicou. No entanto, ele acredita que a PEC simplifica uma questão que, em sua opinião, deveria ser abordada de forma mais detalhada. “Estamos lidando com um problema complexo, que envolve a saúde do trabalhador e a própria dinâmica do transporte, e a PEC traz uma solução simplista ao apenas modificar a escala de trabalho.”

Silveira alerta que o setor de comércio será um dos mais afetados pela mudança, incluindo açougues, padarias e postos de combustível, além de pequenas farmácias. “A alteração impactará diretamente micro e pequenos empresários, que constituem 99% dos negócios e respondem por 52% dos empregos formais no país”, destacou o advogado. Ele lembra que esses serviços são essenciais, como foi evidente durante a pandemia, e teme que a mudança onere os pequenos estabelecimentos que operam diariamente.

Para os trabalhadores, a mudança pode parecer positiva à primeira vista, oferecendo uma carga horária menor por semana, mas Silveira alerta para possíveis efeitos colaterais, como o aumento da rotatividade nas empresas. “O trabalhador pensa que terá um benefício, mas, na prática, muitos empregadores podem optar por demitir profissionais mais antigos e com salários mais altos para contratar novos empregados por valores menores”, disse. Esse movimento, segundo ele, poderia resultar em demissões em massa para ajustar as escalas às novas regras da PEC.

Por fim, o advogado afirma que a PEC, embora traga boas intenções, já apresenta problemas técnicos em sua formulação. “A legislação prevê 44 horas semanais, e a mudança para uma escala reduzida em dias exigiria uma adaptação nas horas trabalhadas para cumprir a lei, o que ainda é confuso”, concluiu Silveira, ressaltando que a proposta demanda mais discussões para que se possa equilibrar os direitos dos trabalhadores com a viabilidade financeira das empresas.

A PEC

A PEC propõe que a duração do trabalho não ultrapasse oito horas diárias e 36 horas semanais, um ajuste que se alinha aos pedidos por jornadas mais curtas. Com a escala 4×3, os trabalhadores teriam quatro dias de atividade e três dias de descanso. Atualmente, a escala 6×1, que estabelece uma folga semanal, é o padrão em diversas categorias de trabalhadores, especialmente naqueles setores que exigem operação contínua, como comércio e saúde. Essa proposta de escala reduzida gerou debates sobre sua viabilidade em setores que não podem interromper seus serviços, como o atendimento hospitalar e de segurança pública.

O Ministério do Trabalho, em nota divulgada na segunda-feira, considerou “plenamente possível e saudável” uma redução na carga horária dos trabalhadores. No entanto, também ressaltou que a implementação desse novo modelo deve considerar as especificidades de cada setor e garantir uma transição que atenda às demandas de setores que operam 24 horas por dia. “Esse é um tema que exige o envolvimento de todos os setores em uma discussão aprofundada e detalhada”, afirmou a pasta.

Debate sobre produtividade e qualidade de vida

A proposta da escala 4×3 é sustentada por estudos que apontam uma ligação entre jornadas reduzidas e aumentos na produtividade. Em experimentos realizados na Islândia, por exemplo, os resultados mostraram que trabalhadores com mais dias de descanso apresentaram melhorias em termos de desempenho e bem-estar. Essa proposta também visa reduzir os índices de estresse e esgotamento entre os trabalhadores, problemas que têm se intensificado com a rotina moderna e a alta demanda de produtividade.

A deputada Erika Hilton segue mobilizando apoios adicionais para alcançar o mínimo de 171 assinaturas, permitindo que a PEC inicie sua tramitação na Câmara dos Deputados. Caso seja aprovada nas comissões e vá a plenário, a proposta ainda precisará do voto de 308 deputados em dois turnos para ser promulgada.

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