Maria Tereza Umbleino, economista de formação, faz críticas ao modelo atual de regulamentação do mercado de emissões de CO2 no Brasil, alertando para o risco do país, com uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, passar de provedor de serviços ecossistêmicos a poluidor. Presidente da Brasil Mata Viva (BMV), Umbelino destaca, em entrevista ao Jornal Opção, a necessidade de um modelo adequado à realidade brasileira e a importância da descarbonização, além da simples comercialização de créditos de carbono.

No entanto, algumas soluções emergentes no Brasil estão buscando alternativas para alinhar a preservação ambiental à viabilidade econômica. Um exemplo é a criação das Unidades de Crédito de Sustentabilidade (UCS), um sistema que remunera agricultores para que as florestas permaneçam em pé. As UCS funcionam como um “token” que paga aos produtores pela preservação de áreas nativas, baseando sua precificação no custo de oportunidade da exploração da terra.

Cada UCS equivale a 13 m² de área preservada, oferecendo, entre outros benefícios, a estocagem de carbono, a manutenção de fluxos hidrológicos, a preservação da fauna e da flora, e a garantia de um futuro sustentável para o uso da terra. A remuneração é dividida de forma que 60% dos recursos negociados vão para os produtores (metade destinada às comunidades locais), 30% para a Bolsa de Valores Ambientais (BMV) e 10% para os investidores financeiros.

Essas UCS são a base para as Cédulas de Produto Rural (CPR) Verdes, um tipo de commodity ambiental que viabiliza uma remuneração justa para quem cuida da terra, oferecendo certificação de equivalência de impacto para negócios e servindo como lastro para a expansão de capital.

Umbelino, economista de formação e uma das responsáveis pela criação das UCS, explicou que esse modelo foi desenvolvido como uma resposta à necessidade de conciliar a produção agrícola com a preservação do meio ambiente, criando um sistema que valoriza economicamente a conservação. “O Brasil, com sua vasta biodiversidade, tem um enorme potencial para ser um protagonista nesse mercado de conservação e serviços ecossistêmicos, oferecendo soluções como as CPR Verdes que são sustentáveis e economicamente viáveis”, concluiu.

Cerrado em Pé

O Governo de Goiás lançou no dia 10 a primeira etapa da iniciativa Cerrado em Pé, que tem como objetivo colaborar financeiramente com proprietários rurais que preservem e mantenham a conservação da vegetação nativa do bioma Cerrado.

O Cerrado em Pé é um programa de pagamentos por serviços ambientais (PSA), que contempla até 100 hectares por propriedade. As áreas escolhidas serão aquelas que, de maneira legal, poderiam ser usadas para plantio ou criação de gado. O pagamento por serviços ambientais vai priorizar comunidades tradicionais, como os quilombolas, e também imóveis situados em áreas estratégicas para a proteção e conservação ambiental.

A escolha dos municípios foi baseada em mapeamentos realizados pela Semad que identificaram maiores níveis de pressão para o desmatamento. As cidades goianas escolhidas são Minaçu, Niquelândia, São Domingos, Cavalcante, Monte Alegre, Alvorada do Norte, Damianópolis, São João d’Aliança e Mambaí.

Implementação do mercado de carbono ainda é confusa

Segundo a especialista, a estruturação das normas brasileiras ainda está confusa, o que pode prejudicar o protagonismo do país no combate às mudanças climáticas. “O Brasil naturalmente é um grande reservatório de carbono, nossa vocação é a preservação e a conservação de terras, que são cruciais para a manutenção dos serviços ecossistêmicos, incluindo o sequestro de carbono”, explicou.

No entanto, ela ressalta que muitas empresas brasileiras que atendem o mercado internacional precisam evidenciar suas pegadas de emissões, mesmo que ainda não haja uma regulação compulsória. O Brasil, segundo ela, enfrenta desafios para atender às exigências de mercados como o europeu, que já implementam iniciativas como o CBM (Carbon Border Mechanism) e o Deforestation Free. “As empresas que exportam terão que se adaptar a essas novas exigências, mas o foco não deve ser apenas na compra de créditos de carbono, e sim na descarbonização por meio de tecnologias que reduzem emissões”, afirmou.

Umbelino também aponta a diferença entre o mercado de licenças de emissões e a mitigação de impactos ambientais. No primeiro, comum em países como Canadá, Europa e Austrália, as empresas têm tetos de emissões e podem comercializar os excedentes. Já no Brasil, a realidade é distinta, com a floresta e a biodiversidade sendo ativos fundamentais. “No balanço ambiental de uma propriedade rural, a gestão de terras de conservação gera 27 serviços ecossistêmicos, incluindo a preservação de carbono”, ressaltou.

Ela ainda defendeu a criação de um estándar específico para o Brasil, que leve em conta a preservação ambiental e a produção sustentável, sem prejudicar o agronegócio, que já enfrenta desafios para se adaptar a essas novas realidades. “Enquanto outros países focam na redução de passivos, o Brasil tem o potencial de gerar créditos por produzir ativos, como a conservação de florestas e a proteção da biodiversidade”, concluiu.

Essa discussão ocorre em um momento em que o Senado e a Câmara dos Deputados debatem a criação de uma legislação para o mercado de carbono no Brasil, o que, segundo a especialista, precisa ser feito com cuidado para evitar que o país, que sempre foi um exemplo na redução de emissões, se veja penalizado.

Impactos na índustria

A especialista alertou ainda sobre os impactos desproporcionais que podem recair sobre a indústria brasileira, caso os parâmetros internacionais de corte de emissões não sejam adequados à realidade nacional. “Nossa indústria já está mais adequada, os índices de poluição dela são menores que os das europeias. Então, quando colocam uma linha de corte de 20%, 30%, sem um estudo técnico-científico adequado, você torna inviável a produção brasileira. Em determinado momento, a linha de base é essa: cortou, tem que reduzir. Mas nossa indústria já implementou todas as mudanças tecnológicas possíveis”, alerta.

Segundo a especialista, isso pode resultar em um impacto direto na estrutura de custo, funcionando como uma “chantagem”. “Se não reduzir, o mercado europeu, chinês e americano não vai mais comprar nossos produtos, mesmo que já tenhamos reduzido a capacidade ao máximo. Na Europa, por exemplo, muitas indústrias ainda utilizam carvão, então é fácil mudar para energia solar e reduzir. Aqui, nossa matriz energética já é limpa, então as oportunidades de redução são menores e os custos de novas tecnologias são altíssimos”, afirma.

Ela destacou a desproporcionalidade dessas exigências: “Se a linha de corte for muito recente, como 2005 para cá, vai inviabilizar nossa indústria, que já reduziu o que podia. Enquanto na Europa a produção de uma tonelada de aço, por exemplo, gerava 12 de emissão, aqui já estávamos em 6. Se agora pedirem uma redução de 30%, teríamos que chegar a 3, o que é desproporcional e extremamente oneroso para o Brasil”, explicou, reforçando que essa realidade precisa ser levada em consideração nas regulamentações globais.