Durante audiência pública, proposta de Operação Urbana Consorciada para a região é analisada como danosa em discussão

Primeira audiência pública para discutir o projeto da Operação Urbana Consorciada (OUC) Jardim Botânico aconteceu no auditório da Unifan, em Aparecida de Goiânia | Foto: Augusto Diniz
Primeira audiência pública para discutir o projeto da Operação Urbana Consorciada (OUC) Jardim Botânico aconteceu no auditório da Unifan, em Aparecida de Goiânia | Foto: Augusto Diniz

A primeira audiência pública realizada na noite de terça-feira (5/4) para discutir a proposta de aprovar a chamada Operação Urbana Consorciada (OUC) no Jardim Botânico para “revitalizar urbanisticamente” os bairros da região recebeu várias críticas de professores universitários, estudantes, arquitetos e parte da plateia que acompanhou a discussão, que aconteceu no auditório da Faculdade Alfredo Nasser (Unifan), no Jardim das Esmeraldas, em Aparecida de Goiânia.

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Depois de uma hora de fala concedida ao arquiteto Luiz Fernando Cruvinel Teixeira, do Grupo Quatro, que detalhou a proposta de OUC para o Jardim Botânico, que começa agora a ser discutida com a sociedade, vários foram os pontos negativos levantados pela plateia ao projeto apresentado por Luiz Fernando.

Coordenador da elaboração do projeto do Plano Diretor de Goiânia e conhecido por ter feito o projeto urbano de Palmas (TO), o arquiteto apresentou os dados e as soluções levantadas no trabalho realizado. Na fala de Luiz Fernando, números chamaram a atenção, como o adensamento urbano que acontecerá com a implantação do projeto, que prevê a construção de “edifícios verdes” nos arredores do Jardim Botânico.

Segundo o levantamento apresentado por ele, hoje a região do Jardim Botânico tem 41.011 habitantes em uma área de 510,54 hectares, com densidade bruta de 80,32 habitantes por hectare. Com a proposta do OUC, que prevê a construção de novas 45 mil unidades habitacionais, a densidade proposta para a localidade chegaria a 300 habitantes por hectare e a uma população prevista em 153 mil moradores, o que superaria o triplo dos habitantes de hoje nos bairros do Jardim Botânico.

A proposta, como foi apresentada, até concluir a oferta das 45 mil novas moradias, em modelo de prédios considerados ecologicamente corretos, demoraria de 19 a 30 anos para ser finalizada. Ao pensar no impacto que geraria levar mais 111.989 moradores para a região do Jardim Botânico, Luiz Fernando apresentou uma possibilidade no projeto de “redução de 25% do potencial construtivo”.

No que a proposta do OUC chama de “incentivar os edifícios verdes”, há uma previsão de adicionar mais 97,5 mil metros quadrados de áreas verdes e de lazer, no que é identificado como “parques de vizinhança”, como foi adotado, por exemplo, no Residencial Eldorado, que são as praças arborizadas entre os prédios.

Na explicação do projeto, “edifício verde” é um prédio com “teto verde, fachada verde, arborização, forração, piscininha ou reservatório de detenção de água da chuva”. A ideia é corrigir o que a proposta chama de um erro. “As pessoas foram esquecidas do ponto de vista da circulação”, argumentou o arquiteto Luiz Fernando.

Dados de necessidades da região, como um déficit de 295.370 metros quadrados de equipamentos públicos, foram apresentados como coisas que precisam e devem ser corrigidas pela proposta a ser adotada, se aprovada pela população nas audiências públicas e pela Câmara Municipal.

Entre um dos pontos está a relocação de 500 famílias, que serão desapropriadas do local. São aquelas que, segundo o projeto, ocupam espaços públicos mas têm a documentação que comprova de alguma forma a posse do imóvel. Toda a proposta tem custo de aplicação estimado em R$ 600 milhões.

A proposta analisa pontos necessários para a região como a discussão de construir mais pontos policiais para melhorar a segurança pública e implantação de ciclovias, ciclorrotas, calçadas, reaproveitamento dos polos econômicos, drenagem pluvial e acessos viários.

“Fazer disso um espaço compartilhado”, falou Luiz Fernando, enquanto os slides mostravam propostas de áreas de convívio arborizadas — mas, claro, com muitos prédios ao redor.

Críticas

Ao abrir para a fala da plateia, as críticas não foram poucas ao projeto, analisado como uma clara tentativa de transformar o Jardim Botânico em alvo da especulação imobiliária, como aconteceu com o Parque Flamboyant, o Vaca Brava e outros locais da cidade.

“O Jardim Botânico é caro demais para sacrificar”, disse o professor universitário, arquiteto e ex-presidente da Organização Não-Governamental (ONG) Associação para Recuperação e Conservação do Ambiente (Arca), Everaldo Pastore.

Pastore afirmou que é preciso impedir qualquer projeto de adensamento das áreas laterais do Jardim Botânico. “Eu vejo que um projeto de Operação Urbana Consorciada como esse podia ter sido feito para qualquer ponto da cidade. Nossa cidade está toda precisando disso.”

Segundo o professor universitário, a região do Jardim Botânico é de interesse do mercado imobiliário, assim como aconteceu com o Jardim Goiás, que tem um dos metros quadrados mais caros de Goiânia. Para ele, a proposta nada mais é do que uma tentativa de entregar nas mãos da iniciativa privada a área, enquanto mais de 50 mil imóveis estão fechados na cidade.

“Nós temos uma obrigação constitucional de bater na especulação imobiliária, nós estamos fazendo o inverso”, destacou em sua fala Pastore, que afirmou que “parece uma grande máscara de um projeto imobiliário que vai dar certo… para eles”.

Veja o pronunciamento do professor Everaldo:

Resposta

O secretário municipal de Planejamento Urbano e Habitação (Seplanh), Sebastião Ferreira Leite, o Juruna, ao lado do arquiteto Luiz Fernando e de Marcelo Canedo, representante do Instituto Cidade, de consultoria empresarial ligado à Consciente Construtora, de Ilézio Inácio Ferreira, disse que tem, desde os anos 1990, uma “luta em defesa dos posseiros do Jardim Botânico”, na administração do então prefeito Darci Accorsi (1993-1996), quando Juruna foi presidente do Instituto de Planejamento Municipal (Iplan).

Em seguida, mais críticas à proposta apresentada pela Seplanh em conjunto com o Instituto Cidade. A arquiteta Anamaria Diniz disse que o processo de adoção da OUC Jardim Botânico começou com uma base que não é democrática.

“Em princípio, ficou parecendo que a proposta do projeto seria mais para esses moradores que estão ocupando o Jardim Botânico. Mas a medida que o projeto foi apresentado, o que ficou muito evidente é que todos os problemas apontados não se referem simplesmente ao Jardim Botânico, mas a toda cidade de Goiânia.”

“Se essas torres basta ter um telhado verde, então nós vamos ter torres de 40 pavimentos com telhados verdes?”, perguntou a arquiteta sobre o projeto dos “edifícios verdes”. Anamaria disse que a incomoda muito uma “parceria muito negativa” entre Prefeitura e Instituto Cidade. “Tem várias obras abandonadas, inclusive no Jardim Goiás. O que que eles querem mais? Estão plantando para que momento, para quando a crise acabar?”

Do outro lado

Marcelo Canedo, do Instituto Cidade, disse que o projeto ainda não está pronto e que a proposta da Ocupação Urbana Consorciada do Jardim Botânico pode ser aperfeiçoada com as sugestões feitas pelos arquitetos e ambientalistas, além de ideias apresentadas pela sociedade, ao “buscar a aproximação do poder público e da iniciativa privada de uma forma producente”. “Quem vai gerir, por meio de um núcleo gestor, é a sociedade, essas mudanças.”

O aluno do curso de Geografia da Universidade Federal de Goiás (UFG) Lucas Morais questionou a falta de consulta à população na etapa anterior, durante a elaboração da proposta para o Jardim Botânico. “Quem não tem a posse da terra não tem direito a esses direitos de revitalização que o senhor (Luiz Fernando) citou? Eu acho esse projeto perverso.”

Lucas afirmou que o déficit habitacional de Goiânia, que é de 50 mil famílias, não será atendido pelos 45 mil apartamentos que serão construídos caso o projeto seja aprovado. O estudante comparou o Produto Interno Bruto (PIB) de Goiânia de 2014, de R$ 6 milhões, ao valor da proposta, que está estimada em R$ 600 milhões. A comparação feita era a de que o PIB da capital representaria 1% do valor anunciado a ser gasto no projeto.

Ao ser questionado por outra pessoa se haverá um limite de altura para esses prédios que estão previstos para a região do Jardim Botânico, o arquiteto Luiz Fernando disse que será aplicado sim um teto limite de altura para esses “edifícios verdes”, que, segundo Luiz Fernando, geram transparência e economia no uso dos recursos naturais a partir do aproveitamento de material reciclável, certificados e redução da emissão de carbono.

Momento tenso

A ligação do secretário Juruna com as empresas imobiliárias e construtoras, quando ele advogou em defesa de parte delas, foi levantada como “questionável” por um dos participantes da audiência, que disse ser estranho ter o Juruna à frente do projeto quando o Instituto Cidade seria parceiro da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Goiás (Ademi-GO).

Juruna interrompeu a fala e perguntou: “Você vai usar a fala para me atacar?” A declaração do secretário recebeu a resposta, dada por Juruna à arquiteta Anamaria momentos antes, de que era um debate democrático e que era natural haver argumentação de lados divergentes e todos têm direito de falar.

Ao voltar a falar, o estudante Luizfelipe De Aguiar Teixeira, do curso de Arquitetura e Urbanismo, disse que é sempre o mesmo grupo que é escolhido para elaborar os projetos imobiliários realizados na cidade. “O imóvel virou uma commodity, não é mais uma questão de vida, é uma questão de comércio, de mercado”, declarou.

Em sua defesa, o secretário destacou sua vida pessoal e profissional, inclusive com programa de regularização fundiária. “Eu não sou coxinha de universidade e também não sou coxinha de empresário. Eu nasci numa casa de taipe lá no Pantanal. Minha família veio conhecer escritura no ano passado, depois de 55 anos, porque minha família tem a posse da terra desde 1943 na herança de Lucas Evangelista.”

E continuou: “Meu escritório recebeu prêmio de regularização fundiária do Instituto Innovare. Tudo que eu fiz foi com nova fiscal, não soneguei imposto, trabalhei à luz do dia”.

Sobre o questionamento da participação do Instituto Cidade na proposta de Ocupação Urbana Consorciada do Jardim Botânico, Juruna disse que continuou o projeto porque já fazia parte do trabalho da Seplanh, que assumiu em janeiro, e já havia contratado o Instituto Cidade antes da entrada dele na pasta.

Bate-boca

O representante do Instituto Cidade chamou de “argumentos arcaicos” e falta de vontade de “ouvir os lados opostos” para trazer “o bem para essa cidade” e para de deixar Goiânia se deteriorar. Marcelo informou que o projeto, ao custo de R$ 600 mil, não usará “um centavo” dos cofres públicos.

“Não existe uma formatação de projeto, isso é apenas um diagnóstico e propostas”, comentou Marcelo sobre a proposta apresentada na audiência pública.

As falas da plateia foram encerradas com o marqueteiro Ademir Lima, que disse ter se aproximado do grupo que inclui o Instituto Cidade por acreditar no trabalho que é feito por Luiz Fernando Cruvinel, pela entidade e pelo secretário Juruna. Mas ele não poupou críticas, muitas vezes até agressivas, contra aqueles que apresentaram argumentação contrária ao projeto de Ocupação Urbana Consorciada do Jardim Botânico.

As declarações de Ademir irritaram a arquiteta Anamaria, que deixou o auditório da Unifan e foi embora. Outro que ficou inconformado com o que disse o marqueteiro foi o professor Everaldo, que chamou o Plano Diretor de “uma bosta”. Ademir tentou reduzir as críticas feitas pelos participantes a uma busca por um “debate ideológico”.

Aí foi a vez de o arquiteto Luiz Fernando se sentir ofendido com Everaldo, já que Luiz Fernando coordenou o grupo que elaborou a proposta encaminhada à Câmara Municipal para criar o Plano Diretor de Goiânia. Luiz Fernando chegou a dizer que se as discussões nas audiências públicas do OUC Jardim Botânico forem tomadas por ataques pessoais, ele não irá a mais nenhuma das outras seis marcadas. “Eu estou preocupadíssimo com o adensamento”, disse Luiz Fernando ao professor Everaldo.

Fim da discussão

“Eu amo o Jardim Botânico, foi aqui que eu comi muito jatobá quando criança.” A fala do vereador Paulo Magalhães (PSD) foi completada pela declaração de que ele não aceita discutir a mudança da lei aprovada em 2013, de sua autoria, que impede a construção de prédios no raio de 350 metros do Jardim Botânico.

Segundo o vereador, o que é descrito no projeto como “introduzir na legislação coeficiente de aproveitamento” não tem chance de ser negociado. “Só moro aqui há 60 anos, mais de meio século. E por amor ao Setor Pedro (Ludovico) e ao Jardim Botânico é que eu, preocupado com as informações privilegiadas de que compraram alguns lotes no Jardim Botânico, eu providenciei a lei proibindo a construção de prédio em torno do Botânico.”