“Doar sangue é a maior forma de amor que se pode demonstrar ao próximo”, diz presidente da AHEG
17 abril 2021 às 14h36
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Dados mostram que, durante a pandemia, doações de sangue reduziram e demanda pelo fluído aumentou de forma significativa, tanto para o tratamento de doenças não eletivas, quanto da própria Covid-19
Desde o ano de 1989, o dia 17 de abril, é marcado pelo Dia Mundial da Hemofilia, que é celebrado neste sábado. A data foi escolhida pela Federação Mundial do Hemofílico, organização fundada por Frank Schnabel, em 1963. Sem fins lucrativos, a federação atua em 113 países do mundo.
Em especial, esta data foi escolhida pela organização em homenagem ao dia do aniversário de Frank, que além de portador de hemofilia A grave, durante toda sua vida lutou em prol da melhora da qualidade de vida das pessoas portadoras da doença. O presidente da Associação dos Hemofílicos do Estado de Goiás (AHEG), Jorge Porto, explica que a hemofilia é uma anomalia hereditária do sangue que acomete uma a cada dez mil pessoas e geralmente se manifesta em pessoas do sexo masculino – mas há exceções.
“A hemofilia é dividida em duas: A e B. E dentro de ambas essas categorias, há a leve, moderada e grave”, completa. O tipo A consiste em uma deficiência do fator de coagulação VIII e representa a maior parte dos casos. Já a hemofilia B, se trata de uma deficiência do fator de coagulação IX.
História de Jorge
Aos 11 anos, após diversos testes, Jorge foi diagnosticado com hemofilia A grave – que também se manifestou em sua filha e em seu sobrinho. “Nessa época, eu sangrava muito, mas quando ia no médico, ele não sabia o que era, então fazia tratamento para outras doenças. Isso, porque nos anos 70 ainda não existia tratamento próprio para hemofilia, o que passei a tomar assim que fui diagnosticado foi o sangue total. Com a modernização, comecei a tomar o plasma do sangue e depois iniciei a terapia de reposição com injeções semanais de fator de coagulação que é do plasma”, narra Jorge.
Segundo o presidente da AHEG, nesse momento, todas as associações de hemofílicos do mundo estão fazendo algum ato para divulgar a anomalia. “Nem todo mundo sabe o que é, e quem sabe, geralmente não sabe como ou onde tratar. Isso é perigoso. Existem casos de pessoas que foram a óbito por esse desconhecimento. Não sabiam que tinha a hemofilia e sangraram até a morte; só foi descoberta presença da deficiência depois da morte, quando foi colhido o sangue. Por isso, é importante que, com essas ações, as pessoas saibam identificar quando uma pessoa tem ou não a hemofilia, uma vez que muitos têm e não sabem disso” diz.
De acordo com o Manual da Hemofilia, produzido pelo Ministério da Saúde em 2015, o diagnóstico da hemofilia deve ser cogitado “sempre que há história de sangramento fácil e excessivo, após pequenos traumas, ou de forma espontânea”. Apesar da hereditariedade ser grande fator determinante, 30% dos casos de pessoas que nascem com a deficiência podem não ter antecedentes familiares da doença.
Jorge diz que, apesar de pessoas hemofílicas não serem deficientes físicos, o não tratamento da hemofilia pode, a longo prazo, fazer com que isso ocorra. Isso, porque como a hemorragia excessiva é o principal sintoma, ela pode ocorrer em uma articulação ou músculo – provocando dores e até mesmo restringindo a movimentação muscular ou articular.
“Não tínhamos acesso a medicamento, nos anos 70, como temos hoje, por isso, hoje sofro com sequelas em várias das minhas articulações, como no joelho. Mas a qualidade dos tratamentos de 20 anos para hoje mudou completamente”, relata Jorge.
O manual ainda explica que os tratamentos têm como principal pilar a reposição parenteral do fator da coagulação deficiente. Assim, pacientes com hemofilia A recebem a molécula do fator VIII, e os que portarem a hemofilia B, injetam a molécula do fator IX. Os hemocentros distribuem gratuitamente essa medicação que é fornecida pelo Ministério da Saúde.
Situação dos bancos de sangue na pandemia
A evolução dos tratamentos, atualmente, segundo Jorge, consiste em uma realidade completamente diferente da que vivenciou quando teve seu diagnóstico. Assim, acredita que a geração atual e as gerações posteriores, possuem uma qualidade de vida muito inferior à que ele teve quando iniciou os cuidados médicos adequados e a que tem atualmente. Por mais modernos que sejam, o tratamento é dependente de um estoque farto de bolsas de sangue nos bancos, o que esteve longe da realidade durante a pandemia do novo coronavírus.
Ao todo, na Hemorrede Pública Estadual de Goiás, foram coletadas 44.032 bolsas de sangue em 2020, número maior que o registrado em 2019, em que foram obtidas 40.740 doações. No primeiro trimestre de 2020, 9.617 dessas bolsas foram obtidas, número que foi superado nos meses de janeiro a março de 2021, onde já foram coletadas 10.151 bolsas de sangue. Entretanto, a Hemorrede esclareceu que tal redução foi por período, e que com realização de parcerias e a intensificação de campanhas que promoveram o aumento de coletas externas, foi possível chegar à normalidade de doações.
Além disso, apesar de ter sido registrado maior quantidade de coletas de bolsas de sangue em 2020 que em 2019, a diretora técnica do Hemocentro, Ana Cristina Novais, explica que, ao mesmo tempo, foi constatado um aumento no consumo e na distribuição dos hemocomponentes.
“Com a pandemia, se teve a seguinte situação: com o primeiro pico, até conseguimos ter um número expressivo de doadores, mas para esse segundo momento, tivemos pela primeira vez uma queda maior, uma vez que se tratou de um vírus mais agressivo. Assim, com esse aumento geral de doações em 2020, pode até parecer que sobrou sangue, mas não é verdade. Já que foi demandado um número maior de distribuição de sangue”, complementa Ana Cristina. A diretora técnica do Hemocentro de Goiás, inclusive, relembra que a própria Covid-19 faz com que o paciente necessite de transfusão de hemácias ou plaquetas, quando ele desenvolve determinadas sequelas.
Tallita Barbosa é a biomédica responsável pelo laboratório e pela Agência Transfusional do Hospital e Maternidade Municipal Célia Câmara, que recebe estoques de sangue do Hemocentro, há um ano tem funcionado como hospital de campanha devido a pandemia de coronavírus. “Aqui tenho totalidade de pacientes Covid. Quando eles evoluem o quadro para Unidades de Terapia Intensiva (UTI), eles são entubados, tomam anticoagulantes com frequência, e isso faz com que a demanda por bolsas de sangue seja maior”, expõe a biomédica.
Além da Covid-19, a biomédica do Banco de Sangue do Hospital de Câncer Araújo Jorge, Kelly Alves, chama atenção para doenças que tiveram que dar continuidade com seus tratamentos durante a pandemia e dependeram das doações de sangue, tais como, pacientes oncológicos e, inclusive, os hemofílicos. “Aqui no Araújo, diferente de outros que realizam tratamentos e cirurgias consideradas eletivas e conseguiram esperar para não consumirem recursos, nosso número de atendimento não diminuiu. Nossos atendimentos se mantiveram normalmente, mas nosso banco de sangue está passando por um período crítico”, conta.
Para o consumo interno dos pacientes, o Hospital Araújo Jorge utiliza o sangue contido em se próprio banco, que é formado por doações que são realizadas no hospital. Dados da Associação de Combate ao Câncer (ACCG), que opera o Araújo Jorge, mostra que em 2020, dos 10.354 candidatos a doações, apenas 7.993 foram considerados aptos. Desses, 2.413 foram doadores de reposição (ou seja, doadores para pacientes), e 5.576 doadores voluntários. Entretanto, foram realizadas 11.111 transfusões. No hospital, em 2020, foi registrado que, em alguns momentos, houve redução em 40% do número de doações.
Já em 2021, apesar de ainda se estar no quarto mês do ano, apenas 1810 dos 2274 candidatos a doação foram aptos. 1058 doações foram voluntárias e outras 752 para reposição. Até o momento, 2571 transfusões foram realizadas.
Além da divulgação intensa nas redes sociais e na imprensa com intuito de mobilizar a sociedade e atrair doadores, Kelly explica que o Banco de Sangue está tentando realizar a captação dentro do hospital, com familiares dos pacientes. “Há certa dificuldade nisso, uma vez que muitos pacientes que estão em tratamento não moram em Goiânia, mas em cidades do interior, e não conseguem captar doadores para a realização de doação de reposição. Com isso, as doações voluntárias acabam sendo maioria para manter o estoque”, acrescenta.
Importância da doação
Para quem ainda tem receio de doar sangue neste período, a biomédica, Tallita Barbosa, alerta que o medo não é necessário, ao considerar que os bancos de sangue estão preparados para receber os doadores com total segurança, com exclusividade e até por agendamento. “Um doador salva até quatro vidas. Para quem já doa, é importante que continue exercendo este ato. E para quem nunca doou, talvez essa seja a oportunidade”, acrescenta. A biomédica ainda ressalta que doar sangue não transmite doença, uma vez que todo o material utilizado no procedimento é descartável, estéril, de uso exclusivo do doador e depois é jogado fora.
Para Jorge, a doação de sangue é a maior forma de amor que uma pessoa pode demonstrar ao próximo. “É uma grande solidariedade com o outro. Por isso, as pessoas que têm uma boa saúde, precisam ter essa participação e a responsabilidade social para com o próximo”, diz.
A diretora técnica do Hemocentro, Ana Cristina Novais, relembra que o sangue é um componente de forma única que só vem de um única via: a doação. Por isso, além de agradecer o doador goiano, que, segundo ela, sempre se mostra disposto a colaborar com a causa, pede que continuem com as doações continuem atendendo a demanda do Estado.
Segundo o Hemocentro de Goiás, os requisitos básicos para passar pela entrevista pré-doação de sangue são estar saudável, ter peso acima de 50 kg, apresentar documento com foto válido em todo o território nacional e idade entre 16 e 69 anos, sendo que antes de completar 18 anos é necessária uma autorização dos pais ou responsáveis e, se acima de 60 anos, ter realizado pelo menos uma doação até essa idade. Além disso, quem tomou a vacina da febre amarela deve aguardar 30 dias para fazer uma doação. Já para vacina contra gripe, o prazo é de 48 horas.