Especialistas em trânsito avaliam que Plano de Mobilidade de Goiânia chega atrasado

18 abril 2024 às 16h37

COMPARTILHAR
A Prefeitura de Goiânia publicou, na última sexta-feira, 12, um decreto que institui o Plano de Mobilidade Urbana (PlanmobGyn), o Conselho de Mobilidade Urbana de Goiânia (ComuGyn) e o Observatório da Mobilidade Urbana de Goiânia (OmuGyn). O documento traz as diretrizes que devem ser adotadas pelo Paço Municipal até 2033 para a melhoria dos deslocamentos das pessoas e cargas, cujo o foco principal é a redução do uso do transporte individual motorizado.
Para o especialista em mobilidade, Miguel Pricinote, o plano de mobilidade está defasado. “A primeira crítica em relação ao plano, é que ele chega atrasado. As pesquisas e propostas que estão nele são de 2021. As informações que deram base também é dessa época. O plano demorou e, durante a aprovação, ele não teve nenhuma atualização em relação às propostas. O que foi definido lá atrás foi trazido agora como se fosse a nossa necessidade”.
Outro ponto de crítica feito por Miguel foi a forma como o Plano de Mobilidade foi publicado. “O plano vem na forma de um decreto, não em uma forma de lei na qual os vereadores como representantes da sociedade poderiam debater. Esses pontos polêmicos poderiam ter sido melhor defendidos e melhor apresentados pela Prefeitura”. Segundo ele, a forma de publicação passa a sensação que o objetivo da Prefeitura não é melhorar a mobilidade, mas apenas cumprir um prazo legal.
Miguel Pricinote explica que, em um primeiro momento, foi feito um convênio com a Universidade Federal de Goiás (UFG) para realização da pesquisa. “Qual é o principal estudo de mobilidade? É a pesquisa de origem e conhecimento para saber onde a pessoa mora e qual percurso ela faz no dia”, pontua. Com base nisso, vai se criando a fórmula de deslocamento da cidade, fazendo o trajeto de onde as pessoas passam e em quais horários do dia. Dessa forma, a administração tem a base para definir o plano e redesenhar as linhas do transporte coletivo.
Ao visitar diferentes residências, percebe-se que há uma diversidade significativa nos modos de transporte utilizados pela população, incluindo carro, ônibus, moto, bicicleta e avião. Isso proporciona uma visão mais precisa da realidade. Em Goiânia, uma pesquisa conduzida pela SMM (Secretaria Municipal de Mobilidade) e pela CMTC (Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos) adotou uma abordagem na qual os participantes relatavam os seus deslocamentos diários.
No entanto, para Miguel, a principal falha foi a falta de representatividade dos diversos tipos de deslocamentos, devido à abordagem limitada da CMTC. Isso resultou em uma amostra com maior participação de usuários de transporte público, distorcendo a percepção da realidade. “Você teve na base uma maior participação dos usuários de transporte coletivo e isso muda toda a informação. Acaba-se tendo a visão que o goianinense anda mais de ônibus do que de carro ou de moto. Mas nós sabemos que é o contrário. As pessoas se deslocam mais de moto do que qualquer outra forma de deslocamento”.
Embora seja uma iniciativa válida, a pesquisa deveria ter sido mais abrangente e envolver outras secretarias e órgãos para alcançar uma representação mais fiel da população. Ainda de acordo com Miguel, investimentos aprimorados no transporte público podem abrir caminho para uma mudança nesse padrão, especialmente considerando a natureza metropolitana da região.
Além disso, é importante considerar o impacto das cidades vizinhas nos estudos sobre mobilidade em Goiânia. A Região Metropolitana de Goiânia possui 7.315,15 km² de área total e 2.173.006 habitantes (297,05 de densidade populacional), distribuídos em 20 municípios, de acordo com os dados do IBGE.
Evelyn Soares, Arquiteta e Urbanista, mestre pela UFG e professora da PUC, avalia que a Prefeitura deve promover também uma infraestrutura adequada para o desenvolvimento de um deslocamento ativo, que não utilize o veículo motorizado individual como a base principal “Em Goiânia, temos vários problemas.
Um deles é o investimento em obras de transporte coletivo, que não são encerradas, não se findam e acabam ficando paradas por muito tempo. Por mais que a Prefeitura incentive o deslocamento individual, a pé ou por bicicleta, é preciso também ter infraestrutura e segurança”.
Transporte coletivo
Durante coletiva de imprensa, o presidente da CMTC apresentou resultados iniciais do estudo Origem-Destino, com objetivo de entender os padrões de deslocamento da população e, assim, realizar o devido planejamento do transporte público e da infraestrutura urbana.
“Hoje há 296 linhas. Dentro desse estudo, dessa avaliação que foi feita, percebemos que, nesse primeiro momento, 75 linhas podem ser modificadas de forma imediata”, explicou o presidente, ao detalhar que o foco principal da reformulação é otimizar as rotas de transporte público com base na análise detalhada de origens e destinos dos passageiros. “Estamos aprofundando para que a gente possa ter uma noção exata disso. Vamos reduzir o tempo de intervalo entre as viagens, mudar a rota e investir nas linhas”, explicou.
Em entrevista ao Jornal Opção, Jonas Guimarães, Gerente de Gestão Territorial e Mobilidade da Seplanh (Secretaria Municipal de Planejamento) e Coordenador da Comissão do PlanmobGyn, rebate às críticas em relação ao Plano de Mobilidade. “Não existe mais hoje uma pesquisa origem e destino que você vai porta a porta para fazer. A pesquisa web foi feita buscando resposta para as perguntas ‘de onde você está’ e ‘para onde você vai'”, explica.
Pedágio urbano e estacionamento rotativo
Jonas Guimarães também esclareceu que a citação no Plano de Mobilidade Urbana de Goiânia sobre estudo de gestão de demanda para avaliar a aplicação de taxação de congestionamento não significa, de nenhum modo, que haja projeto em curso para cobrança de pedágio urbano na cidade. “O pedágio sequer nós vamos estudá-lo juntos aos conselhos e observatório. Foi citado no plano porque é um estudo técnico e científico e você não citar todas as consequências daquilo que você não vai fazer é a mesma coisa de você ir para uma cirurgia e o médico não falar pra você os riscos que você tem”.
Várias cidades ao redor do mundo implementaram sistemas de pedágio urbano para reduzir o congestionamento, melhorar a qualidade do ar e incentivar o uso de transporte público. Algumas das cidades mais conhecidas que implementaram ou consideraram a cobrança de pedágio urbano incluem: Londres, Cingapura, Estocolmo, Milão e Gotemburgo.
“Hoje nós temos um caminho a seguir. Isso é o plano de mobilidade. Então nós precisamos chegar nesse objetivo. Para isso, temos mil ações antes do pedágio acontecer. Como eu sempre tenho falado, se por acaso um dia nós tivermos o apocalipse em Goiânia, onde nós vamos ter que cobrar para as pessoas não andarem, nós já fracassamos. Ou seja, nós temos que colocar isso no plano, porque senão ele não teria credibilidade”, exemplifica Jonas.
A capital britânica é uma das pioneiras na implementação de um sistema de pedágio urbano. Desde 2003, a cidade cobra uma taxa para veículos que entram em determinadas áreas centrais durante certas horas do dia.
“O plano de mobilidade foi entregue à sociedade para que o administrador possa, com ele, seguir um planejamento, uma regra, para que a gente evite a morte do nosso paciente. Pra isso, não se discute hoje a morte, não se discute hoje a catástrofe e sequer isso foi ventilado pra acontecer. Até lá nós temos ações durante esses 10 anos pra que isso nunca vá acontecer. Então, o plano de mobilidade é isso: propostas, metas e regras”, finaliza o Coordenador da Comissão do PlanmobGyn.
O Plano de Mobilidade menciona ainda a gestão de demanda como exemplos praticados em outras cidades e, até outros países, a exemplo do rodízio de veículos, estacionamentos rotativos e até mesmo a adoção de pedágio urbano, caso de metrópoles como Singapura, Londres, Estocolmo e Nova Iorque.
A cobrança de estacionamento rotativo é outra medida comum adotada por muitas cidades para gerenciar o fluxo de veículos e incentivar o uso de transporte público, caminhadas e ciclismo. A Área Azul, ou zona de estacionamento rotativo, geralmente envolve a cobrança de uma taxa por um período de estacionamento limitado em áreas de grande movimento, como áreas comerciais ou próximas a atrações turísticas.
Pesquisa da UFG
O deslocamento por transporte individual cresceu de 35% para 59,6% entre 2000 e 2019 na capital, enquanto o transporte coletivo decaiu de 37,7% para 37,1%. Por outro lado, o transporte por bicicleta aumentou de 4,2% para 12%. Esses são alguns resultados do estudo que a Universidade Federal de Goiás apresentou na manhã do dia 5 de junho, coordenado pela Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação (Seplanh).
O estudo Estimativa da Matriz Origem e Destino de Goiânia teve contribuições da Secretaria Municipal de Mobilidade de Goiânia, Companhia Metropolitana de Transporte Coletivo, Secretaria de Tecnologia e Inovação de Goiânia e REDEMOB. Dividido em cinco momentos, o seminário detalhou como foi realizado o projeto de pesquisa, as séries históricas dos transportes coletivo e individual de passageiros, a pesquisa origem-destino web e a construção da matriz origem-destino.
Encomendado pela Seplanh o estudo foi feito a partir de diversas fontes de dados como internet, bilhetagem do transporte coletivo e também uma pesquisa realizada em 2021 pela internet com usuários do transporte coletivo e individual em Goiânia, contemplando diversos públicos e permitindo ampla estratificação dos dados. A partir dos dados foram realizadas diversas simulações com as matrizes de viagens de origem-destino do transporte coletivo e individual. O seminário detalhou cada uma das etapas do estudo apresentando séries históricas do transporte coletivo e individual dos passageiros.
Os dados da pesquisa foram coletados de março a novembro de 2022. Foram recebidas 9.130 respostas sendo 88,1% de Goiânia e 7,5% de Aparecida de Goiânia, além de participantes de Senador Canedo, Trindade e Goianira. O estudo utilizou o ano de 2019 como base, devido à grande variação dos dados que ocorreu durante a pandemia, mas os dados e projeções mostram que o modelo foi bastante assertivo com relação a retomada da mobilidade no município, na comparação com os dados já disponíveis de 2022.
Com os estudos apresentados, foi possível subsidiar a Prefeitura para a construção do Plano de Mobilidade de Goiânia. Segundo a lei nº 12.576 de 2012 todos os municípios devem construir seus planos. O plano de Goiânia está, segundo informações da Prefeitura, na Casa Civil para avaliação. A UFG entregou além da Matriz Origem-destino encomendada pela prefeitura, uma série de outros estudos realizados na UFG subsidiados pelos dados produzidos.
Um destaque da pesquisa é justamente o uso de dados eletrônicos para a construção das informações. Segundo um dos pesquisadores, Sidney Screiner, que coordenou também a construção de uma pesquisa no Recife, a coleta de dados ainda é feita de forma muito tradicional na maioria dos municípios. Ele que hoje está trabalhando em Tokyo, mas participou da pesquisa da UFG, conta que lá os dados são coletados normalmente com base na telefonia.
Além de traçar as vias que tendem à saturação devido ao número de carros, o estudo também mostrou as regiões em que há maior deslocamento para o trabalho, para o estudo, por via de transporte individual ou coletivo.
Entre os dados percebe-se que o deslocamento para estudo ocorre de forma mais dissipada por toda a cidade, mas para o trabalho concentra-se principalmente na região central e sul da cidade. Nesta região o transporte coletivo é muito utilizado, mas também o individual, o que provoca grande quantidade de congestionamentos nas vias. Por outro lado, as partidas de viagens de transporte coletivo normalmente se originam das periferias da cidade. Para construir esses dados foram analisados blocos de 21 dias de dados de maio e outubro de 2019.