O Tiago Henrique de hoje, que pede desculpas e cita Deus, não tem nada a ver com o narcisista de meses atrás, que exigia até a barba feita para conceder entrevistas. Especialistas analisam as diferenças 

Fotos: Divulgação
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Foi em meados de outubro do último ano quando a Polícia Civil apresentou à imprensa o possível responsável pela série de assassinatos que apavorava a capital goiana. Bastante vaidoso, o quase mitológico serial killer chegou a assumir a autoria de 39 homicídios.

À época, o vigilante Tiago Henrique Gomes da Rocha, de 27 anos, tentou suicídio, agrediu um jornalista e ameaçou detentos de morte. Poucos esperavam, no entanto, que, quase oito meses depois, o mesmo Tiago voltaria atrás em muitos dos crimes confessados e trocaria a aura presunçosa por uma carta de arrependimento, em que até Deus é citado.

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“Conhece-te a ti mesmo: talvez seja esse o maior desafio que temos.” Assim tem início a carta do vigilante, entregue na última terça-feira (26/5) ao juiz da 1ª Vara Criminal, Jesseir Coelho. “Hoje peço perdão às famílias que vitimei e seja o que Deus quiser”, continua.

Na carta, Tiago diz ainda que não sabe ao certo o que o levava a matar. Segundo ele, perdia a consciência e só recobrava depois que estava fugindo. A versão não é mesma apresentada pelo próprio vigilante em outras ocasiões, quando afirmou que “vozes” o obrigavam a praticar os crimes. “Um sentimento demoníaco me possuía”, dizia.

Enquanto isso, as audiências de instrução dos casos referentes ao suposto assassino em série têm sido marcadas pela inconstância do réu, que ora demonstra agressividade e resolve chutar portas ora repousa a cabeça sobre a mesa e por lá fica sem dizer nada.

O número de mortes admitidas por Tiago também mudou com o tempo. Antes, seriam ao menos 39 homicídios confessados por ele, entre vítimas homossexuais, mulheres e moradores de rua. Na audiência do dia 28 de abril, entretanto, o vigilante disse que foi “coagido” por “homens na delegacia” a assumir muitos dos crimes. Em audiências de outros três casos que até então apontavam Tiago como o principal suspeito, o réu alegou que não se lembrava dos episódios e, por isso, não saberia ao certo dizer se teria sido ele o autor.

Estar no centro das atenções também parece não mais estar na lista de prioridades de Tiago. Assim que ele foi pego pela polícia, o então advogado do vigilante, Thiago Huáscar, chegou a afirmar que a midiatização exacerbada seria o “ápice” para o seu cliente. O suposto serial killer, que antes exigia estar barbeado para conceder entrevistas, agora, solicita a saída da imprensa para que possa se pronunciar.

O que dizem os especialistas

Para a psiquiatra forense Valéria Machado Ávilla, a transformação temperamental de Tiago pode não se tratar nem de arrependimento, nem de uma estratégia de defesa, mas sim de uma “mudança de foco”. “Ele chegou a falar que a missão dele tinha acabado e possivelmente ele teria outra. Isso pode ter influenciado na mudança de posicionamento dele”, explicou em entrevista ao Jornal Opção Online.

Foto: André Costa
Foto: André Costa

Na avaliação da especialista, Tiago possui transtorno de personalidade e as atitudes apresentadas por ele à época de sua prisão revelam características de um psicopata. “Eles gostam de contar detalhes do crime. Há uma vaidade por essa coragem, mas eles são muito esporádicos.”

O diagnóstico é o mesmo apresentado no final de fevereiro deste ano pela Junta Médica do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) sobre a sanidade mental de Tiago. Conforme laudo, o vigilante é sim um psicopata, no entanto, plenamente capaz de responder por seus atos. Dificuldade de estabelecer relações, insensibilidade afetivo-emocional e a desconsideração pelos sentimentos, direitos e bem-estar alheios são as características apontadas pelo relatório, que chegou a ser refutado por Tiago na carta entregue essa semana. “Foi apenas fachada para me condenar”, escreveu.

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Em relação às possibilidades de recuperação do suposto assassino em série, Valéria Machado avaliou serem quase nulas. “A verdade é que ele tende a piorar devido ao sistemo carcerário que temos hoje. As chances de recuperação de um indivíduo dentro de uma prisão são poucas, imagina para um serial killer. Ele é uma pessoa inteligente, que está tentando sobreviver conforme sua realidade”.

A mudança de temperamento e a demonstração de arrependimento podem até fazer com que Tiago se redima, em partes, com a opinião pública, mas não muda em nada a situação dele com a Justiça. A avaliação é da advogada Mônica Araújo, especialista na área criminal. De acordo com ela, nem mesmo a carta apresentada pelo vigilante nesta semana traz algum tipo de novidade aos autos do processo. “Ele pode até estar arrependido, mas isso não muda nada.”

Sobre o andamento dos processos referentes ao suposto assassino em série, Mônica avaliou que estes seguem em uma velocidade considerável, tendo em vista a usual morosidade do poder Judiciário. Questionada quanto aos próximos passos da defesa de Tiago, a criminalista explicou que não é possível predefinir um caminho jurídico. “A estratégia vem de acordo com as provas que surgem.”