Um escândalo político de grandes proporções atinge o governo da Argentina e coloca em xeque a governabilidade do presidente Javier Milei. A crise foi desencadeada após o vazamento de áudios em que um ex-aliado do governo acusa Karina Milei, irmã do presidente e atual secretária-geral da Presidência, de envolvimento em um esquema de propinas milionário ligado à compra de medicamentos para a rede pública.

A denúncia, feita por Diego Spagnuolo, ex-chefe da Agência Nacional para a Deficiência (Andis), levou a Justiça a abrir investigação e já resultou em buscas em órgãos do governo e em empresas suspeitas de participação no esquema. O episódio ocorre em um momento politicamente sensível, já que o país está a duas semanas das eleições para a província de Buenos Aires e a dois meses das legislativas nacionais.

Nos áudios revelados pela imprensa, Spagnuolo acusa diretamente Karina Milei e Eduardo “Lule” Menem, subsecretário de gestão institucional, de cobrarem propinas de até 8% do faturamento de indústrias farmacêuticas interessadas em contratos com o governo. Segundo ele, Karina ficaria com uma parcela de 3% a 4% dos valores arrecadados, o que poderia render cerca de US$ 800 mil por mês — aproximadamente R$ 4,3 milhões.

Além de Karina e Lule Menem, os empresários Emmanuel e Jonathan Kovalivker, ligados à distribuidora Suizo Argentina, também foram citados como operadores do esquema. Emmanuel foi flagrado com US$ 266 mil em espécie durante operação da Justiça, enquanto Jonathan está foragido. Outro envolvido é Daniel Garbellini, diretor da Andis, acusado de atuar como elo entre a agência e os empresários.

O juiz federal Sebastián Casanello conduz o processo e já determinou 16 mandados de busca. Entre os materiais apreendidos estão celulares, computadores, máquinas de contar dinheiro e altas quantias em espécie. Spagnuolo, que fez as acusações, agora também figura como réu no caso, acusado de corrupção e administração fraudulenta.

Os áudios que originaram o escândalo ainda estão sendo periciados para comprovar sua autenticidade. Quatro celulares recolhidos na operação, incluindo o de Spagnuolo, são considerados peças-chave para a investigação.

Reação do governo

Até o momento, Javier Milei evitou se pronunciar de forma direta sobre o caso. Ele se limitou a posar sorridente ao lado da irmã em uma aparição pública, gesto interpretado como sinal de apoio. O chefe de gabinete, Guillermo Francos, afirmou que o presidente está “tranquilo” e atribuiu a denúncia a uma suposta perseguição política em ano eleitoral. Já Martín Menem, presidente da Câmara dos Deputados e primo de Lule, defendeu os acusados e classificou os áudios como uma “monumental operação política”.

A decisão de afastar Diego Spagnuolo da Andis, anunciada logo após o vazamento das denúncias, também foi vista como uma tentativa de conter os danos políticos. A agência passou a ser administrada por interventores, que prometeram auditorias internas.

Analistas consideram que a crise pode enfraquecer Milei em um momento crucial. A disputa em Buenos Aires é decisiva para medir a força de sua base política e, nas eleições legislativas de outubro, o presidente precisa ampliar sua bancada para garantir governabilidade.

A eventual comprovação do envolvimento de Karina Milei no esquema representaria não apenas a perda de sua principal conselheira política, mas também um duro golpe na imagem anticorrupção que impulsionou sua eleição.

O Parlamento argentino já discute a possibilidade de abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar o caso, o que aumentaria ainda mais o desgaste político do presidente.

Braço direito de Javier Milei, Karina sempre desempenhou papel central na construção da imagem pública do presidente, atuando como guardiã de sua agenda e interlocutora direta com aliados e adversários. Sua eventual implicação em um esquema de propinas não só fragilizaria o núcleo de poder do governo, como também corroeria o discurso de ruptura com a “casta política” — principal bandeira eleitoral de Milei.

Enquanto as investigações avançam, o governo argentino tenta manter a narrativa de que se trata de uma ofensiva política articulada pela oposição. Mas, com provas em análise e a repercussão internacional do caso, a crise promete se prolongar e testar os limites da resiliência política do presidente.

Leia também

Polícia cumpre mandados após áudios explosivos ligarem irmã de Milei a esquema de corrupção