Profissionais do marketing avaliam que o presidente utiliza dos ataque às instituições para desfocar dos problemas do governo

“Falar em voto impresso no século 21 é como largar o WhatsApp e voltar ao telégrafo”, diz Jorcelino Braga | Foto: Marcos Santos / USP Imagens

Por parte de todos aqueles que desejam disputar as eleições presidenciais em 2022, as estratégias já foram delineadas e cartas já foram postas na mesa. Para Jair Bolsonaro (sem partido), atual presidente da República que visa reeleição, esse cenário não seria diferente. Nesse leque de táticas a serem implantadas, o principal alvo de Bolsonaro são as instituições políticas e o sistema eleitoral, de modo que a defesa pelo voto impresso se coloca como seu maior discurso atual.

O fato de, na última quinta-feira, 29, o presidente ter convocado a imprensa e seus apoiadores para uma live onde, em tese, ele apresentaria provas que comprovariam as fraudes eleitorais dos anos de 2014 e 2018 que ele tanto sustentou desde antes de ser eleito, e no final ter afirmado “não ter como se comprovar que as eleições não foram ou foram fraudadas” após passar duas horas e quarenta e nove minutos desferindo ataques ao sistema eleitoral, foi a gota d’água para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Isso, porque nesta semana, a Corte fez questão de abrir um inquérito administrativo contra o presidente, com a intenção de apurar os ataques sem prova de Bolsonaro ao voto eletrônico.

Live de Jair Bolsonaro na última quinta-feira, 29 | Foto: Senado Federal

A solicitação do TSE também foi para que o presidente da República passe a ser investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em um inquérito que já se encontra aberto na Cúpula do Poder Judiciário.

Para Jorcelino Braga, empresário, atuante no marketing político e presidente regional do Patriota-GO, o aumento dos ataques de Bolsonaro às instituições se tratam de um desvio de foco e de uma estratégia falha, que promove um grande desgaste político ao governo federal.

Presidente regional do Patriota-GO, Jorcelino Braga | Foto: Reprodução

“O governo está tendo inúmeros problemas, então eles estão criando factoides para desviar a atenção, só que é tão absurdo falar em voto de papel em pleno século 21, ao considerar toda nossa inteligência artificial, toda a tecnologia do mundo. É a mesma coisa de falar em parar com o WhatsApp e voltar para o Código Morse, telégrafo e para a entregar cartas. É uma volta ao século 18”, afirma.

Quando se trata dessa fragilidade da tática utilizada por Bolsonaro, o mestre em Comunicação, Mídia e Cultura que atua com Marketing Político, Paulo Faria, concorda. Como exemplo da falta de eficiência do voto de papel, ele exemplifica o caso das eleições municipais de Goiânia, no ano de 1985, onde Daniel Antônio (PMDB) venceu Darci Accorsi (PT) no pleito em um único turno.

Mestre em Comunicação, Mídia e Cultura que atua com Marketing Político, Paulo Faria | Foto: Arquivo pessoal

“O Darci era desconhecido, mas fez uma campanha de marketing que ficou conhecida no Brasil todo porque foi inovadora, o programa era uma cadeira de barbeiro, onde ele saía nas barbearias falando sobre as propostas dele. Nessa eleição, no entanto, foram encontradas nas ruas de Goiânia, urnas abertas e votos jogados nas ruas. Era uma quantidade pequena, mas era isso que acontecia”, relembrou, ao pontuar que, com a urna eletrônica, criou-se um controle que não existia.

Desse modo, para Paulo, o atual presidente da República vem utilizando de ações previsíveis, ao se encontrar sem saída. “Como o governo Bolsonaro não entrega serviços, o que sobrou foi fazer um debate do enfrentamento a questões especificas, então Bolsonaro está copiando o discurso de contestação do voto utilizado por Donald Trump, nos Estados Unidos, durante as eleições.

No entanto, no que se refere a qualidade estratégica para enfrentamento político, considero essa uma tática de tamanha fragilidade, já que continua sendo voltada para o público interno, que hoje está na faixa dos 25% da população. Além disso, a base de lógica dela também é frágil, pela falta de criatividade e pelo fato de que temos uma longa, positiva e duradoura experiencia com o uso das urnas eletrônicas”, pontua Paulo.

Urna eletrônica | Foto: Governo Federal

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O que deveria ser feito, para Paulo Faria, era a construção de uma estratégia que permitisse alargar o público-alvo. No entanto, ele acredita que para Bolsonaro, isso se trata de uma encruzilhada. “Toda vez que ele faz uma estratégia que é mais acessível e abarca maior parcela da população, a base mais radical que o apoia, rejeita”, afirma.

O cientista político Guilherme Carvalho explica que essa estratégia utilizada por Bolsonaro, apesar de não tão funcional, ecoa em seu público e é semelhante a outras táticas já adotadas pelo presidente, que “sempre tenta puxar o debate para algum tipo de polarização”.

Antes, diz Guilherme, esse foco era principalmente voltado a questão da moralidade e da corrupção, mas desde que o ex-juiz Sergio Moro anunciou sua demissão do Ministério da Justiça, em abril de 2020, e lançou uma série de eventuais problemas relativos ao bem público no interior do governo, essa retórica é alterada.

“Durante toda a eleição, era o nós, aqueles que não estão envolvidos em escândalo nenhum e que não se mistura com esse tipo de pessoa, contra eles. No momento em que ele perde a capacidade de continuar mantendo essa retórica, ele passa a jogar a discussão para o âmbito do questionamento das instituições estabelecidas, como as instituições eleitorais”, esclarece o cientista político.

Cientista político, Guilherme Carvalho | Foto: Arquivo pessoal

Guilherme relembra, no entanto, que esse movimento não é novo, mas que se iniciou desde o final do ano de 2014, momento em que o “bolsonarismo nasce como herdeiro” do impeachment da ex-presidente Dilma.

“Ali ele começa a instrumentalizar uma serie de contestações ao processo eleitoral, que ganharam bastante eco nas eleições norte-americanas, mas perderam certa nas eleições de 2018, quando ele é eleito pelo mesmo sistema. Para recobrar todo esse movimento, ele começou a dizer que teria vencido as eleições de 2018 no primeiro turno, quando na verdade ele utiliza um vídeo com 11% das urnas apuradas dizendo que aquilo seria o resultado”, contextualiza.

“A retórica que agora é instrumentalizada por ele é que acabou a corrupção no Brasil, e que o momento atual é outro: o de extirpar os erros no interior das instituições, o que inclui as eleições, que passam a ser um erro por, segundo ele, não serem totalmente transparentes”, ilustra o cientista político, que acrescenta que essa estratégia funciona especificamente com o núcleo mais duro de apoiadores de Bolsonaro, que são os que ainda o apoiam fielmente.