“Eu penso que fazer pessoas compreenderem o que elas fazem e por que elas fazem é fundamental. É quase que uma situação, como eu digo, ‘sine qua non’ [sem a/o qual não pode ser] para existir. Então não dá mais para você ter uma escola em que crianças do primeiro ano passam por uma situação de pressão para fazer prova desesperadamente”, disse Ivone Moreyra, diretora da escola Vivant, em Anápolis. A unidade é referência nacional na aplicação do modelo Montessori e tem sido cada vez mais procurada pelos pais que procuram novos modelos de educação para os filhos.

A Vivant se baseia no legado sólido da Dra. Maria Montessori, médica italiana que defendia uma concepção de educação que se estende além dos limites do acúmulo de informações. Segundo o modelo, o principal objetivo da educação é a formação integral do jovem, propondo uma “educação para a vida”. Ivone explicou que a escola recebe crianças de dois a 13 anos de idade e oferta o ensino até o 9° ano fundamental.

Segundo ela, as crianças têm chegado sobrecarregadas dos modelos tradicionais. A gama gigantesca de tarefas, as avaliações realizadas sem a compreensão do que estão fazendo e o modelo de ensino onde são preparadas para o Enem desde o primeiro ano do fundamental são os principais motivos da sobrecarga, avalia a educadora.

A proposta do método Montessori é um processo de aprendizagem mais leve, onde as crianças não só decoram o conteúdo, mas aprendem de fato o que está sendo ensinado. “Um pai aqui da escola disse que a filha dele, a Laura, está aprendendo coisas que ele só aprendeu na universidade. Na aula de educação cósmica, por exemplo, a gente tem toda uma discussão sobre o sistema solar, sobre a organização, o que são gases, o que são os anéis de Saturno, entre outros assuntos”, explicou a diretora da Vivant.

Para ela, a sociedade brasileira ainda vai passar por muitos percalços pra poder absorver e entender o que é fazer uma educação em que, de fato, as pessoas aprendam. Além de aprender, que elas saibam o que estão fazendo, falando ou escrevendo. Mais ainda, que sejam capazes de resolver os seus problemas -sejam eles emocionais, financeiros, psicológicos- de uma forma um pouco mais leve, ou pelo menos enfrentando as dificuldades da vida de uma forma mais tranquila.

Em Goiânia existem duas escolas que atuam com o método Montessori, a Casa Escola Montessori, que funciona no antigo Clube Cruzeiro do Sul, no Setor Sul, e a Educare Montessori, localizada no setor Marista.

Ivone é graduada em História, mestre em Educação pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e especialista em método Montessori de 0 a 6 anos. Confira a entrevista da professora ao Jornal Opção sobre o modelo que tem sido sucesso em Anápolis.

Escola Vivant, no setor Jundiaí, em Anápolis. | Foto: Ivone Moreyra

Me conta mais sobre o modelo de divisão das salas de aulas em 4 estruturas

Por exemplo, nós temos uma sala aqui. Na verdade temos duas, porque tem uma aqui nesse prédio onde eu estou, que é no infantil, e uma sala lá onde está o fundamental, que é na outra casa, com materiais para educação cósmica, ciência, história e geografia.

A concepção é: se a criança consegue manusear o material, ela tem uma capacidade de aprendizado mais profundo, como ela chama. Então o material da Montessori é estruturado até o quinto ano. Então a gente usa para os outros alunos que estão nas nossas turmas, do 6° ao 9° ano, o que a gente chama de filosofia de estrutura dos princípios da Montessori.

Para o infantil, as salas são montadas com quatro estruturas de trabalho. Maria Montessori estruturou a partir dessas crianças que eram muito pobres e muito carentes e ela percebeu que eles se dedicavam a ajudá-la na organização do espaço de trabalho, que não era, nem no primeiro momento, uma escola. Ela chamou de casa das crianças. Então, ela percebeu que eles gostam de limpar, cuidar dos armários, das estruturas, o que ela chamou de vida prática.

Em vida prática, as crianças aprendem a limpar, lavar, assar, arrumar, cuidar das plantas, cuidar da limpeza. Eles é que fazem isso. Aqui, por exemplo, na escola, a faxineira só faz a limpeza do chão. O restante é responsabilidade da professora e dos alunos. Então, em uma escola com sala infantil, você tem uma sala que tem esses quatro ambientes. O primeiro é esse, a vida prática. Depois, ela desenvolveu materiais para as crianças aperfeiçoarem os cinco sentidos: tato, olfato, visão, audição e paladar. Assim, tem um pacote de materiais que são disponibilizados em prateleiras, à altura das crianças, uma série de materiais para aquilo que ela chama de sensorial.

Em seguida, há uma área que ela [Maria Montessori] chama de desenvolvimento da linguagem. E a linguagem não é só aprender a falar ou escrever. Mas falar, escrever, representar, cuidar de si. Então tem cantinhos de leitura, cantos do pequeno teatro, estrutura para preparar o movimento de coordenação motora para escrita. Quando a estrutura foi construída com esses materiais, ela finaliza a sala, que é um circuito, mais ou menos um circuito, para trabalhar o que ela chama de mente matemática. Assim, desenvolveu uma série de materiais, que ela mesma desenhava e levava para a gráfica. Hoje esses materiais são bastante refinados, com um visual muito bonito, muito colorido.

Então as crianças aprendem a fazer coisas para fortalecer tônus muscular, a coordenação motora grossa e a coordenação motora fina. Essa é a concepção dela para que a criança aprenda a ler e escrever, seja alfabetizado e depois letrado de uma forma muito tranquila. Então a gente tem tido aqui em Anápolis boas experiências com os pequenos que estão conosco desde 2020.

A gente organizou as salas por áreas do conhecimento. Então, como ela tem umas materiais pra montagem, a gente construiu uma sala de matemática, uma sala de linguagens, uma sala de educação cósmica, uma sala para a língua estrangeira, uma sala para ateliê e uma sala para cultura da inovação robótica, etc. Já os alunos do fundamental 1 e 2 giram, eles não tem uma sala fixa. Eles vão até as salas onde eles têm as aulas desses conteúdos. Temos especialistas que trabalham com eles desde bem pequenos.

Crianças de 2 a 3 anos trabalhando com coordenação motora. | Foto: Ivone Moreyra

Como tem sido a resposta das crianças ao modelo?

A resposta tem sido muito boa. As famílias que tiveram, vamos dizer, a compreensão do que a gente propõe, porque essa é uma questão de acreditar numa escola completamente diferente. Por exemplo, não tem carteira, não tem quadro, não tem giz, não tem aula expositiva, porque todo trabalho é um trabalho prático, é um trabalho que é feito pelas crianças com material.

Aquelas famílias que, mesmo sendo de uma cidade até bastante conservadora, com estruturas muito tradicionais, quem apostou nessa vinda para a nossa escola percebeu o quanto os meninos, mesmo bem pequenos, são capazes de distinguir algumas situações. A gente diz assim, uma criança Montessori, ela precisa conseguir primeiro escutar, ouvir, porque tem distinção nessas duas situações, entender e executar um comando. Quando uma criança consegue fazer isso, ela desenvolve uma capacidade de planejamento mental para sua ação de uma atividade na sala ou fora dela muito diferente. Porque nós não trabalhamos com estrutura de repetição de um exercício. Uma criança, por exemplo, como você ou eu, que estudamos numa escola tradicional, a gente fez exercícios para ficar fazendo o movimento da escrita cursiva até a gente conseguir vivenciar esse movimento no lápis, de uma forma qualificada.

Aqui na Vivant a criança entende o movimento que a letra oferece. Depois ela vai para uma caixa de areia e faz o movimento da letra na caixa de areia. E ela pode desmanchar isso quantas vezes ela precisar ou quiser. Porque não é erro, é aprendizado. Então assim, a gente tem percebido que muitas famílias têm entendido que o processo é muito diferente daquilo que a gente viveu na escola tradicional. E que, portanto, ela precisa ter paciência para ver o resultado. Porque ele não é um resultado de treino, mas de aprendizado.

Uma mãe de um menino autista, disse assim: “Olha, o que o meu filho sabe fazer, para qualquer ação em casa, é ele que planeja”. Olha, isso para nós é uma vantagem fenomenal, porque para o mundo do século XXI, para o novo mundo que a gente está vivendo, com todas as tecnologias, uma pessoa de 4, 5, 6 anos ser capaz de planejar antes de executar, é um fenômeno. A capacidade de absorção do conhecimento de uma forma muito profunda. Então eu acredito que a gente tem tido bons resultados. Claro que muitos pais falam assim, “ah mas meu filho não vai aprender a ler e escrever ou fazer aqueles exercícios que a gente fazia na escola tradicional?”

Não, porque ele entende, por exemplo, que cubo tem volume e tem área. Com 4 anos de idade a gente não aprendeu isso, né? No ensino médio a gente ficou fazendo esse exercício de área, sofrendo nas atividades de matemática sem de fato compreender o que estava fazendo. Porque, na verdade, a gente nunca tocou em um cubo em três dimensões. A gente viu um cubo desenhado, né? Tanto que tem alguns pais que falam assim: isso aqui é um quadrado. A gente tem que explicar que não é um quadrado, mas sim um cubo. Porque ele continua enxergando a partir do plano, né? Então, é um processo de mudança muito grande. E a gente tem tido, eu acredito, alguns resultados muito impressionantes porque as crianças vão demonstrando o que elas têm aprendido. Mas é lento, não é rápido não.

Alunos do 4° ano em feira de empreendedorismo com produtos produzidos por eles. | Foto: Ivone Moreyra

Como foi a adaptação das crianças e da escola na pandemia?

Nós começamos a escola em 20, com 30 alunos, e apostamos num sonho. Mesmo sendo professores pobres e iniciantes no negócio, nós achamos que valia a pena insistir. E aí montamos a escola com 30 alunos e começamos o ano. Em seguida, veio a pandemia, e aí tivemos que fazer uma ressignificação do nosso trabalho, que foi pensar uma estrutura. Para os pequenos, eram poucas turmas e poucos alunos. Para o fundamental, nós tínhamos turmas de primeiro ao quinto ano, com poucos alunos, então, para eles, para o quinto ano a gente fez aulas online, e para os demais, do quarto ano pra trás, até o infantil, nós montamos uma estrutura com o grupo que ficou aqui em Anápolis.

Com o grupo que podia vir à escola, de forma bastante cuidadosa, porque a gente não sabia direito como é que era essa coisa da Covid, e aí a gente montou um esquema. De 15 em 15 dias, os pais pegavam na porta da escola o material que os meninos fossem trabalhar, e aí fizemos isso durante um ano. Isso foi uma coisa que acabou chamando muito a atenção de muita gente. “Nossa, que interessante, vocês conseguiram manter as crianças ativas mesmo numa situação atípica” E foi uma experiência muito legal, porque nós tínhamos um sócio que era marcineiro, então ele fez, para a vida prática, por exemplo, ele fez uma série de pequenos objetos.

Os meninos experimentaram fazer chá e café em casa, fazer dispositivos que eles pudessem manusear, então foi muito legal, foi um ano que ficou marcado, fizemos uma festa junina na porta da escola, num drive-thru, e aí os meninos tiraram fotos dentro do carro, porque ninguém podia descer, todo mundo de máscara, então fizemos algumas coisas muito legais durante o ano mesmo, durante a pandemia, com todas as precauções e cuidados. Quando abrimos a matrícula para 2021, chegamos em 117 alunos, e depois no ano seguinte, chegamos em 180. Logo a escola cresceu ao ponto de ter que alugar um outro prédio, que é uma casa em frente, para abarcar o fundamental 1 e 2.

História de Maria Montessori

De uma cidade no norte da Itália com pouco mais de 14 mil habitantes, Maria Tecla Artemisia Montessori se tornou conhecida no mundo todo ao criar um método que se opõe a modelos tradicionais de aprendizagem. Filha única de uma família classe média, Montessori nasceu no dia 31 de agosto de 1870 e desde cedo se interessou por ciência. Formou-se em medicina e acabou direcionando a carreira para o estudo de crianças com comprometimento mental, a partir do que criou seu conhecido modelo de ensino.

Contra a vontade dos pais, que esperavam que ela se tornasse professora, Montessori ingressou na faculdade de medicina da Universidade de Roma. Na época, o meio acadêmico era dominado por homens, que a hostilizavam por ser mulher. Mesmo com as dificuldades, se formou em 1896 e começou a trabalhar. Em 1897, ingressou em um projeto de pesquisa em psiquiatria, no qual conheceu as necessidades de crianças com dificuldade de aprendizagem. A partir daí, passou a defender também a necessidade de aulas e instituições especiais para tais crianças.

Uma das percepções de Montessori é que as crianças que eram excluídas da sociedade por serem consideradas ineducáveis respondiam bem aos estímulos para trabalhos domésticos, exercitando habilidades motoras e desenvolvendo autonomia. Com o tempo, Montessori viu que todas as crianças se beneficiariam de uma educação que as trouxesse para o centro da atenção, em um ambiente pensado para estimular as habilidades naturais. Suas conclusões foram fruto de muito estudo: além das pesquisas médicas, ela também estudou pedagogia, antropologia e psicologia.