Exército comprou maleta espiã capaz de interceptar ligações e ligar microfone de celular
27 abril 2024 às 18h10
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O Exército Brasileiro comprou uma maleta espiã que permite interceptar ligações, ativar remotamente o microfone de celulares e até bloquear comunicações sem a necessidade de autorização judicial para executar as tarefas. O sistema de inteligência é chamado de GI2.
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O aparelho é vendido pela Verint (conhecida como Cognyte) como um complemento ao FirstMile, um software espião usado de forma ilegal por integrantes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) investigados pela Polícia Federal (PF).
Segundo documentos da Verint obtidos pelo jornal Folha de S. Paulo, a venda casada dos produtos é sugerida a clientes pelo menos desde 2013. Na época, a empresa usava o produto chamado SkyLock, que possui o mesmo princípio do sistema investigado pela PF: obter acesso à localização aproximada de celulares por meio de brechas nos serviços de telecomunicações.
“Um exemplo disso (uso combinado dos sistemas) é utilizar o SkyLock em conjunto com o ENGAGE GI2 para primeiro identificar a localização de uma célula alvo e, em seguida, usar o GI2 da Verint para identificar a localização precisa desse alvo”, diz trecho do material de divulgação do produto.
O GI2 foi comprado pelo Exército durante a intervenção federal no Rio de Janeiro, no final de 2018. A informação foi relatada pelo vendedor da Verint, Caio Santos Cruz, em depoimento à PF. Santos Cruz disse ainda que o Exército comprou, no mesmo pacote, os sistemas FirstMile, WebAlert e FaceDetect ao custo de cerca de US$ 10,8 milhões (R$ 56 milhões na cotação atual).
O Exército afirmou, em nota, que a legislação brasileira a impede de comentar assuntos de inteligência. Procurada, a Abin disse que a informação é sigilosa para “preservar capacidades operacionais”.
Em portfólio apresentado a clientes, a Verint detalha as funcionalidades do GI2. Entre elas, estão “localizar com precisão o alvo usando um dispositivo dedicado de busca sem desativar a capacidade de comunicação do alvo” e “extrair as coordenadas GPS do telefone móvel do alvo em redes GSM e UMTS”.
Outras utilidades do equipamento são “ouvir, ler, editar e redirecionar chamadas e mensagens de texto de entrada e saída”, “ativar remotamente o microfone de um telefone móvel”, “identificar a presença de telefones móveis alvo” e “bloquear comunicações celulares para neutralizar IEDs (Dispositivos Explosivos Improvisados, em inglês)”.
A maleta espiã possui um sistema intricado. Na prática, quando o GI2 é acionado, ele passa a funcionar como uma antena de telecomunicação, e todos os celulares em um raio próximo de 1 km se conectam a ela. Dessa forma, o operador do GI2 consegue aplicar suas funções contra todos os celulares próximos à região em que se encontra.
Uma função do sistema, porém, permite que o operador da maleta espiã selecione um celular-alvo —e, assim, todos os demais telefones voltam a se conectar com a antena mais próxima. Após definir o celular-alvo, a maleta consegue extrair os dados e acessar remotamente somente os dados do telefone monitorado, permitindo ao operador ouvir ligações e ativar o microfone do aparelho.
O Parlamento Europeu concluiu em 2023 uma investigação sobre a utilização de softwares espiões entre os países-membros da União Europeia. Parte do documento é destinado a relatar as negociações e suspeitas envolvendo as empresas Verint e Cognyte.
O relatório final do inquérito destaca que a empresa vendeu produtos espiões para governos repressivos, como Mianmar, Azerbaijão, Indonésia e Sudão do Sul. “Neste último caso, o Serviço de Segurança Nacional do Sudão do Sul utilizou equipamento de interceptação da Verint contra ativistas dos direitos humanos e jornalistas entre março de 2015 e fevereiro de 2017.”
O documento ainda diz que a tecnologia GI2, da Verint, foi enviada a uma filial da empresa na Polônia para “fins de demonstração”. “A tecnologia GI2 permite acessar um determinado dispositivo e fazer-se passar pelo proprietário e enviar mensagens falsas através desse dispositivo”, completa.