Laurenice Noleto relembra para o Dia Internacional da Mulher que o feminismo é um braço da luta pelos direitos humanos

“Ser feminista é aprender a se conhecer e reconhecer a realidade do país, fazendo valer o direito das mulheres”, foi com essa frase que a jornalista, escritora, artesã licoreira e mulher do ex-preso político Wilmar Alves, Laurenice Noleto Alves, mais conhecida como Nonô Noleto, começou a nossa conversa. Nonô conta que nos tempos de juventude, ela não se afirmava como uma feminista, mas suas atitudes já eram com ares de quem lutava pela emancipação feminina, mesmo que ainda não tivesse nomeado suas ações.

Nonô, hoje com 73 anos, viveu a vanguarda de movimentos feministas em Goiás. Ela revela que na década de 1970 já existiam mulheres que se diziam feministas, como a jornalista e historiadora, Glória Drummond, falecida em 2019. Naquela época, o conceito de “mulher feminista” era algo mais radical, segundo a jornalista. “Era uma mulher independente e que brigava com os homens”, diz. Noleto, durante toda a entrevista, Laurenice se mostra como uma mulher que lutou (e ainda luta) contra a cultura patriarcal.

Ainda na década de 1970, Nonô saiu da casa dos pais para morar sozinha, fato que na época era motivo de “vergonha” para a família. “Eu disse que estava saindo de casa pois queria ser independente e morar sozinha. Eu fazia teatro à noite, as aulas acabavam tarde e meu pai não gostava disso. Foi difícil para eles entenderem que eu não estava abandonando a família. Eu estava saindo para viver a minha liberdade, viver eu mesma. Para mim, ser mulher era ser dona do meu pensar e do meu caminhar”, relembrou. O respeito do pai só foi reconquistado depois que Nonô, quando se tornou professora, lecionou para ele. “Nossa relação depois que eu me tornei sua professora se transformou em algo de muito companheirismo e respeito”, conta.

Na constante busca de “si mesma”, Nonô diz que “a atitude da mulher precisa ser firme e respeitosa” e foi exatamente isso o que ilustrou os próximos caminhos de sua vida pelos direitos das mulheres. Ela se casou com o jornalista Wilmar Alves, que na década de 1970 se tornou preso político durante a ditadura militar. Foi nesta época em que conheceu, de fato, os “direitos humanos”. Wilmar era do Partido Comunista do Brasil (PCB) e, segundo Nonô, “isso era considerado muito grave, uma subversão da ordem da segurança nacional, pois estávamos em uma ditadura”. “Meu marido foi preso três vezes e eu comecei antes mesmo de nos casarmos, ir atrás para saber mais sobre o assunto, conhecer os porões, o sistema de ditadura em que estávamos vivendo. Era uma censura severa e, dentro de todos os direitos que buscávamos, estava ali o direito das mulheres. Cada vez mais fui me empolgando nas lutas contra as ditaduras. Fui me conhecendo e me afirmando como uma mulher dentro deste sistema”, pontua.

Para a jornalista, “enquanto a mulher não for respeitada, existirá o feminismo. É uma luta pelos direitos humanos dentro da democracia. A preservação da democracia inclui o feminismo”. Ainda falando sobre a vanguarda, Nonô relata que sua história de vida tem muita relação com os tempos atuais, nos quais mães precisam se desdobrar para dar conta de manter a vida familiar e uma vida profissional, papel este que não recai sobre os homens. Pioneira na redação do Jornal O Popular, Noleto era a única mulher.

Após sair da redação, a jornalista editou o primeiro telejornal de notícias da TV Brasil Central, reformou o jornalismo da Rádio Riviera e implantou o Jornal da Cidade, com a novidade de uma cobertura jornalística saindo cedinho, logo na parte da manhã. Além disso, cobriu a Constituinte pelo jornal Folha de São Paulo e o Correio Braziliense. Voltou a Goiânia e foi correspondente por quase cinco anos pelo Estadão. Nonô conta que em um desses empregos de chefia, no seu primeiro dia de trabalho, um dos melhores jornalistas da redação pediu demissão. Ela relembra exatamente a frase dita no meio de uma reunião “estou pedindo a minha demissão pois não aceito ordem de mulher. Não aceito trabalhar e cumprir ordem de nenhuma mulher, ainda mais uma menina como você”. Em choque, Nonô diz que manteve a postura.

O caminho profissional logo tomaria outros rumos. Depois da maternidade, considerada por Nonô como uma escolha e após episódios recorrentes de crises asmática e de bronquite de seu filho, ela precisou se ausentar do trabalho por vários dias. “Me senti obrigada a pedir demissão, me senti responsável por ter feito a opção da maternidade naquele momento. E hoje vejo que o feminismo passa por mais este aspecto, a luta da mulher que é mãe e trabalhadora”, explica. Segundo a jornalista, “qualquer mãe corre o risco de viver essa situação em que vivi. É uma carga pesada ser mãe e trabalhar. Muita gente questiona a necessidade de luta feminista, mas todas essas questões fortalecem a necessidade de voltar os olhos para esses pontos. E ainda estamos na luta”.

Questionada sobre o maior desafio enfrentado pelas mulheres feministas, Nonô é enfática ao dizer que o machismo é uma das maiores preocupações. “É a maior doença com que lutamos”, classifica. Segundo ela, o homem ainda não aceitou que a mulher pode ser independente, respeitada e livre. “Quando uma mulher diz ‘não’, ela pode ainda ser morta, pois é disso que estamos falando. O machismo provoca o feminicídio e tantos outros tipos de violência contra a mulher”, pontua. Até hoje Nonô segue na batalha e, junto com outras mulheres feministas, fundaram o bloco carnavalesco “Não é Não”.

O bloquinho, segundo ela, é uma forma de protestar e lutar, mas brincando e rindo. “Queremos mostrar que as vozes feministas não são figuras de mulheres carrancudas e ‘feias’. Somos alegres, sorridentes e de bem com a vida. Queremos que todas as mulheres possam viver bem e que o carnaval seja uma forma de passar essa mensagem com juventude e alegria”, afirma. Nonô também destaca que o bloco “Não é Não” valoriza a natureza, os indígenas e os quilombolas. Nonô relembra que na época da ditadura militar, muitas mulheres foram à luta com os homens “estavam de braços dados e mulheres foram presas, torturadas e mortas. Hoje, estamos aqui continuando a luta delas”. Como um fôlego nessa luta de vida inteira, Nonô diz que haverá resistência enquanto houver necessidade para fazer valer o direito das mulheres e, quando ela já não estiver mais aqui, “tantas outras virão”.