Há 122 anos, em agosto de 1903, quatro figuras icônicas se reuniram para uma aventura no céu de Paris. A cidade luz vivia o auge da Belle Époque, um tempo de avanços tecnológicos e inovações artísticas. Santos Dumont foi o retrato dessa era de ouro. Ser amigo do homem mais famoso de Paris, significava a possibilidade de ganhar os céus junto a ele. E foi, justamente, isso que aconteceu quando ele convidou Antônio Prado Júnior, um influente político e empresário brasileiro ( prefeito do Rio de Janeiro), sua esposa Eglantina Penteado e o amigo próximo, intelectual Eduardo Prado para um passeio de balão sobre Paris.

Naquele dia, o pioneiro da aviação preparou o balão Lutéce ( todas aeronaves de Dumont eram batizadas com nomes específicos) enquanto os Prado aguardavam ansiosos no Campo de Marte, mesmo local de onde Dumont iria decolar, anos depois, com o 14-Bis. O inventor havia montado ali um hangar (palavra criada por ele que indicava o local onde seus balões e aviões eram guardados). Todos compartilhavam uma forte conexão. Outro membro da elite brasileira, Armando A. Penteado, também amigo do grupo e sua esposa Germaine, ficaram em terra para testemunhar o voo que entraria para a história.

Minutos antes do voo, o clima era de ansiedade, nervosismo e expectativa. Com todos a bordo, Santos Dumont soltou as amarras do balão e o Lutéce subiu suavemente. Aos poucos, a paisagem parisiense era tudo que o famoso piloto e os ilustres passageiros tinham bem abaixo deles. A vista de Paris, a cidade das luzes, era deslumbrante. A Torre Eiffel, o Arco do Triunfo o rio Sena ficaram pequenos lá de cima. Para Eglantina, foi um momento de pura liberdade.

Assim ela descreveu algo que nunca havia experimentado em toda sua vida. A brasileira contou em seu diário que lá em cima, além das nuvens que acariciavam seu rosto, pairava um silêncio estarrecedor que às vezes era interrompido por exclamações de admiração e risos. Todos naquele cesto tinham consciência que faziam parte de algo histórico, principalmente Eglantina que ainda comentou com Dumont sobre o impacto que aquela invenção poderia ter no futuro mundial. Ela estava certa.

Ao final da tarde, o Lutéce aterrizou no mesmo campo de onde havia partido. Era o fim de uma aventura que estaria pra sempre marcada na vida de cada um daqueles que, junto a Dumont, navegaram pelos céus nas asas da loucura.

Eglantina e Antônio Prado Júnior sentados à frente de Santos
Dumont. Atrás do grupo, Eduardo Prado. E à esquerda, Armando A.
Penteado e Germaine

Tereza de Marzo, a primera aviadora do Brasil

O machismo e o preconceito marcou a história da primeira aviadora do Brasil. Apaixonada por aviação, foi repreendida pela família quando relatou desejo de pilotar um avião, mas o pai dela vetou, imediatamente, a ideia da filha que queria ganhar asas e voar. Ele dizia que o lugar da mulher era dentro de casa, cuidando dos filhos e do marido.

Inconformada e determinada, Thereza sabia que para alçar ao céu tinha que resolver, primeiro, os problemas em terra, e isso significava romper preconceito. Thereza deixou a casa dos pais e atravessou a cidade de São Paulo à pé até chegar ao Aeródromo Brasil onde dois pilotos italianos davam aulas de voo. Ela rifou o único bem que levou de casa: uma vitrola.

Com o dinheiro, pagou o curso e iniciou as aulas. Era março e 1921, Thereza acabara de completar 18 anos. Um ano depois, à frente de um avião Caudron G-3, realizou seu sonho e pilotou sozinha a aeronave. Um mês depois, a paulistana recebeu o brevê de número 76 da Féderation Aeronautique Internationale após habilitar-se perante a banca do Aeroclube Brasil, Thereza era oficialmente uma piloto de avião: a primeira comandante do Brasil.

Para se sustentar, Thereza criou as chamadas “Tardes de Aviação” e passou a realizar voos panorâmicos com passageiros sobre a cidade de São Paulo, até que no final de 1922 foi contratada para fazer seu primeiro reide de São Paulo a Santos. No mesmo ano, junto da feminista Berhat Lutz, Thereza criou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino.

Foi um outro amor que interrompeu a carreira promissora de Thereza Marzo. Aos 23 anos, em 1926, ela casou-se com o instrutor de voo, Fritz Roesler, que proibiu a mulher de continuar a carreira de piloto após os casamento. Por algum tempo, Thereza ainda acreditou que poderia voltar a voar já que o casal tinha em comum a paixão pela aviação. Em vão, em nome do casamento e dos “bons costumes” ela foi
obrigada a optar e preferiu a companhia do marido.

O Código Civil de 1916 previa que a mulher casada precisava ter autorização do marido para exercer atividades diversas. Thereza não tinha opção. Somente em 1962 essa realidade mudou no país com a emancipação feminina. Apesar disso, a primeira mulher brasileira a pilotar um avião totalizou mais de 300 horas de voo em trajetória marcada por pioneirismo, coragem e êxito.

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