Brasileiros, americanos e especialistas analisam participação de Kamala Harris na disputa eleitoral dos Estados Unidos

26 julho 2024 às 12h48

COMPARTILHAR
O presidente dos Estados Unidos, o democrata Joe Biden, desistiu da candidatura à reeleição no domingo, 21, e reformulou completamente as previsões para a corrida à Casa Branca. Sua participação na disputa eleitoral estava sendo questionada por apoiadores do próprio partido devido às confusões de Biden em eventos públicos, como as dificuldades do candidato à reeleição durante debate contra o republicano Donald Trump. Agora, a possível entrada da vice-presidente Kamala Harris na disputa reconfigura o cenário das eleições.
As eleições presidenciais da maior economia do planeta chamam a atenção de todo o mundo por diversos motivos. Um deles foi o atentado contra a vida do candidato republicano ex-presidente, Donald Trump, durante comício na Pensilvânia, há duas semanas. Outro ponto que chamou a atenção de jornais de todo o planeta foram as confusões mentais do presidente Joe Biden. Em evento da Otan, Biden chamou o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, de Putin, nome do presidente da Rússia, país em guerra contra a Ucrânia. Outras gafes se repetiram, forçando a retirada de Biden da disputa.
Vale ressaltar que os Estados Unidos é o principal destino para migrantes brasileiros. Estimativas do Itamaraty do ano de 2022 mostram que, dos 4,59 milhões de cidadãos brasileiros que moram no exterior, cerca de 1,9 milhão estão nos Estados Unidos. A tendência é que esse número cresça. Em segundo lugar, está Portugal, com 360 mil brasileiros. Os discursos anti-imigração de Trump também inflamam a competição e acendem alerta vermelho para aqueles que estão de forma ilegal no país cuja economia é a maior do mundo.
Leia também: Com ataques a Biden, ao democratas e com discurso anti-imigração, Trump fala em união e amor em seu primeiro discurso
Com candidatura em risco, Biden comete nova gafe e chama Zelensky de Putin
Kamala Harris faz primeiro discurso após desistência de Biden
O Jornal Opção entrou em contato com brasileiros que moram nos Estados Unidos e com estadunidenses que moram no Brasil, a fim de sondar as opiniões sobre as eleições, especialmente sobre a viabildiade eleitoral da entrada de Kamala Harris na disputa. Nas pesquisas de intenção de voto realizadas nos Estados Unidos, a vantagem que Trump possuía sobre Biden foi reduzida quando em embate com a vice-presidente. Ambos aparecem em empate técnico, e, em alguns casos, Kamala apresenta vantagem sobre o ex-presidente.
Brasileiros nos Estados Unidos
Lara Braga, brasileira que está legalmente morando nos Estados Unidos, conta que conhecia pouco da atuação política de Kamala Harris enquanto vice-presidente. Entretanto, ela associa os posicionamentos da democrata com os de seu partido. “Me assemelho muito mais aos posicionamentos democratas do que aos republicanos”, explicou.
Quando questionada sobre a percepção geral dos americanos sobre a desistência de Joe Biden da corrida eleitoral e a possibilidade de Kamala assumir sua posição, Lara afirma que a instabilidade econômica vivida pelos Estados Unidos (que se iniciou na pandemia de Covid-19) influencia na tomada de decisão da população. “Tem muitos americanos que são democratas que ficaram balançados sobre o voto”, disse ao se referir ao período em que Biden estava à frente da chapa democrata.

A brasileira traça paralelos com a eleição de 2022 no Brasil, na qual os eleitores votavam em um candidato mais por não quererem que seu oponente assumisse a Presidência do que, de fato, por concordar com o plano de governo e com as ideologias apresentadas. Apesar de estar confiante de que um governo de Trump seria mais danoso para as minorias sociais, Lara se questiona: “Eu não sei quão diferente [um governo de Kamala] seria do governo do Biden”.
Débora Noletto, brasileira que vive nos Estados Unidos, conta que percebe o eleitorado dividido com a possibilidade de Kamala assumir a corrida presidencial no lugar de Biden. “Alguns bastante empolgados e outros apavorados”, resumiu.
Para ela, “um governo de Kamala Harris, provavelmente, seria focado em justiça social, igualdade de direitos, reforma da justiça criminal, expansão do acesso à saúde e educação, e combate às mudanças climáticas com ênfase em sustentabilidade e inovação”, muitas das pautas adotadas pelo partido Democrata como um todo. Noletto relembra a atuação da vice-presidente como promotora em San Francisco, e afirma que Harris é “uma mulher com uma história de vida interessante, principalmente do ponto de vista imigrante”.

O que pensam os eleitores estadunidenses
Ao Jornal Opção, Danyelle de Lima Wood, estadunidense nata e mestra em Relações Internacionais e Direito, explica um pouco melhor o cenário da disputa após a desistência de Biden.
A especialista destaca o momento em que o presidente desistiu de sua campanha à reeleição, após a realização das convenções republicanas. “Os republicanos fizeram as convenções e escolheram a chapa do Trump com base no Biden como seu oponente”, explicou. Agora, com a mudança de oponente, a base de Trump talvez não consiga dialogar com tantos eleitores quanto a de Kamala.
“Trump foi criar uma chapa que só dialoga com a base dele, e essa base não vai deixar de votar nele”, afirmou e complementou: “ela [Kamala] é uma candidata que vai falar diretamente com o público que o Trump não consegue falar com a chapa que formou com com o Vance [vice-presidente na chapa republicana]”.

Para Danyelle, o fator decisivo nas eleições é o diálogo com os eleitores republicanos insatisfeitos com a política de Trump e com os jovens (que foram pouco mobilizados no último pleito). Os conhecidos Estados “pêndulos”, que oscilam entre republicanos e democratas ao longo dos anos, são o foco de atuação de ambos os candidatos.
Pensando na figura de Kamala em si, a mestra em Relações Internacionais enxerga um perfil mais de centro-direita na atuação política da vice-presidente. Por conta de suas origens étnicas, do fato de ser negra e mulher, espera-se dela uma política mais progressista e liberal no campo da política. Entretanto, Danyelle não sabe até que ponto essa agenda pode se colocar em prática.
“Ela [Kamala] é mais progressista do que Trump, mas eu não a vejo necessariamente como uma pessoa que, durante sua história, foi tão progressista assim”, explicou. Outra crítica feita pela especialista é sobre a atuação de Kamala enquanto vice-presidente: “Os posicionamentos políticos que ela poderia ter defendido nesses últimos quatro anos ficaram totalmente apagados”.
No caso de vitória democrata, Danyelle se questiona sobre quão diferente do governo Biden seria o mandato de Harris. Considerando as declarações públicas da vice-presidente, o esperado é que um eventual governo de Kamala “seja uma continuação de Biden” em diversos aspectos. Um diferencial apontado pela especialista é a maior pressão que Harris vai sofrer internamente por conta de suas origens étnicas e pelo fato de ser mulher. “Ela vai ter que se provar mais do que o Biden”, concluiu.