Envelhecer sendo LGBT+ pode ser desafiador. O Jornal Opção conversou com gays e travestis, que relataram um afastamento da própria comunidade de pessoas mais velhas. Pensando nisso, a velhice da pessoa LGBT+ foi tema da parada de São Paulo deste ano, mas já havia sido a temática da última parada de Goiânia, em 2024. 

Quando a parada foi realizada na capital goiana, em 28 de junho – quando é comemorado o Dia Internacional do Orgulho LGBT+ – de 1996, exatamente 29 anos atrás, havia mais policiais que militantes na ocasião. Nove gays se reuniram na Praça Cívica na luta pelos direitos da comunidade. Goiânia foi a segunda cidade do Brasil a organizar uma Parada LGBT+, antecedida apenas por São Paulo. Atualmente, o evento recebe mais de 100 mil pessoas, contou um dos fundadores e organizadores da parada goiana, Marco Aurélio.

Marco é um homem gay de 59 anos, “quase idoso”, como ele mesmo se definiu. Ele disse que, para os gays, os homens já são lidos como velhos a partir dos 30 anos. Por isso, acredita que já é velho “duas vezes” para a comunidade. 

“O mundo LGBT não é para os idosos. A sociedade inteira não é para os idosos. No movimento LGBT, isso é mais escancarado. Eles pautam o corpo, principalmente os gays, falando na visão de um homem gay, No movimento, o corpo e a estética são o padrão de beleza, é o padrão de qualidade. Então, se você não tá naquele padrão…“, relatou ao Jornal Opção.

Enquanto isso, Roberto*, de 52 anos, ainda na infância, ensaiava como se portar na frente do espelho para “tentar disfarçar os trejeitos de gay”. Ele preferiu não se identificar nesta reportagem, por isso, o nome Roberto é fictício. Ele relata que sofreu na escola por contas desses trejeitos e, na época, não se podia parecer gay… imagine ser. Ao Jornal Opção, disse que “os gays mais novos não têm ideia como eles são felizardos. Hoje eles são mais tolerados do que antigamente. Não é fácil, cada um sabe a dificuldade que tem, mas comparado ao que era antigamente, as coisas foram mudando”.

“O jovem acha que não vai envelhecer, ele não percebe o gay mais velho. Acima de 40 anos eles acham que é velho, acha que não entende nada, que é ultrapassado, que está fora de forma, que não é ativo sexualmente. Eles têm essa ideia e é errada“, disse Roberto*.

Denise Tramontina, travesti de 49 anos, não nasceu aqui, mas se mudou para Goiânia. Foi acolhida por outras famílias na capital, já que não pode contar com o apoio da sua no começo. Pessoas trans no Brasil têm expectativa de vida de cerca de 35 anos, de acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Ao Jornal Opção, ela relata que, muitas vezes, as travestis só encontram apoio em casas de prostituição. “Tive apoio na rua, o apoio que eu tive foi de pessoas na rua que me ajudaram”, disse.

“A vida travesti não é fácil. Sofremos, apanhamos na rua, levamos carreira, tiros, facadas, todas travestis antigas tem esse fardo, que sofreram muito. Quando não levava porrada, era uma facada, era um tiro, para poder sobreviver. Mas hoje, muitas de nós estão vivas, graças a Deus”, relatou.

Denise Tramontina, travesti de 49 anos | Foto: Arquivo pessoal / Denise

Uma tendência à independência imposta desde a infância às pessoas LGBT+ pode causar certo isolamento e falta de rede de apoio na velhice. A falta de ajuda familiar e do poder público “contribui para ignorar e negligenciar grande parte da pluralidade dos envelhecimentos e velhices contemporâneos”, pontua Carlos Eduardo Henning, professor de antropologia da Universidade Federal de Goiás, que estuda a velhice LGBT+. O Jornal Opção teve acesso em primeira mão a um artigo que ainda será publicado por ele.

O artigo de Carlos escancara que o próprio Estatuto da Pessoa Idosa e documentos reguladores do cuidado não mencionam, por exemplo, as palavras: sexualidade, gênero, homossexualidade, direitos sexuais, travestis, pessoas trans, pessoas LGBT ou pessoas idosas LGBT. “Este cenário contribui para um completo apagamento e ignorância de eventuais características, necessidades e demandas particulares de grupos politicamente minorizados em termos de identidades e expressões de gênero e sexualidade na velhice”, afirmou.

Carinho e apoio familiar

Este estudo reforça o discurso de Denise, por exemplo, que só encontrou apoio fora de casa. O professor fala em“famílias de sangue” e “famílias do coração”. O ativista Marco afirmou que a principal mudança que percebeu ao longo dos anos foi como os LGBT+ se assumem mais cedo: “Os conflitos são os conflitos normais da sociedade como um todo e que nós tivemos. Mas agora eles não sofrem sozinhos, isolados. Tem algumas ferramentas que eles conseguem acessar e tem alguns setores da sociedade que estão de olho nessas violações, nesse sofrimento. Antigamente a gente sofria e não tinha para onde correr”.

“Quando eu cheguei aqui, foram outras pessoas que me ajudaram muito, famílias de outras pessoas. Foi isso que me ajudou, meu apoio. Perdi muitas amigas também aqui em Goiânia também, que moraram comigo. Tinha uma casa que moravam comigo, várias travestis e várias amigas minhas morreram. A gente fica triste,  porque é uma vida, algumas pessoas que a gente gosta, pega amor pelas pessoas e elas morrem. Às vezes não tem nem parentes, às vezes morrem como indigente, muitas não tem nem documento”, contou Denise.  

Enquanto Denise relata que encontrou apoio em uma vida em comunidade, Roberto* encontrou esse carinho em um casamento que completou 31 anos de união. “A partir desse momento que a gente resolveu morar junto, ter uma vida junto, a gente fez planos juntos e construiu realmente uma vida juntos. Isso ajuda a ter uma estabilidade financeira e emocional”, afirmou ele.

Mesmo assim, vivendo um casamento público, Roberto* não gosta de falar sobre sua sexualidade no trabalho, por medo de represália e preconceito.  “Apesar de eu me aceitar, ter na minha família, meu círculo de amigos […] a minha vivência com o meu marido não é segredo pra ninguém. Mas, por causa do meu trabalho, eu não posso me expor. Isso me chateia muito porque aqui é uma sociedade muito conservadora e isso vai contra o que eu acredito, que a gente tem que ter orgulho e falar e levantar a bandeira. Eu acredito nisso, mas, infelizmente, eu não posso [expressar isso] do jeito que eu gostaria”, relata.

“No fundo, as pessoas toleram, não aceitam. Existe muito preconceito que é velado”, afirmou Roberto*.

Marco, da Parada, descobriu  a palavra ‘viado’ na igreja, quando foi impedido de assumir um cargo na coordenação por ser gay. Na época, o padre disse que ele deveria buscar tratamento antes de aceitar o ofício. “Eu saí e nunca mais voltei. Por causa disso descobri quem eu era, me encontrei, me identifiquei. Aí fui para outros movimentos sociais, que tinham uma discussão mais aberta sobre essa questão”, disse ele.

“A gente vai se envolvendo com as pautas, com as lutas e enfrentando as barreiras que acontecem, de preconceito, de discriminação. Às vezes a gente percebe a olho nu. Às vezes a gente não percebe”, disse ele.

Homem gay na parada LGBT de Goiânia, na Praça Cívica | Foto: Arquivo pessoal / Marco

Marco é Criador da Associação Ipê Rosa, primeira organização LGBT do Estado de Goiás e do Centro-Oeste. Ele relatou algumas mudanças no ‘mundo gay’ desde que começou a luta política. “Mesmo que hoje tenha toda uma cultura de preconceito que tem que avançar, que tem que melhorar, também existe um senso muito maior de defesa da liberdade, da diversidade sexual”, pontuou. 

Sexualidade na velhice

Enquanto Roberto* e o marido são adeptos a baladas LGBT+, Denise já trabalhou com sexo e Marco se considera frequentador do “baixo gay”: cinemas pornô, do bosque e dos banheirões. “Eu nunca fui do movimento LGBT de alto nível. Eu não sou frequentador das boates, eu sou do baixo gay mesmo. Quando jovem, eu entrava e saía a qualquer hora, não tinha problema nenhum. Então, para ir no cinemão, no bosque, nos banheirões, era a coisa mais natural, como escovar os dentes, todo dia. Independente da hora, entrava e ficava e saía, não tinha problema. Tanto fazia de dia como de noite, não era problema. Hoje é um problema”, disse Marco.

Ele ainda relata que sofreu violência geracional em aplicativos de ‘pegação’ gay, como o Grindr. “Eu já entrei e saí por esse aplicativo umas cinco vezes. E as vezes que eu saí, foi de tanta violência geracional que eu recebi lá. Degradante e sem motivo. ‘Ah, velho, filho de uma puta, o que você tá fazendo aqui? Você tem que morrer’ eram alguns comentários”, disse. Para ele, outro ponto que escancara a questão geracional é ser perguntado quanto está disposto a pagar para ficar com algum homem mais novo. “Ou seja, se você é mais velho, você tem que pagar, né? Quando se é novo, os corpos se pagam”, relatou.

”Eu não diria invisibilidade, eu diria uma repulsa. […] A gente tem que estar presente. Os gays mais velhos têm que estar presentes. A gente tem que ser visto. Tanta coisa para contar, para partilhar. […] Tem essa barreira mesmo, muitas das vezes eles [jovens] não se misturam conosco, mas acho que a sociedade é assim. Eu percebo tudo isso mas eu continuo indo em bare e boates”, disse Roberto*.

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