Em um século XXI marcado pelo que o próprio autor descreve como uma “crise global, planetária”, onde “a própria natureza está morrendo” e as sociedades mergulham no “cinismo, no egoísmo” e na “violência sem precedentes”, a busca por sentido transcende o material e clama por uma âncora espiritual. É neste contexto que a obra “Momentos de Reflexão – Elevação da Alma”, do Prof. Nelci Silvério de Oliveira, se apresenta não como um simples livro, mas como um compasso para navegação interior. O autor, nascido em Catalão, Goiás, em 1943, e formado em Direito pela Universidade Federal de Goiás, traz para sua escrita não apenas o rigor intelectual de quem foi professor universitário por mais de três décadas, mas a sensibilidade de um buscador espiritual. Mais do que uma coletânea de poemas e prosas, seu livro é um convite sistemático a um exercício filosófico-espiritual urgente, sintetizado no apelo da prefaciadora Alessandra de Oliveira Gomes: “Reflita! Mergulhe em sua consciência!”.

A estrutura do livro, organizada em breves capítulos temáticos que vão desde “Deus e a imagem de Deus” até “O aborto”, “O suicídio” e “A Ética e a ciência”, revela uma ambição enciclopédica no tratamento das grandes questões humanas. Seu método é a reflexão pura, o pensamento “móvel” que, nas palavras do prefácio, vai além da constatação cartesiana da existência (“penso, logo existo”) para indagar “o porquê de existirmos”. Esta é uma filosofia prática, no sentido mais clássico do termo: seu fim é a transformação do ser. Oliveira propõe que a verdadeira sabedoria, o “verdadeiro conhecimento”, não é intelectual, mas vivencial. “O homem não é um ser que sabe, mas um ser que se sabe”, ecoando a tradição socrática do “conhece-te a ti mesmo”. Ele defende um “conhecimento sófico” – sapiencial – que emerge de uma “intuição intelectiva”, capaz de alcançar a “Unidade Qualitativa” por trás da pluralidade quantitativa do mundo. Esta visão conecta-se diretamente aos pilares da Filosofia Perene, tal como articulada por autores como Aldous Huxley, que via uma verdade transcendental comum a todas as tradições espirituais.

É impossível percorrer esta obra sem notar a profunda ressonância com o pensamento do filósofo e teólogo Huberto Rohden, cujo poema, reproduzido integralmente no livro, serve como uma pedra angular para compreender a humildade cósmica e a grandeza espiritual que permeiam a obra de Oliveira:

Nós, meu amigo, somos de ontem – e amanhã deixaremos de ser…
E, quando a humanidade deixar o cenário do universo, continuará o drama da terra, e do cosmos – sem nós…
Sem nós – como milênios antes, como se nunca tivéssemos existido…
Somos um pequenino parêntese – entre dois infinitos…
Somos um subitâneo lampejo – na noite eterna…
Somos um grito apenas – no silêncio imenso do deserto cósmico…
Somos uma microscópica ilha de vida – no oceano da morte universal…
Somos um Nada…
E, no entanto, esse Nada do homem é grande – porque iluminado pelo Tudo da Divindade…
A luz do seu poder, alvo da sua sabedoria, objeto do seu amor – sou mais que todo o resto do mundo…
De ontem, apenas hóspede na terra – sou eterno no pensamento de Deus…
Partirei amanhã para longe da terra – e serei imortal no seio de Deus…
Huberto Rohden

A imagem rohdeniana do homem como um “pequenino parêntese – entre dois infinitos”, um “Nada” que só adquire grandeza por ser “iluminado pelo Tudo da Divindade”, fundamenta a cosmovisão de Oliveira. A espiritualidade proposta é não-confessional, centrada na experiência direta do divino no íntimo da consciência, o “Cristo Interno”. Como um universalista que há mais de 30 anos ministra cursos abertos à comunidade, Oliveira busca, em linha com sua produção que inclui obras como “O Cristo em Jesus” e “Os Evangelhos em sua Natureza, Essência e Profundidade”, despertar o homem para a realidade do “Cristo Cósmico”, ideia que encontra ecos fortes no cristianismo místico de um Mestre Eckhart.

O próprio livro se define, em sua apresentação, como uma resposta ao espírito do tempo: “Os seres humanos, nos albores deste século XXI, geralmente nem se preocupam com as mais elevadas aspirações de natureza espiritual e com o verdadeiro sentido da vida”. Diante disso, a obra se propõe como um “livrinho” de “textos curtos, condensados e objetivos, cujos temas sejam altamente relevantes, urgentes e oportunos”. Nos temas mais delicados, como o aborto e o suicídio, a abordagem do autor é firme e pautada por uma perspectiva espiritualista que enxerga a vida como um processo contínuo e evolutivo. O aborto é tratado como uma grave transgressão ao “direito à vida” do ser concebido. O suicídio, por sua vez, é visto não como uma libertação, mas como uma tragédia que acarreta “novas dores e novos sofrimentos” no plano espiritual. Estas posições estão fundamentadas na crença da imortalidade da alma e na lei de causa e efeito, princípios caros a tradições espiritualistas.

A crítica social de Oliveira é incisiva. Ele diagnostica uma “agonia da arte”, reduzida à “animalidade, à vulgaridade e à licenciosidade”, e um domínio da técnica que, sem a ética, só amplifica a tragédia humana. “No império da ciência… não há lugar para o ser humano e sua alma imortal”, alerta. Esta visão aproxima-se da crítica à razão instrumental, mas sua proposta de solução é radicalmente espiritual: apenas uma “Civilização do Ser”, baseada no “eterno primado do Espírito”, poderia redimir a humanidade. O século XXI, assim, é visto como um doloroso “parto cósmico”.

A profundidade temática em “Momentos de Reflexão”

A força da obra de Nelci Silvério de Oliveira reside não apenas em sua proposta filosófica central, mas na abrangência meticulosa com que examina os múltiplos vértices da existência. O sumário do livro, que se desdobra de “Iluminai-me, Senhor” até “O cosmo, esperança da humanidade”, funciona como um mapa para uma jornada espiritual completa. Esta continuação do artigo busca explorar esses eixos temáticos fundamentais, demonstrando como o autor constrói uma coerente filosofia de vida, começando pela jornada em direção ao divino. Os capítulos iniciais do livro estabelecem o fundamento de toda a busca: a conexão com o transcendente. Títulos como “Iluminai-me, Senhor”, “Encontrar Deus” e “Oração da manhã” revelam um método prático. Oliveira não se contenta com a teologia especulativa; ele oferece ferramentas para a experiência direta. A oração e a meditação, tratadas em seções específicas, são apresentadas como disciplinas para “canalizar a Fonte Inesgotável do Infinito”, conforme destacado no prefácio por Alessandra de Oliveira Gomes. Esta abordagem ecoa a tradição dos exercícios espirituais de Inácio de Loyola, mas com um caráter universalista, desvinculado de um credo específico. O ápice deste caminho é a doutrina do amor incondicional (“O amor oblativo”, “A força do amor”). Para o autor, amar “incondicionalmente ao próximo e a Deus” é a prática transformadora por excelência. Aqui, sua visão encontra ressonância no ágape cristão, tal como exposto por São Paulo, mas também no ideal de karuna (compaixão) do Budismo. Oliveira postula que esse amor é o antídoto para o egocentrismo, tema que aborda em “Prazeres do ego e Felicidade do Eu”, onde contrasta as satisfações fugazes do ego com a felicidade perene do Ser (Eu).

Um dos núcleos mais consistentes da obra é a análise lúcida dos estados afetivos humanos. Em capítulos como “Prazer, dor e Felicidade” e “Função do sentimento e da dor”, Oliveira desenvolve uma visão dialética. Ele afirma que “o prazer e a dor não passam de frente e verso de um mesmo fenômeno”. O prazer físico ou emocional, quando perseguido avidamente, gera um “vazio equivalente em dor”. Esta percepção guarda semelhanças com o ensinamento budista sobre a insatisfatoriedade (dukkha) inerente à condição samsárica, e também com a crítica epicurista ao prazer desregrado. No entanto, seu objetivo não é um pessimismo ascético. A dor é ressignificada como agente de evolução espiritual (“Saber sofrer”). A felicidade verdadeira, por sua vez, é descrita como “uma conquista da alma”, imune às circunstâncias externas. Esta concepção aproxima-se da eudaimonia aristotélica – uma felicidade baseada na realização da própria essência – e da ataraxia estoica, a serenidade inabalável.

A reflexão avança para uma cosmovisão integral sobre vida e morte. Os capítulos que abordam a morte (“O que nos acontece depois da morte”, “Sofrimentos após a morte”) e a evolução espiritual (“Evolução espiritual e energia sexual”, “A grandeza do homem”) expõem o cerne da cosmovisão espiritualista do autor. Oliveira descreve com detalhes a condição do espírito desencarnado, a importância do desapego e os sofrimentos que atingem aqueles que, em vida, foram dominados pela materialidade. Esta descrição é profundamente influenciada pela literatura espírita kardecista, mas é filtrada por sua linguagem filosófica. Conceitos como “perispírito” (o corpo espiritual), “lei do carma” e “pluralidade das existências” (reencarnação) são apresentados como mecanismos justos e educativos da evolução. A família em crise é analisada sob esta ótica, como um ambiente de ajuste de débitos e aprendizagem afetiva. Essa visão oferece uma resposta metafísica ao sofrimento e ao aparente caísmo do mundo, tema aprofundado em “O século XXI e o apocalipse”, onde a crise planetária é interpretada como as “dores de um parto cósmico” rumo a uma “Civilização do Ser”.

A reflexão de Oliveira não se limita ao indivíduo; ela se projeta em uma aguda crítica social. Em “Os principais vícios e suas consequências”, ele lista a avareza, a ira, o orgulho, a inveja e a crueldade como forças que “maculam o perispírito” e adoecem a sociedade. Sua condenação mais veemente, porém, é dirigida à “agonia da arte”, que diagnostica em capítulo homônimo. Para ele, a arte contemporânea, em suas manifestações na pintura, música, cinema e televisão, degenerou-se em “animalidade, vulgaridade e licenciosidade”, hipnotizando as massas e refletindo o domínio do materialismo. Esta crítica se estende à ciência. Em “A Ética e a ciência”, argumenta que o saber técnico-científico, desprovido de uma base ética e espiritual, fracassou em trazer felicidade. “No império da ciência… não há lugar para o ser humano e sua alma imortal”, alerta. Esta posição alinha-se à de pensadores como Martin Heidegger, que criticou a técnica moderna como um Gestell (enquadramento) que esquece o Ser, e à de Dostoiévski, para quem “se Deus não existe, tudo é permitido”.

Finalmente, o livro dedica parte significativa ao processo educativo (“O professor e educador”, “O professor, o ensino e a educação”). Para Oliveira, o verdadeiro mestre não é um mero transmissor de informação, mas um despertador de consciências. Esta visão remete à maiêutica socrática e ao ideal de paidéia grego. A educação, nesse sentido, é um caminho de libertação pelo autoconhecimento. Esse tema se liga diretamente à sua epistemologia, exposta em capítulos como “Conhecer a Verdade” e “O verdadeiro conhecimento”. O autor distingue o “conhecimento vulgar” e o “intelectivo dualista” do “conhecimento sófico”. O primeiro é quantitativo, parcial e aprisionador; o segundo é qualitativo, intuitivo e libertador, pois é vivencial – “só se sabe aquilo que se vive, aquilo que se é”. O destino final dessa busca é a “Filosofia perene”, apresentada como o saber unificado que subjaz a todas as tradições espirituais genuínas.

Ao percorrer extenso sumario do livro, percebe-se que Momentos de Reflexão – Elevação da Alma é uma obra totalizante. O autor, com a erudição do professor de Filosofia do Direito e a paixão do místico universalista, tece uma tapeçaria onde temas aparentemente dispersos – da oração à crítica da arte, da dor à política cósmica – convergem para um único fim: conduzir o leitor da periferia ilusória de sua personalidade (ego) para o centro luminoso de seu Ser (Eu). O livro cumpre, assim, a função que ele mesmo atribui à filosofia nobre: não informar, mas transformar. Em um mundo fragmentado, sua proposta é um chamado ousado à unidade, à interioridade e à responsabilidade última de cada consciência em sua jornada de volta à Fonte“, porquanto “Momentos de Reflexão – Elevação da Alma” é um livro que desafia a superficialidade do tempo presente. De fato, Nelci Silvério de Oliveira, professor, membro da Academia Goianiense de Letras e autor de uma vasta obra que vai de “Curso de Filosofia do Direito” a “Uma Oração para cada Dia”, utiliza-se das ferramentas da reflexão filosófica e da intuição espiritual para convidar o leitor a uma jornada de autognose. Seu texto é um antídoto contra o que ele mesmo descreve como o “conhecimento sofista” do mundo moderno – um saber que “constrange” em vez de libertar. Como bem sintetiza a prefaciadora Alessandra de Oliveira Gomes, a obra aponta “o quão imprescindível se faz ultrapassarmos o pluralismo dos sentidos e o dualismo da inteligência, a fim de alcançarmos o monismo, a Unidade, a Sabedoria”. Ao correlacionar suas ideias com a tradição de pensadores como Huberto Rohden – cujo poema existencial encapsula o núcleo da busca oliveriana – e com os princípios da Filosofia Perene, Oliveira insere-se em uma linhagem de busca pela Verdade que é, em sua essência, libertadora. Mais do que um manual, é um companheiro para quem ousa empreender a mais necessária das viagens na era da distração: a viagem para dentro de si.