Com um estilo repleto de técnica e rapidez, o norte-americano conta como desenvolveu a double-guitar e como aprendeu a tocar nos dois braços simultaneamente – mesmo sendo canhoto

O guitarrista nasceu canhoto, mas resolveu aprender a tocar com a direita para criar uma guitarra com dois braços. Em workshop em Goiânia, Michael Angelo mostrou um pouco mais de sua técnica | Foto: Sarah Teófilo
O guitarrista nasceu canhoto, mas resolveu aprender a tocar com a direita para criar uma guitarra com dois braços. Em workshop em Goiânia, Michael Angelo mostrou um pouco mais de sua técnica | Foto: Harmonia Musical

A guitarra é quase como uma extensão do corpo de Michael Angelo. Cheio de técnica, ele manuseia o instrumento de dois braços criado por ele mesmo de forma tão segura e rápida que o público se perde entre os movimentos casados com o som que ecoa pelo ambiente.

Paciente e atencioso com todos os fãs, nem parece ser o cara que tem uma de suas guitarras no Museu do Rock’n’Roll, em Cleveland, que foi professor de Tom Morello e principalmente, que é o inventor da double-guitar, a famosa guitarra de dois braços (“8 quilos de puro metal”, como disse Batio). Michael criou um estilo único de tocar em um instrumento pensado por ele ainda aos 11 anos de idade. “Eu queria ser único, queria ser eu, e consegui.”

O norte-americano tem uma carreira musical longa e louvável, e veio pela terceira vez a Goiânia em um workshop promovido pela Harmonia Musical, com a direito a autógrafo em CD’s ao fim do show. Michael tocou para um público de não mais que 100 pessoas de forma íntima, com algumas dicas e direito a tributo a Led Zeppelin, Metallica, Randy Rhoads (ex-guitarrista do Ozzy) e ao grande Jimmy Bag, ex-guitarrista do Pantera que morreu assassinado no palco durante um show.

Michael veio a Goiânia com o apoio das marcas Morley, Dean, Jay Turser, RotoSound, Sound Track e Randall e enlouqueceu o público goianiense. Durante o evento, elogiou guitarristas brasileiros, citando Kiko Loureiro, que agora está no Megadeth.

Quando criança, o norte-americano pensou na famosa guitarra de dois braços após um show do saxofonista Rahsaan Roland Kirk, que ao final da apresentação tocou com dois saxofones ao mesmo tempo. “Eu pensei: ‘Vou fazer isso numa guitarra! Vou criar uma guitarra para se tocar com a direita e esquerda ao mesmo tempo'”

Guitarra de dois braços pensada pelo norte-americano| Foto: Sarah Teófilo
Guitarra de dois braços pensada pelo norte-americano de quase 60 anos| Foto: Sarah Teófilo

Na época, como a família não tinha dinheiro, a ideia ficou apenas na cabeça do guitarrista que aos 20 anos fez o design da guitarra e deu a Dean para que fosse construída. E diferente do que pode-se pensar, Michael é canhoto, e não ambidestro. As dificuldades, então, foram claras quando começou a aprender a tocar com a duas mãos.

“Eu era péssimo. Levei seis meses para conseguir desenvolver uma coordenação boa para tocar com as duas mãos, e depois levei vários anos para ser de fato bom, como sou agora”, explicou o grande guitarrista da vertente Shred (que dá ênfase a velocidade e técnica)que mostra extrema desenvoltura na técnica de two hands.

Veja abaixo a entrevista de Michael Angelo Batio completa feita pelo Jornal Opção, em que ele fala da técnica, dos dias de hoje e dos amados anos 80:

Você tem uma forma única de tocar, obviamente. Parece que está dançando com a guitarra, e olhando de longe, não parece que está sequer se esforçando. Os movimentos vêm com naturalidade…
(risos) E é engraçado mesmo, porque eu sou o show. Eu faço com a minha guitarra o que eu quero. Sabe, eu me pergunto: “De quantas formas diferentes dá para tocar isso?” Então eu penso: “Quais são os caminhos, as possibilidades?” Parece loucura, mas eu penso nas diversas formas que eu posso tocar o instrumento. Então,fiz uns movimentos diferente, virei de cabeça para baixo, experimentei formas malucas de se tocar uma guitarra. Depois que pensei nas formas que poderia tocar, comecei a pensar nas músicas para que desse certo.

Muitas das minhas guitarras agora estão em museus. Minha primeira guitarra de dois braços feita pela Dean está no Hard Rock cassino, em Tampa, Flórida. Tenho uma na China e essa que eu toquei hoje vai para um museu em Montana.

Como você compara os anos 80 com agora?
Olha, primeiramente eu era muito mais novo e estava e uma banda muito bonita. Éramos todos muito atraentes. E 70% do público era feminino. Outra diferença é que na década de 80 tínhamos muito dinheiro. As gravadoras davam muito dinheiro e agora já não é assim — não como era. Quer dizer, se você é Britney Spears ou Taylor Swift, você ganha dinheiro. Mas para as bandas de metal a situação é muito mais difícil.

Como é a recepção do seu público atualmente?
Eu acho que temos mais coisas para fazer. Celulares, internet, Facebook, Instagram, videogames — têm tantas coisas. Mas a minha música ainda é super popular. Eu sou popular. Toco ao redor do mundo e vejo vários jovens olhando para mim e eu ainda toco como jovem, mesmo sendo velho. Eu tenho um estilo novo e posso dizer o seguinte: “Olha, você é mais jovem, mas eu ainda sou melhor (risos). Eu ainda toco mais rápido que você.” E eu gosto disso, gosto de conversar com os mais jovens e ajudá-los.

Você viveu os anos 80, viu a mudança na música até o momento. E o que você diria que é a principal diferença entre os anos 80 e agora?
Eram tempos loucos, selvagens! Você não faz ideia! Em um espaço como esse, pelo menos 10 garotas já esperavam a gente no backstage. Era louco, muito mais louco do que você imagina; muito mais louco do que você pode ter lido em qualquer livro. E eu nem usava drogas. Quer dizer, tentei, todos nós tentamos. Mas eu não gostava. Só bebíamos muito. Nosso vocalista principal era muito bonito. Enquanto cantava, ele simplesmente apontava para uma garota e ela tirava a blusa. Era uma loucura! As garotas brigavam pela gente, para fazer sexo com a gente.

Sente falta?
Não muito. Quer dizer, ainda estou solteiro e ainda sou louco. É diferente agora. Fizemos uma boa música, mas foi há muito tempo.

Como foi o início, quando ainda era criança? Quantas horas por dia você estudava música?
Quando comecei eu tinha apenas 10 anos. Era muito pequeno, tinha que ir a escola. Então, quando chegava me casa, só podia estudar durante a noite por cerca de 15 minutos, meia hora. Aos finais de semana, eu estava em uma banda, então nós tocávamos do meio-dia até uma 6 horas da tarde.

Hoje eu toco umas 12 horas por dia quando estou produzindo alguma coisa, quando tenho CD para gravar. Quando estou em tour, não dá tempo. Estudo uns 15 minutos, meia hora, porque eu toco muito e sempre tem gente no backstage me esperando para fotos e autógrafo. Mas quando tenho alguma gravação, são 10, 12, 14 horas por dia.

Os jovens músicos de agora têm essa disciplina?
Eu não sei, acho que sim. A geração nova, principalmente no Brasil, tem ótimos guitarristas. Eu acho que aqui, nos EUA, Inglaterra, Japão, talvez Índia também — que estão bem atrás da gente, mas gostam do nosso estilo — os jovens estão melhor agora do que estiveram em qualquer outra época.

Assim, eu sou um guitarrista especial, é difícil me vencer, porque eu trabalho duro. Mas a geração nova é melhor.

Além disso, a música está no meu sangue. Até meu corpo é feito para tocar. Meu dedos estão curvados já de tanto segurar a palheta, porque eu toco há muito tempo. Meus ombros fizeram buracos de tanto segurar a guitarra; meu corpo agora está naturalmente pronto para receber a guitarra.

Você se considera o melhor guitarrista do mundo?
Não, não. Eu sou o melhor guitarrista de mim mesmo. Não existe um Michael Angelo melhor. Eu sou único, consigo tocar de uma forma específica só minha. Desenvolvi meu próprio estilo, mas não significa que sou o melhor. Tem tantos guitarristas ótimos no mundo! Gosto de pensar que sou um dos melhores.

Quando começou, na década de 80, muitas críticas vieram pelo seu apreço pela técnica e rapidez. Como foi isso?
Olha, eu aprendi que todo grande artista é criticado. Os Beatles foram criticados; quando Kiss surgiu, disseram que eles não iriam durar. Quando o Led Zeppelin produziu o primeiro disco, a revista Rolling Stones publicou que eles não sabiam escrever letras de músicas.

Eu fui criticado, claro. Mas depois as pessoas perguntavam como eu tocava a forma como toco, e só foram descobrir quase 20 anos depois, já nos anos 2000. Demoraram 20 anos para descobrir meu jeito único de tocar. Isso é o tanto que eu estava a frente dos guitarristas da época.

Conseguiu alcançar aquilo que almejava quando começou a tocar?
Eu fiz basicamente tudo que eu gostaria de fazer na música. Eu adoro fazer shows, ensinar as pessoas. A maior coisa para mim é que quando olho eu sei que quando eu morrer eu serei lembrado como um desses guitarristas que ajudou e influenciou milhões de guitarristas pelo jeito que eu toco. As pessoas olham e pensam: “Nossa, ele ainda consegue tocar assim. Se ele consegue, eu também consigo.” Isso é muito importante, é muito legal.

E você queria ser único, certo?
Não é só que eu queria, eu era mesmo. Não conseguia ser como as outras pessoas — nunca pude, nunca quis. Vi Jimmy Page tocar e eu o admirei, mas não quis tocar como ele, nunca. Eu queria ser eu mesmo, e consegui.

Sabe, Gene Simmons disse isso, que eu tinha uma forma específica de tocar muito a frente do meu tempo. Ele me disse isso nos anos 80, disse que nunca tinha visto alguém toar como eu. Então, ele ainda me disse o seguinte: “Se você não sabe quem você é, ninguém saberá. Todas as pessoas devem saber quem são, porque se você não se conhece, ninguém te conhecerá.” Eu nunca me esqueci disso, porque é assim como ele disse.