Após uma sequência de suspensões oriundas de pedidos de vista dos magistrados, o julgamento do processo no Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO) contra a bancada parlamentar do PP em Goiás por fraude na cota de gênero, que teve início na primeira quinzena de setembro, foi finalmente concluído na última segunda-feira, dia 30. A Corte entendeu, por fim, que não houve a alegada fraude e manteve, por 4 votos a 3, os mandatos dos deputados Jamil Calife, Alessandro Moreira e Vivian Naves.

Os parlamentares do PP respiraram aliviados diante da conclusão da ação movida pelo DC e PL e que poderia cassar suas cadeiras na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego). Mas levando em conta o novo tom adotado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para este pleito e no anterior, o desafogo pode não durar muito.

Instância máxima da Justiça Eleitoral, o TSE aderiu, desde o ano retrasado, a uma postura rígida, quiçá intransigente, em relação às denúncias de fraude na cota de gênero – esquema praticado por alguns partidos como meio de suprir a cota de gênero do partido por meio de candidaturas fantasmas. Para se ter uma ideia, de 2020 até setembro do ano passado, mais de 200 vereadores de 23 câmaras municipais haviam tido os mandatos cassados por conta desse crime eleitoral.

Efeito dominó

No final de março deste ano, a Corte reconheceu esse tipo de fraude nas eleições municipais de ao menos 14 cidades de seis estados, incluindo Goiás. Por unanimidade, o Colegiado confirmou a cassação dos registros e dos diplomas de todas as candidatas e candidatos a vereador vinculados ao Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP).

Em Goiânia, na ocasião, perderam seus mandatos os vereadores Pastor Wilson e Edgard Duarte, ambos do PMB. Outro que já havia sido cassado pelo mesmo motivo, mas apresentou recurso ao TSE, foi Paulo Henrique da Farmácia (Agir). O recurso foi negado, e o parlamentar perdeu o mandato em caráter definitivo. E antes do julgamento que trouxe abaixo dezenas de mandatos no país, outros três vereadores da capital já haviam sido cassados pelo TSE – Santana Gomes e Bruno Diniz, do PRTB, e Marlon, do Cidadania (há, ainda, quem corra o risco. É o caso da vereadora Léia Klebia, do PSC).

Leia também: TRE entende que não houve fraude na cota de gênero na chapa do PP para deputado estadual; decisão ainda cabe recurso

A dança das cadeiras não só em Goiânia, mas ao redor do país, por óbvio, gerou uma enxurrada de recursos e contestações no TSE, que para abolir as imprecisões no que se refere ao que é, ou não, fraude na cota de gênero, aprovou, em maio deste ano, a Súmula 73. A medida foi implementada como uma espécie de definidora de padrão a ser adotado pela Justiça Eleitoral para as eleições municipais 2024 quanto ao tema.

“Nas eleições municipais, há um número muito maior de fraude à cota de gênero do que nas eleições gerais. Os tribunais regionais eleitorais e os juízes eleitorais estarão já com um direcionamento importante para fazer aplicar em todo o território nacional o respeito à cota de gênero”, destacou o relator do caso e então presidente da Corte, ministro Alexandre de Moraes.

Efeito Cármen Lúcia

No mês seguinte à aprovação da súmula, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, foi empossada pela segunda vez no cargo de presidente do TSE, no lugar de Mores – a primeira vez foi em 2012, quando ela se tornou a primeira mulher a presidir a Corte. A sucessão reforçou ainda mais a postura da Corte de defesa do cumprimento das cotas de gênero, e não faltaram ocasiões em que a ministra, tida como dura e até mesmo inflexível em seus votos, deu sinais claros de que, sob sua direção, o TSE agiria como um pente fino em relação às denúncias de fraude.

Ex e atual presidente do TSE, Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia | Foto: Reprodução

“Este processo eleitoral, como já aconteceu em outros, em que a representação eleitoral [feminina] é tão diminuta, vem sofrendo mais violência política na tentativa de impedir que as mulheres possam, queiram e devam participar do processo político de representação. Isto é inadmissível por todas as formas”, disse a ministra durante uma sessão plenária ocorrida em meados de setembro.

Vale destacar que, apesar de serem 52% do eleitorado, conforme o TSE, mulheres estão à frente de apenas 34% das candidaturas registradas em 2024.

Agora que a ação contra a bancada do PP de Goiás não teve provimento do TRE-GO, ela subirá para o TSE (situação já confirmada pela defesa do DC e PL, que adiantou que vai recorrer da decisão do TRE-GO). Disse uma especialista em Direito Eleitoral ao Jornal Opção: “Sobre a situação ser revertida no TSE, não tem como cravar, mas não tenho a menor dúvida de que isso pode acontecer”.

A Justiça Eleitoral vive novos tempos, em que a fiscalização dos direitos das mulheres na política passou do status de “para inglês ver” para status de “para brasileiro saber”. Leia-se: a interpretação atual, do TRE-GO, é a de que não houve fraude na cota de gênero por parte da direção do PP goiano. Se essa visão se manterá no TSE, os olhos aguçados de Cármen Lúcia e Cia. dirão.