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Foi uma decisão unilateral do governo americano. Ao levar o plano de Donald Trump, que encerra a guerra entre Israel e o Hamas, para ser discutido pelo Conselho de Segurança da ONU, os Estados Unidos indicam uma mudança de rumo radical e problemática para o Estado judeu.

Benjamin Netanyahu e Trump — que antes tinham planos em comum sobre o “novo” Oriente Médio — agora têm ideias divergentes para moldar o futuro da região.

O plano de paz do presidente americano — que contém 20 pontos que precisam ser estabelecidos —, logo de cara, foi aceito e bem recebido pelo governo de Israel. Porque estava de acordo com os interesses do país: retorno dos reféns, o fim da guerra sob termos favoráveis a Israel, controle total do exército israelense em áreas críticas na Faixa de Gaza, a permanência das tropas no território palestino.

O plano também prevê que o Hamas entregue as armas e se retire de Gaza.

Estrategicamente, o plano de paz do presidente americano permanece ideal para Israel porque coloca país como ponto central de um corredor econômico que será estabelecido para unir a Índia ao Oriente Médio e Europa. E que deverá garantir a cooperação regional, benefícios econômicos e a expansão dos Acordos Abraamicos — leia-se a normalização das relações entre Israel e Arábia Saudita.

Sérias ameaças contra Israel

Mas, por trás dessa iniciativa ambiciosa, pairam sérias ameaças contra Israel. Umas delas é a Turquia e sua crescente influência em centros de poder pontuais pelo Oriente Médio.

O presidente turco Recep Taype Erdogan não esconde de ninguém que tem ambições imperialistas para a região e é hostil a Israel.

A presença turca na Faixa de Gaza e na Síria abre um caminho perigoso que pode levar à criação de uma nova força sunita que chega para ocupar o espaço deixado pelos xiitas do Irã e do Hezbolah, hoje, enfraquecidos após a guerra contra Israel.

Outra ameaça é proposta apresentada no Conselho de Segurança da ONU que prevê o estabelecimento do Estado Palestino.

Esta não é a primeira vez que as Nações Unidas colocam a questão em votação na Assembleia Geral. Mas, quando chega ao Conselho de Segurança, os Estados Unidos sempre vetam. Só que, desta vez, é o governo americano que está conduzindo a resolução que deve, finalmente, pavimentar o caminho que vai levar ao estabelecimento do Estado Palestino.

Para que se torne realidade, Donald Trump teve que abandonar declarações polêmicas sobre o tema — como a questão migratória. O presidente americano — que antes estimulava a migração Voluntária — agora é totalmente contra.

O novo plano omite qualquer discussão sobre o assunto, assim como estimula a permanência dos moradores de Gaza no território palestino e os encoraja à participar da reconstrução por uma “Gaza melhor”.

Sob pressão americana, Netanyahu não teve saída e divulgou uma nota em inglês, mas não em hebraico, em que dá as boas-vindas à iniciativa dos Estados Unidos no Conselho de Segurança. Este, oficialmente, adotou plano americano em resolução, autorizando o estabelecimento de uma força militar internacional na Faixa de Gaza.

O primeiro-ministro israelense elogiou a ação de Donald Trump na ONU — assim como a adoção do plano americano para paz pela organização. Para não criar polêmicas com seu Gabinete, que é contra o estabelecimento de um Estado Palestino, o premiê teceu elogios apenas em inglês. Mas sabe que a decisão na ONU coloca seu governo em xeque.

Questão palestina de volta à ONU

A aprovação de uma resolução no Conselho de Segurança da ONU sobre o estabelecimento de um Estado Palestino veio como um rolo-compressor sobre o governo israelense.

O boato que se espalhou pelo Oriente Médio é que tudo foi elaborado pelo premiê Israel, Benjamin Netanyahu. O que não é verdade. Ao contrário, quem mais perdeu com a decisão unânime do seleto grupo de países que compõem o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas foi o líder do Estado Judeu.

A partir de agora, a questão que vai levar ao estabelecimento do Estado Palestino internacionalizou-se e pode ser a chave que faltava para abrir as porta para levar à normalização regional. Há espaço suficiente para otimismo.

A resolução estabelece a formação de um exército internacional em Gaza, o mínimo envolvimento da uma Autoridade Palestina completamente reformada e uma vaga referência sobre o caminho que vai levar ao Estado Palestino.

A linguagem para este momento tem que ser evasiva, senão a diplomacia não terá espaço para estabelecer as bases reais para o surgimento de um novo país. No entanto, trata-se de um marco histórico já que é a primeira vez que o Conselho de Segurança aprova a formação de um exército dentro dos territórios ocupados em 1967 que vai se posicionar numa “buffer zone” ou uma “zona neutra” entre israelenses e palestinos.

O documento também autoriza a formação de uma autoridade governamental em Gaza que não será nem Israel ou da Autoridade Palestina. Mas uma terceira via, tecnocrata e também internacional, que vai operar independentemente da aprovação ou não de Israel. Trata-se de uma grande mudança.

Nada disso se adequa à visão do governo de extrema-direita que comanda Israel sobre a questão palestina, principalmente depois do massacre de 7 de outubro de 2023 — que levou à guerra na Faixa de Gaza.

Netanyahu rejeita com veemência qualquer tipo de envolvimento da Autoridade Palestina, dispensa sequer menções diplomáticas sobre um Estado Palestino e considera que Israel venceu a guerra em Gaza.

Se a proposta tivesse sido colocada ao premiê de Israel no dia 8 de outubro certamente teria sido rejeitada.

Os Estados Unidos de Trump deixaram claro que o Hamas jamais aceitou libertar os reféns israelenses capturados durante a invasão do grupo terrorista no sul de Israel sem que houvesse a retirada completa das tropas israelenses da Faixa de Gaza.

O acordo só ocorreu devido à pressão militar americana sobre o grupo terrorista — além do total comprometimento do presidente Donald Trump com a questão.

O governo Trump já garantiu que nenhum palestino será expulso da Faixa de Gaza e que também Israel não vai mais anexar terras palestinas com novos assentamentos na Cisjordânia.

Arábia Saudita é peça chave

Para que Israel aceitasse a decisão americana sobre a questão palestina no Conselho de Segurança da ONU, Trump teve que negociar com outro ator importante que faz parte desse jogo complicado chamado, a “paz no Oriente Médio”: a Arábia Saudita.

O caminho para estabelecimento do Estado Palestino passa por Riyad, a capital do reino Saudita.

No mesmo dia em que governo americano levou o plano Trump para estabelecer a paz no Oriente Médio ao Conselho de Segurança da ONU, Donald Trump recebeu em Washington a visita oficial do príncipe saudita, Mohamed Bin Salman. E logo anunciou que vai vender caças F-35 para a Arábia Saudita — apesar da objeção israelense.

Israel detém exclusividade sobre o uso dessa aeronave — que coloca o país em nível militar bem acima das outras nações da região.

A venda dos caças aos sauditas tira de Israel essa superioridade e é uma decisão estratégica altamente sensível. Porque vai proporcionar a Riyad o acesso irrestrito à máquina de guerra mais potente da atualidade. Apesar que os F-35 que serão negociados não contam com a tecnologia israelense — que tornou os caças ainda melhores e praticamente invencíveis.

O governo Trump não colocou a venda dos caças como condição para que as relações entre Israel e a Arábia Saudita sejam normalizadas e nenhum tipo de compensação foi apresentado para Jerusalém.

A lei americana obriga os Estados Unidos a preservarem a superioridade militar qualitativa de Israel — o que garante ao Estado Judeu a exclusividade sobre o uso e a venda de equipamentos militares.

Por isso, do ponto de vista israelense para que essa venda aconteça, os Estados Unidos precisam da aprovação, por escrito, de Israel. Trump e Netanyahu estão conscientes dessa tradição e vão utilizá-la em seu favor colocando um acordo de paz entre Israel e a Arábia Saudita no pacote de negociação como um questão “sine qua non”.

Energia nuclear do Irã

Israel deverá ser compensado com a garantia dos Estados Unidos em interromper o programa nuclear do Irã e ainda pode levar, “de quebra”, mais um esquadrão de caças F-35 e estoques de armamentos de uso exclusivo do exército americano, sistemas de defesa aérea e assistência militar irrestrita e perene.

Por enquanto, todos esses pedidos estão na mesa de negociação —apesar da venda dos caças aos sauditas estar avançada.

Netanyahu tem esperança de que o processo de normalização das relações entre Israel e a Arábia Saudita se inicie, nem que seja apenas para garantir uma foto que certamente será usada na campanha pré-eleições.

Mas o reino saudita está reticente sobre o assunto, a ponto de já ter declarado oficialmente a deterioração significativa dessa relação — que, de acordo com o príncipe Mohamed Bin Salman, só será reconhecida se Israel garantir o caminho para o estabelecimento efetivo do Estado Palestino.

Além disso, os sauditas não confiam em Netanyahu. Por isso qualquer gesto de boa vontade para a normalização diplomática entre os dois países será sob “as bênçãos” e garantias que virão de Donald Trump sob as ordens do príncipe saudita e não por médio do primeiro-ministro de Israel. As cartas estão na mesa e o jogo continua….