“Fabricando” um pênis: conheça a faloplastia, cirurgia popular entre homens trans

15 maio 2022 às 16h19

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O procedimento é bastante complexo e envolve risco, mas a tecnologia melhora e a procura por ele está em crescimento

A cirurgia para construir um pênis, conhecida como faloplastia, é um dos procedimentos mais complexos da medicina. O termo é usado de forma mais geral para descrever um conjunto de cirurgias, cada uma atendendo a uma função diferente do órgão. Isso porque o pênis desempenha um conjunto de tarefas que não se podem agrupar se ele for “projetado” do zero. Entre elas está: procriação, excreção urinária e sensibilidade para o prazer. O pênis reage à temperatura, emoção e toque – um conjunto complexo de tubos, tecidos e nervos, configurados na curva desajeitada do espaço entre as pernas.
A maioria das pessoas que passam pelo procedimento da faloplastia são homens transgêneros, pessoas não binárias, pessoas intersexuais e homens cis com lesões penianas. Esses grupos podem ter diferentes anatomias iniciais, mas em geral as técnicas cirúrgicas são as mesmas. Além da construção inicial do corpo, uma faloplastia também pode incluir a extensão da uretra, a criação de um escroto, a definição da glande, a adição de próteses testiculares ou a inserção de um implante para a ereção.
Dependendo da combinação de procedimentos, um pênis pode levar alguns anos para ser concluído, envolvendo muitos estágios cirúrgicos e revisões, durante um compromisso de longo prazo que envolve organizar a vida em torno do acesso a médicos, cobertura de planos de saúde, folgas do trabalho e cuidados pós-operatórios.
Para pacientes trans, o risco de complicações é alto – de acordo com cirurgiões ouvidos pela reportagem, cerca de 70%. Mas o pequeno grupo de pacientes que passa pelo procedimento e a natureza personalizável de cada um representam desafios para a análise empírica. Além disso, as taxas de satisfação do paciente são altas. De acordo com um relatório, apresentado em 2012 na Conferência de Saúde do Transgênero pela Associação Profissional Canadense, que analisou 29 estudos de faloplastia de afirmação de gênero entre 1980 e 2012, essa taxa chega a 97%. Em uma pesquisa de 2021, publicada no The Journal of Sexual Medicine, que pediu a 79 pacientes que respondessem em uma escala de sete pontos à afirmação: “Sinto-me de forma positiva em relação aos meus órgãos genitais”, homens transgêneros que completaram pelo menos um estágio de faloplastia tiveram pontuação igual à de homens cisgêneros.
A faloplastia para homens trans e pessoas não binárias – conhecida na medicina como faloplastia de afirmação de gênero – existe de alguma forma desde pelo menos a década de 1940, mas até recentemente era rara nos Estados Unidos, onde a cobertura do plano de saúde não era confiável e poucos cirurgiões atendiam necessidades de pacientes trans. Alguns homens trans viajavam para a Bélgica, Sérvia ou Tailândia, onde os cuidados eram mais baratos e de mais fácil acesso.
Hoje, tanto o acesso quanto as atitudes estão mudando, graças aos esforços na educação de profissionais e avanços recentes na técnica cirúrgica. De acordo com dados pré-pandêmicos mais recentes da Sociedade Americana de Cirurgiões Plásticos, cerca de 1,1 mil pessoas nos Estados Unidos fizeram faloplastia de afirmação de gênero em 2019. Cirurgiões ouvidos pela reportagem confirmaram que o procedimento está em ascensão, com todas as listas de espera reivindicadas com mais de um ano.
A história de Ben
O caso do estadunidense Benjamin Simpson é exemplar. Ele foi criado em uma vila perto de Finger Lakes, no Estado de Nova York – um lugar onde até hoje o serviço de celular é irregular. Ele nem sabia o que era “transgênero”.
Quando muito jovem, ele pensava que se tornaria naturalmente um homem quando crescesse. Quando percebeu que isso não aconteceria, ele esqueceu toda a ideia e começou a coletar outras evidências para explicar por que algo em sua vida sempre parecia errado.
Primeiro, havia a maneira como ele usava roupas largas no verão. Em seguida, vieram os boatos sobre ser lésbica na escola. Para combater as fofocas, ele começou a se vestir de forma mais ligada ao estereótipo feminino e tentou fazer sexo com garotos algumas vezes. Mas, o interesse em seus corpos masculinos era mais avaliador do que erótico. Onde ele se encaixava no esquema do mundo? Incompreensível para si mesmo, ele tentou algumas vezes acabar com a própria vida. Logo depois, foi procurar por si mesmo na Universidade de Nova York.
Na primavera de 2015, quando Ben saiu para beber com dois amigos em uma churrascaria, que ele se entendeu como transexual. A configuração era a de sempre – sentado no bar, dissecando sexo e gênero, juntando as peças novamente. Eles tinham feito isso muitas vezes antes, mas dessa vez algo clicou, e de repente Ben entendeu que ele era um homem. Ele se levantou e disse a seus amigos: “Eu sou trans! Eu tenho que ir!” Na rua, ele tirou os saltos e correu cinco quarteirões soluçando de chorar até o trem. Naquela noite, ele começou o trabalho burocrático de transição: enviar mensagens de texto para sua mãe, postar um status no Facebook, agendar uma consulta médica para iniciar a testosterona.
Dois anos depois, ele fez uma mamoplastia, cirurgia de retirada dos peitos. Até onde ele sabia, sua transição estava completa. Sua disforia de gênero (desconforto no próprio corpo) era controlável. Ele se sentia bem com sua vida sexual. Embora ele tivesse lido sobre cirurgias de criação de pênis online, os resultados finais não pareciam bons o suficiente para justificar os riscos.
Sua opinião mudou mais tarde naquele ano, quando foi com alguns amigos à piscina de uma faculdade local. O lugar estava imundo. A gerência havia removido as cabines do banheiro para evitar que as pessoas consumissem cocaína. Um banheiro indefeso ao lado de um mictório não é o lugar ideal para um homem trans urinar, mas Ben estava confiante – e precisou de ir. Ele passou por um cara usando o mictório e rapidamente abriu o zíper para sentar no vaso sanitário. O homem manteve os olhos para si mesmo (o código do banheiro masculino), mas, ao sair, ele disse às pessoas que esperavam: “Vai demorar um pouco. Aquele cara acabou de se sentar”.
Isso não foi uma prática preconceituosa – ele apenas achava que Ben estava fazendo cocô. Mesmo assim, naquele momento, ele imaginou um grupo mais hostil de homens bêbados e como eles poderiam reagir à ausência de seu pênis. Todos os dias pelo resto de sua vida, fazer xixi em público significaria gerenciar riscos. Ele tinha apenas 26 anos – ainda muito jovem. Olhando para o futuro, para uma vida inteira disso, as desvantagens da cirurgia de repente pareciam razoáveis. Ter um pênis o ajudaria a se sentir seguro, mesmo que ele ainda tivesse que se sentar para urinar.
— Senti que qualquer complicação que surgisse, incluindo morrer, era melhor do que a alternativa— diz ele.
Naquela noite, bêbado em casa, ele fez uma busca pela cirurgia no google e passou a noite inteira lendo sobre faloplastia. Na semana seguinte, apresentou um pedido de consulta com a médica Rachel Bluebond-Langner no centro médico Langone, da Universidade de Nova York (NYU).
* Com informações do jornal The New York Times.