Emenda parlamentar: Falta planejamento, regras claras de distribuição e utilização, além de transparência
27 janeiro 2024 às 15h26
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As emendas parlamentares são recursos do orçamento público que os parlamentares podem destinar para projetos e obras de seu interesse político ou social. Elas são um instrumento importante para o desenvolvimento de regiões e setores que precisam de investimentos públicos, mas também podem ser usadas como moeda de troca entre o Executivo e o Legislativo, gerando casos de corrupção e desvio de finalidade.
O presidente Lula (PT), na última semana, vetou trechos do orçamento que reduzem em cerca de R$ 6 bilhões o valor das emendas parlamentares. O veto, é claro, deve ser derrubado pelo Congresso Nacional. Mas o diagnóstico é um só: o modelo está completamente desalinhado com os fundamentos de uma gestão eficiente para o crescimento do País.
No Brasil, as emendas parlamentares se dividem atualmente em:
- Emendas individuais: cada um dos 594 congressistas tem direito de apresentar até 25 emendas individuais. A execução das emendas era uma decisão política do governo, que poderia ignorar a destinação apresentada pelos parlamentares. Em 2015, porém, uma emenda constitucional tornou obrigatória a execução das emendas individuais, até o limite de 1,2% da receita corrente líquida do ano anterior.
- Emendas de bancada: cada uma das 27 bancadas estaduais ou do Distrito Federal tem direito de apresentar até 15 emendas de bancada. A execução das emendas também era facultativa ao governo, mas em 2019 outra emenda constitucional tornou obrigatória a execução das emendas de bancada, até o limite de 1% da receita corrente líquida do ano anterior.
- Emendas de comissão: cada uma das 25 comissões permanentes da Câmara e do Senado tem direito de apresentar até quatro emendas de comissão. A execução das emendas é discricionária do governo, e depende da disponibilidade orçamentária.
- Emendas de relator: o relator-geral do Orçamento e os relatores setoriais têm direito de apresentar emendas ao projeto de lei orçamentária anual (PLOA), modificando a proposta enviada pelo governo. A execução das emendas é discricionária do governo, e depende da disponibilidade orçamentária.
As emendas parlamentares são um instrumento legítimo e importante para o exercício da função legislativa, pois permitem que os representantes do povo participem da definição das prioridades e dos gastos públicos. No entanto, o modelo brasileiro tem sido alvo de críticas e denúncias por sua falta de transparência e controle.
Em 2020, o jornal O Estado de S. Paulo revelou o caso do “orçamento secreto”, em que o governo federal teria usado as emendas de relator para beneficiar políticos aliados, sem dar publicidade sobre qual parlamentar indicou o quê. O esquema teria movimentado cerca de R$ 3 bilhões em recursos públicos, destinados principalmente para a compra de tratores e equipamentos agrícolas superfaturados.
Em 2021, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a suspensão dos pagamentos das emendas de relator, atendendo a uma ação movida por partidos de oposição. A ministra considerou que as emendas violam os princípios da transparência, da moralidade e da impessoalidade na administração pública.
Falta transparência e um sistema integrado e acessível que permita acompanhar a origem, o destino e a execução das emendas parlamentares. Os dados disponíveis são fragmentados, incompletos e inconsistentes. Isso dificulta o controle social e a fiscalização dos órgãos competentes.
No caso brasileiro, é preciso avançar na reforma do sistema de emendas parlamentares, para garantir que elas sejam usadas de forma democrática, eficiente e ética. Algumas medidas possíveis são: estabelecer critérios objetivos e técnicos para a distribuição dos recursos; fortalecer os órgãos de controle interno e externo do orçamento; ampliar a participação da sociedade civil na definição das prioridades e no acompanhamento da execução das emendas; e reduzir a dependência dos parlamentares em relação ao governo para a liberação das verbas.
Como funciona na Europa
Na Europa, não há um modelo único de emendas parlamentares, pois cada país tem suas próprias regras e práticas orçamentárias. No entanto, podemos destacar alguns exemplos de países que adotam esse instrumento com diferentes graus de flexibilidade e controle.
Na França, as emendas parlamentares são chamadas de “reservas parlamentares”, e são usadas pelos deputados e senadores para financiar projetos locais ou associações sem fins lucrativos. Elas representam cerca de 0,03% do orçamento geral do Estado, e são distribuídas conforme critérios definidos pelas mesas diretoras das duas casas legislativas. Em 2017, uma lei foi aprovada para aumentar a transparência e a fiscalização das emendas, que passaram a ser publicadas no site do Parlamento.
Na Alemanha, as emendas parlamentares são chamadas de “projetos individuais”, e são usadas pelos deputados para destinar recursos para projetos culturais, educacionais ou sociais em seus distritos eleitorais. Elas representam cerca de 0,1% do orçamento federal, e são distribuídas conforme critérios definidos pelos grupos parlamentares dos partidos. Em 2018, uma lei foi aprovada para limitar o valor das emendas e exigir que os beneficiários sejam entidades públicas ou sem fins lucrativos.
Na Itália, as emendas parlamentares são chamadas de “emendas ao orçamento”, e são usadas pelos deputados e senadores para modificar a alocação de recursos prevista pelo governo. Elas representam cerca de 0,5% do orçamento do Estado, e são distribuídas conforme critérios definidos pelas comissões parlamentares de orçamento. Em 2019, uma lei foi aprovada para proibir as emendas que beneficiem entidades privadas ou que tenham finalidade eleitoral.
EUA
Nos Estados Unidos, as emendas parlamentares eram chamadas de earmarks, que significa algo como a anotação que se faz na “orelha” de um documento, ou do Orçamento, neste caso. Elas eram usadas pelos congressistas para destinar recursos para projetos específicos em seus estados ou distritos eleitorais, muitas vezes sem relação com o tema da lei orçamentária.
Em 2011, após uma série de escândalos envolvendo o uso indevido das emendas, os partidos Republicano e Democrata entraram em um acordo para abolir o instrumento, que ficou associado à corrupção e ao desperdício de dinheiro público.
Em 2021, porém, as emendas voltaram a ser adotadas no Congresso americano, com novas regras e outro nome: “Community Project Funding”, ou “financiamento de projeto comunitário”. Agora, tanto a Câmara quanto o Senado instituíram uma série de medidas para aumentar a transparência e evitar o conflito de interesses. Por exemplo:
- Os pedidos de emendas devem ser feitos online e divulgados para o público 24 horas antes de serem analisados pela Comissão de Orçamento;
- Os parlamentares devem declarar que não têm nenhum interesse pessoal ou financeiro nos projetos que indicam;
- Os projetos devem ter o apoio de autoridades locais ou estaduais, como prefeitos ou governadores;
- Os projetos devem estar relacionados à área temática da lei orçamentária;
- Há um limite de 10 pedidos por parlamentar e um teto de gastos para cada casa legislativa.
Além disso, as emendas não funcionam como moeda de troca entre a Casa Branca e o Legislativo, pois o presidente tem poder de veto sobre elas. Assim, os congressistas precisam negociar com o governo e com os partidos para garantir a aprovação e a execução das emendas.