Entre ouro e coração valente, o marketing leva ao povo o luxo e poder de uma reeleição
11 outubro 2014 às 11h47

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Há um mês, os jornais da televisão servem aos brasileiros a imagem diária de entrevistas com a presidente Dilma Rousseff diante de uma parede dourada que ilumina o salão principal do Palácio da Alvorada. O ouro soa como símbolo de luxo, poder e riqueza em torno de uma candidata que se apresenta como protetora dos pobres e oprimidos.
A fixação da televisão na parede de ouro, que Dilma, falante, aceita sem inibição ou constrangimento, pode ressoar na elite branca como uma ironia do poder presidencial ou deslumbramento da candidata dos pobres no palácio onde mora sem despesas pessoais. Mas a extravagância faz sentido, seduz o povo sem poder.
Quem não percebeu foi o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Dias Toffoli, antigo militante do PT e advogado do Palácio do Planalto na era Lula. Aborrecido com a falta de atenção de Dilma a um pedido pessoal, Toffoli questionou o uso da residência oficial como comitê a serviço da reeleição, há três semanas.
A resposta da presidente veio em seguida na forma cínica de desafio, numa nova entrevista, no próprio Alvorada. “Se não pode ser no Palácio da Alvorada, serei uma sem-teto e irei para a rua dar entrevista porque não tenho casa aqui”, devolveu Dilma, que não comparece ao expediente do Planalto desde 19 de setembro, quando foi ao escritório receber um grupo de atletas olímpicos.
A ideia da parede de ouro faz sentido porque a opulência do poder eleva o orgulho, a autoestima da clientela dos programas sociais do governo, os eleitores do PT. No mínimo, a opulência é uma garantia de que não faltará dinheiro. Lembre-se a Lei Joãosinho Trinta, decretada há quase 40 anos:
— Pobre gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual.
O carnavalesco Joãosinho sancionou a lei em 1976, ao conquistar o concurso de escolas de samba do Rio com o luxo das alegorias da Beija-Flor. A frase era uma resposta aos críticos que condenavam a opulência do desfile da escola de samba, sob os holofotes da avenida, em nome de uma população pobre de Nilópolis, sede da escola bancada por bicheiros.
A sentença era mais uma inspiração de Joãosinho Trinta, numa frase que tem tudo a ver com o perfil do jornalista Elio Gaspari, diretor na época da revista “Veja”, cujas páginas procuravam oferecer ao leitor sentimentos de luxo, poder e riqueza. Trata-se de uma satisfação íntima que o leitor nem sempre encontra entre as misérias da imprensa diária.
A fixação na parede de ouro do Alvorada ao fundo da presidente não surgiu necessariamente de uma percepção do marketing da reeleição. A origem pode estar em sugestão de fotógrafos e cinegrafistas que costumam solicitar aos entrevistados poses e fundos que valorizem a imagem. Porém, se a parede se fixou como produto diário, foi porque o marketing de Dilma a sancionou.
Em outra atitude, os marqueteiros prepararam o pano de fundo da reunião da candidata, na terça, com um grupo de aliados eleitos nos Estados dois dias antes. Atrás de Dilma, a parede do frio Centro de Convenções de Brasília trazia de ponta a ponta a ideia de impor a noção de que a guerreira a ser reeleita possui um coração valente a serviço dos fracos e oprimidos.
Era um painel com conceito de venda do culto da personalidade, típico do autoritarismo. Ao centro, um retrato da jovem Dilma do tempo em que estava na luta armada contra a ditadura. Os óculos pesados não ajudavam a enfeitar o rosto da moça, mas valorizavam a percepção de uma pessoa séria, compenetrada numa missão histórica, política.
Ao lado, a inscrição “Coração valente” (sic). É o tema de uma música feita por Anderson Freire para embalar a campanha da reeleição da guerreira, sob o título “Dilma Coração Valente”. Com certeza, o compositor se inspirou no filme norte-americano “Coração Valente”, tradução literal de “Heartbrave”, um épico que Mel Gibson rodou em 1995.