Eisejuaz, de Sara Gallardo: registro impactante sobre os povos indígenas no Chaco Argentino
24 março 2024 às 00h00
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Carlos Willian Leite
Um dos livros de cabeceira de Ricardo Piglia, “Eisejuaz”, é um romance singular. Lançado em 1971, é frequentemente comparado a “Zama”, de Antonio Di Benedetto.
Sara Gallardo (1931-1988), que escreveu o livro antes dos 40 anos (viveu apenas 57 anos), adotou uma abordagem distinta, não se alinhando completamente com o boom latino-americano, que estava no auge — embora seja possível identificar claramente ecos de autores como o argentino Ernesto Sabato e o mexicano Juan Rulfo. O enredo se aprofunda na vida de um indígena wichí, marcada por uma intensa busca espiritual e conflitos culturais, refletindo as complexidades da identidade e resistência indígenas.
A autora habilmente entrelaça uma variedade de perspectivas, alternando entre a primeira e a terceira pessoa, além de incorporar uma multiplicidade de vozes: árvores, pássaros, lagartixas… A narrativa inovadora não apenas espelha a cadência e nuances do discurso wichí, mas também estabelece uma estrutura fragmentada. O cerne desta construção é um monólogo interno profundo, que revela a guerra interior de Eisejuaz — um homem complexo enfrentando perdas e cansaço moral — e sua incessante busca por um significado mais amplo em sua fé e propósito na vida.
O livro é um pequeno monumento. Um registro impactante sobre as realidades enfrentadas pelos povos indígenas no Chaco Argentino, destacando as consequências das missões cristãs e a interação complexa entre diferentes culturas. A abordagem apresentada redefine a literatura indígena, transcendendo o registro histórico e a experimentação linguística para alcançar uma dimensão quase transcendental e metafísica.
Complexo, difícil, mas igualmente belo e gratificante.
Nota: 9
Carlos Willian Leite é poeta, jornalista, crítico literário e editor da Revista Bula.